|  | "Especialista é quem sabe cada vez mais sobre cada vez menos, e no fim acaba sabendo tudo sobre nada".
 A definição de George Bernard Shaw hoje é incompleta: especialista  também é aquele sujeito que aparece na TV com os botões do paletó  explodindo, braços cruzados no peito, olhando bravo para os  telespectadores (ou, pior ainda, com condescendência) e dizendo tudo, de  lugares-comuns a bobagens, com ar professoral, como se fossem  pensamentos originais e profundos.
 
 Outro dia, na TV, um desses especialistas com o armário cheio de  diplomas e pós-graduações pontificava a respeito da Líbia. Em sua  opinião, melhor do que atacar as tropas de Kadafi seria armar os civis  rebeldes, para que pudessem defender-se. Claro: e qualquer cavalheiro  que até o mês passado era advogado, jornalista ou professor saberia  pilotar um caça supersônico, não é verdade? Ou até mesmo dirigir um  tanque pesado. Pois, se fosse para dar-lhes fuzis e revólveres, a coisa  seria diferente:
 
 1 - eles têm fuzis e revólveres, comprados no mercado negro, ou  apreendidos nos quartéis que, no inicio da rebelião, conseguiram tomar;
 
 2 - armas leves não adiantam nada, enfrentando blindados e ataques aéreos.
 Essa história de chamar os universitários funciona bem no Show do  Milhão. Mas sem o Sílvio Santos, fica mais difícil, perde o charme.  Outro dia, uma especialista, professora numa das mais conceituadas  universidades do país, disse que o problema da Líbia eram os soldados da  vizinha Arábia Saudita que lá estavam para derrubar Kadafi e evitar que  os xiitas dominassem os sunitas. Seria uma boa explicação, se  pudéssemos esquecer alguns fatos:
 
 1 - Na Líbia, se houver xiitas, são pouquíssimos;
 
 2 - lá não há soldados sauditas;
 
 3 - a Arábia Saudita tem fronteiras com Iraque, Jordânia, Omã, Qatar,  Emirados Árabes Unidos, Iêmen e Kuwait, não com "a vizinha" Líbia;
 
 4 - a Líbia fica na África e a Arábia Saudita na Ásia
 
 É ótimo quando o pessoal deixa de inventar e faz apenas o que deve. As  explicações de William Waack são normalmente claras e precisas. E, ao  contrário de alguns especialistas, não confunde Líbia e Líbano. O Diário de S.Paulo apresentou duas páginas impecáveis sobre a crise líbia - feitas por jornalistas.
 
 Durante algum tempo, este colunista achou que talvez estivesse  implicando demais com os universitários. Afinal de contas, entre eles há  um Mário Sérgio Cortella, divertido, culto, sorridente, capaz de  esclarecer sem ser prepotente.
 
 Mas eis que Ricardo Kotscho, sempre direto, matou a charada: ele também  não aguenta mais ouvir frases feitas como se fossem gotas de suprema  sabedoria distribuídas aos boquiabertos telespectadores. E cita Ivan  Lessa, que também não aguenta: a praga da sapiência chegou ao Reino  Unido.
 
 As equivalências
 
 Há pouco tempo, ainda irritado com a decisão brasileira de apoiar as  investigações sobre direitos humanos no Irã, um Mestre (dos mais  antiimperialistas) desferiu aquela frase que imagina definitiva,  comparando a situação iraniana àquela coisa horrorosa da PM, que jogou  spray de pimenta numa criancinha.
 
 Claro, a situação de direitos humanos no Brasil é terrível; só que o  desrespeito aos direitos humanos não é política de Governo. Pode haver, e  há, agressões a gays - mas não há leis que determinem a pena de morte  aos homossexuais. Também não há, entre nossas autoridades, quem diga  aquela besteirada iraniana de que lá não existem homossexuais. Pode  haver, e há, assassínios cometidos por agentes governamentais, mas são  crimes, e não estão amparados pela lei. Os idiotas bárbaros que jogaram  spray de pimenta na criancinha (bem como os selvagens que atiraram no  garoto, em Manaus) são criminosos, sujeitos a processo, e não heróis  nacionais. Há mulheres agredidas (e a Lei Maria da Penha, para vergonha  nossa, é ainda recente), mas Sakineh é um evento iraniano, não  brasileiro. Aqui não existe pena de morte nem de lapidação. E sexo entre  adultos, de comum acordo, não é um assunto de Estado.
 Talvez alguém despreparado possa confundir as situações. Mas um  professor universitário, com todos os MBAs e PhDs que as universidades  podem oferecer?
 
