ANÁLISE-Dilma queima capital político com cortes do Orçamento
BRASÍLIA (Reuters) - Boa parte do capital político da presidente Dilma Rousseff será consumido nos próximos meses para suportar a pressão política e social decorrentes dos cortes do Orçamento deste ano, detalhados na segunda-feira pelo governo, avaliam analistas e políticos. Os cortes envolvem cerca de 85 por cento de todas as emendas dos deputados e senadores ao Orçamento deste ano e retira mais de 5 bilhões do programa Minha Casa, Minha Vida 2, ícone da campanha eleitoral de Dilma, reduzindo sua previsão de gastos de 12,7 bi de reais para 7,6 bilhões de reais. Além disso, eles atingem os ministérios da Educação e da Justiça, áreas prioritárias no discurso da petista durante a disputa eleitoral e dão munição para a oposição apontar seu antecessor, e tutor, Luiz Inácio Lula da Silva, como gastador irresponsável.
"É mais fácil fazer no primeiro ano de governo do que fazer depois, porque é possível queimar gordura com popularidade que tem no primeiro ano e acho que ela está apostando nisso. Vai queimar o capital político em torno do corte", disse o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para Roberto Romano, da Unicamp, Dilma está plantando algumas sementes que terá que colher no futuro. "O que acontece é que ela está acumulando pontos negativos. Primeiro com sindicalistas, porque eles têm que responder para suas bases e explicar o que aconteceu com o mínimo é difícil", disse Romano. "O segundo aspecto é que esse conjunto de oligarcas do Congresso tem que se explicar com prefeitos e dizer que as emendas não estão sendo pagas. E isso desde já são dois pontos complicados na agenda da presidente com o Congresso", acrescentou. Para ele, caso a inflação não responda aos cortes e demais medidas tomadas pelo governo nos próximos meses, as pressões sobre a presidente serão maiores. Romano vai além e diz que se o crescimento econômico tiver uma queda acentuada, Dilma "não mantém" o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
DILMA JÁ SABIA
Os dois cientistas políticos também avaliam que a candidata Dilma Rousseff já sabia que teria que aplicar um forte ajuste fiscal se chegasse à Presidência, mas não podia adotar um tom crítico à política de gastos de Lula. "Eu acredito que ela já sabia, mas é o tipo de assunto que não se levanta na campanha. Ainda mais no Brasil que não tem cultura do corte de gasto público", disse Couto. Para Romano, os cortes atuais são consequências das ações do governo passado. "Lula foi imprudente, penhorou o cofre da nação pra garantir a eleição de Dilma Rousseff", disse. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), dá indícios de que a forte redução orçamentária já era uma medida prevista. "Não tem disparate nisso, eu já esperava que haveria cortes no Orçamento", disse.
Mas, para o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), os cortes representam um desmentido duplo da campanha presidencial petista. "Desmente o ex-presidente e a atual presidente. Eles fixaram na campanha que não teria corte no PAC e em áreas essenciais", disse. Para Dias, o discurso da oposição apontando os "gastos exagerados" do governo ganha força com o ajuste fiscal de Dilma. As dificuldades políticas da presidente com os cortes devem começar no Congresso, já que os parlamentares tiveram 18 bilhões de reais de suas emendas cortadas. Os deputados acreditam que assim como nos anos anteriores se a receita melhorar haverá liberação. Mas, até agora, Mantega tem dito que os cortes são definitivos.
Um assessor do Palácio do Planalto, que pediu para não ter seu nome revelado, disse que o governo já está preparado para sofrer com as reclamações de prefeitos e deputados. Na quarta, Dilma deve receber no Palácio do Planalto as lideranças aliadas na Câmara dos Deputados e, garante o líder do governo, Vaccarezza, por ora, não haverá reclamação pelo corte das emendas. Mas elas já aparecem. "Cortar o braço do Estado que chega ao interior do país é um absurdo. O Estado não consegue enxergar com sua visão palaciana as necessidades dos rincões do Brasil", criticou o deputado Giovanni Queiroz (PA), líder do PDT, partido da base que teve maior número de dissidências na votação do salário mínimo.
E a pressão tende a aumentar no segundo semestre.