 As profissões
 
 O problema é que os meios de comunicação estão confundindo as coisas:  professores e especialistas têm de ser utilizados sempre que possível,  mas para que o jornalista ganhe precisão e conteúdo na matéria que está  preparando. Não pode haver uma substituição. Repórter não é o sujeito  que sabe tudo: ele precisa apenas ter o telefone de quem sabe e dispor  de cultura geral suficiente para entender as explicações técnicas.  Raríssimo é o repórter que pode escrever sobre física quântica sem  assessoria especializada; e mais raro ainda é o especialista em física  quântica que consegue traduzir seu conhecimento para que seja entendido  pelos consumidores de informação.
 
 E é preciso tomar cuidado para evitar que o espaço noticioso seja monopolizado por quem sabe tudo sobre o Kama-Sutra, mas nunca viu gente pelada.
 
 A ficha do Supremo
 
 Muita gente ficou indignada com a decisão do Supremo segundo a qual a  Lei da Ficha Limpa não poderia ter entrado em vigor nas últimas  eleições, por desrespeitar o artigo da Constituição que impede que  modificações nas leis eleitorais entrem em vigor a menos que a eleição  seguinte ocorra no mínimo um ano depois.
 
 Há dois fatos a analisar: primeiro, o dispositivo constitucional;  segundo, a tentativa de tutelar o voto da população. Acusa-se o Supremo  de, por um voto de vantagem, desrespeitar a vontade do eleitorado. Só  que o Supremo não tem de respeitar ou desrespeitar a vontade do  eleitorado: tem de verificar se a lei está ou não de acordo com a  Constituição. Segundo, que história é essa de desrespeitar a vontade do  eleitorado? O eleitor votou em Jader Barbalho, sim; esta foi sua  vontade. A opinião deste colunista sobre Jader Barbalho não tem a menor  importância: importante é a opinião da maioria do eleitorado do Pará.  João Capiberibe, no Amapá, teve mais votos do que Gilvan Rocha; a  vontade do eleitorado local, certa ou errada, é tê-lo no Senado,  enquanto Gilvan perdeu as eleições.
 
 Os meios de comunicação jogaram para a arquibancada. Colocaram-se como  paladinos do combate à corrupção, com a Constituição ou contra a  Constituição. Faltou noticiar o fato principal: havia, na Constituição,  desde 1988, um dispositivo que provavelmente faria com que a Lei da  Ficha Limpa fosse viável apenas nas eleições de 2012. Esquecer este fato  foi faltar ao compromisso jornalístico com Sua Excelência, o consumidor  de informações.
 
 Perguntar não ofende
 
 1 - Por que, numa manifestação pacífica, com ampla presença de crianças, a PM fluminense tinha à disposição sprays de pimenta?
 
 2 - Por que, no caso de barbárie explícita ocorrido em Manaus, a notícia  de que um jovem de 14 anos sem qualquer antecedente foi alvejado várias  vezes, ficou alguns meses na gaveta? Por que o caso escandaloso demorou  tanto tempo a ser divulgado?
 
 3 - Por que os meios de comunicação, até o momento em que esta coluna  era escrita, não levantaram as estatísticas de "mortes por resistência à  prisão", diante da evidência de que, pelo menos no caso deste garoto, a  alegação era falsa?
 
 4 - Em outubro do ano passado, a Rota, polícia de choque da PM paulista,  distribuiu títulos de Amigo da Rota a uma série de empresas, "por sua  colaboração". Entre elas, quatro grandes cervejarias: Ambev (Brahma,  Antarctica, Skol e outras), Schincariol (Schincariol e Devassa), Femsa  (Kaiser) e Heineken.
 
 Esta coluna perguntou, várias vezes, que colaboração foi essa que  mereceu um gesto público de gratidão. Terá sido alguma doação em  dinheiro? Tudo bem: faz parte do jogo, desde que esteja legalizada.  Fardamento, armas, veículos? A Secretaria de Segurança Pública  paulistana, a Polícia Militar e a Rota jamais responderam. Agora, que a  Secretaria tem um serviço eficiente de assessoria de imprensa,  profissional e bem-feito, que tal contar que colaboração foi essa?
 
 Tarda mas não falha
 
 Embora, como dirá qualquer especialista, Justiça que tarda já falhou.  Veja este caso, que interessante: o Superior Tribunal de Justiça decidiu  por unanimidade que as alíquotas da Resolução CIEX 02/79 podem ser  adotadas para o cálculo do crédito-prêmio do IPI. Até aí, tudo bem. Mas a  questão foi levada à Justiça em 1969 e resolvida em 2011. A definição  demorou 42 anos!
 
 A propósito, este colunista certamente fez uma pesquisa falha. Não  encontrou nenhuma crítica nos meios de comunicação à demora em decidir o  caso.
 
 Loucura geral
 
 Um anúncio via Internet chama a atenção: uma empresa chamada ImportBR  oferece "o melhor programa de gravação de conversas em celulares", em  que "nada fica registrado ou aparece no celular espionado". A empresa  aponta, como CNPJ, o número 00.873.512/0001-62.
 
 Anúncio falso ou não? Este colunista não tem a menor idéia e não vai  colocar seu computador em risco de vírus tentando comprar um programa  ilegal. Mas anunciar isso é uma pouca vergonha, na melhor das hipóteses.  Alô, Polícia!
 
 Enxerimento
 
 Mais uma reportagem inteiramente baseada nos rendimentos de um técnico  de futebol - e o técnico palmeirense, Luís Felipe Scolari, explosivo,  diz que vai caçar "até no inferno" quem divulgar seu salário.
 
 Os colegas jornalistas que desculpem este colunista, mas Scolari está  coberto de razão. Ele não recebe dinheiro público. Como cidadão, fez um  acerto com uma entidade privada e, tirando ele, o clube e as autoridades  da Receita, ninguém tem nada com isso.
 
 Se ganha mais do que o time inteiro do Xaxupiranga, isto não é problema  nem do consumidor de informação nem do repórter: no máximo, do  Xaxupiranga e seus jogadores. Felipão, campeão do mundo com a Seleção  brasileira, técnico com boa campanha na Seleção portuguesa, amplamente  vitorioso na profissão, é um astro, e tem de ganhar mais do que quem não  é astro. Quanto? Quanto conseguir; quanto um clube ou federação estiver  disposto a pagar.
 
 Ninguém é obrigado a contratar um técnico do nível salarial de Felipão,  ou de Mano Menezes, ou de Muricy Ramalho, ou de Vanderlei Luxemburgo. Há  outros técnicos no mercado que, por uma série de circunstâncias (até  por não terem ainda atingido o estrelato, custam menos. O Corinthians já  foi bicampeão paulista com Rato, técnico dos juvenis, no comando do  time profissional; e também com o estreante Eduardo Amorim. O Flamengo  foi campeão com o estreante Andrade. É questão de opção, apenas isso.
 Quanto às matérias sobre salários, além da invasão da intimidade do  assalariado, trazem um risco extra: expô-lo, e expor sua família, à ação  de criminosos. E para que: para defender uma tese ridícula a respeito  de custos, tão científica quanto aquelas que provam que determinado time  perde sempre que enfrenta outro cujo goleiro tem o nome iniciado pela  letra M?
 
 Não esqueçamos: a mãe de Robinho foi sequestrada exatamente quando a  imprensa começou a divulgar que os salários do jogador estavam  crescendo.
 
 Gringo é rei
 
 A imprensa deu quase sem críticas o estupro à soberania brasileira que  foi a ação dos seguranças americanos na visita do presidente Obama. Mas  aí ainda se pode encontrar alguma explicação - esdrúxula, mas existente.  Duro mesmo é o caso Shakira: a Polícia brasileira, em massa, protegendo  o hotel paulistano em que se hospedava a cantora colombiana. E  protegendo do que? De quinze ou vinte fãs que queriam vê-la e pedir  autógrafos, essas coisas perigosíssimas. OK, a gente entende, é mais  confortável ficar parado na porta de um hotel de luxo do que fazer ronda  nas perigosas ruas da cidade. Mas isso tem de mudar. São Paulo,  imagina-se, é uma cidade cosmopolita. Se a cada gringo ilustre que a  visitar a população tiver de mudar seus hábitos e evitar lugares  bloqueados, as coisas na cidade vão ficar cada vez mais difíceis.
 
 Como...
 
 De um grande jornal:
 
 "Eagle que caiu na Líbia lançou antes duas bombas de 500 toneladas".
 
 O problema é que o peso máximo de decolagem do Eagle é de 31  toneladas - o que inclui armamento, o avião, o combustível, os pilotos.  Como colocar mil toneladas de bombas aí dentro é um mistério!
 
 ...é...
 
 De uma nota oficial do Ministério da Justiça:
 
 "Prorrogado prazo para participação em prêmios sobre tráfico de pessoas"
 Antigamente essas coisas não davam prêmio, não: davam é cadeia.
 
 ...mesmo?
 
 De um grande jornal regional:
 
 "Teve início nesta terça-feira as aulas do curso em malha para bebê"
 
 Lembra quando havia concordância e o predicado concordava com o sujeito?
 
 Mundo, mundo
 
 É uma notícia inacreditável: trata normalmente de uma tentativa de burla  à lei do país, como se nada houvesse de estranho; e, como o título não  cabia, foi cortadinho até entrar no espaço. Mais ou menos como o Crime  da Mala.
 
 Primeiro, o título:
 
 "Primeira-dama Guatemala pede divórcio para disputar presidência"
 
 Agora, a tentativa de burla:
 
 Como esposa é parente, a primeira-dama não poderia ser candidata à  Presidência da República. Então, forja-se um divórcio e, como  ex-primeira-dama, talvez consiga convencer o Judiciário de que está  agindo de boa-fé.
 
 Não parece um país mais ao Sul, que conhecemos tão bem?
 
 E eu com isso?
 
 Maremoto, tsunami, Líbia, terrorismo - tudo pesado demais. É preciso  saber de coisas mais leves. De Maísa, por exemplo, ou de Charlie Sheen  (Charlie Sheen, leve? Vá lá). Ou ainda de um vídeo de casamento que  rendeu processo.
 
 1 - Menina Maisa cozinha brigadeiro na TV e fala da carreira
 
 2  - Ex-namorada de Lindsay Lohan é vista aos beijos com outra garota
 
 3  - Fotógrafo flagra casal de sapos em ato sexual
 
 4  - Cinegrafista é condenado após fazer "pior vídeo de casamento do mundo"
 
 Ele caprichou: todo mundo de costas, filmados da cintura para baixo. Até que vai pagar pouco: R$ 1.600 de multa.
 
 5  - Revista italiana flagra beijo de Pato e filha de Berlusconi
 
 Se ela puxou o pai, ele não terá preparo físico para jogar bola.
 
 6  - Amy Winehouse é clicada descalça na rua em Londres
 
 7  - Croatas esquiam montanha de cueca
 
 8  - Ivete Sangalo vai casar com pai de seu filho em abril
 
 9  - Charlie Sheen perdeu a virgindade com prostituta
 
 10  - Eu fazia sexo 20 vezes por semana", diz Russell Brand
 
 Dizem que ele também mentia muito.
 
 O grande título
 
 Há dois excelentes títulos nesta semana - mas o vitorioso é óbvio. É impossível concorrer com ele. Comecemos pelo segundo lugar:
 
 Comida:
 País deve passar EUA em consumo de café
 
 Este colunista é do tempo em que café se bebia.
 
 E o grande, imbatível título:
 
 Embaixador dos EUA requerido pré-posicionado de Armamento para ajudar  golpistas; Reconhecido operações encobertas apoio as manifestações de  rua, as forças cívicas e grupos de resistência
 
 Eis uma legítima Tradução do Google Doido, só que foi publicada como título normal. Haverá alguém que consiga entender o que está dito?
 
 (e-mail: carlos@brickmann.com.br)
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