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28 Março 2012
Millôr Fernandes
Se a lusofonia alguma vez teve humor a sério e sátira consistente, foi
com Millôr Fernandes. Podia ter sido, há uns séculos, um filósofo da
Ásia Menor, como também, mais tarde, poderia ter iniciado uma Reforma
que, a rir, poria a ridículo qualquer Contra-Reforma; mais tarde ainda,
poderia ter sido o que faltou antes e depois da Revolução Francesa, e
caso o último quartel português do século XIX tivesse sido o seu,
dificilmente o veríamos longe das Conferências do Casino e cuja
companhia Eça não dispensaria ou mesmo cuja cumplicidade os levaria a um
folhetim no Diário de Notícias. Mas apanhou o século XX e no Brasil,
onde, sempre acossado pela censura, por todas as censuras, fez com que o
seu país tivesse sempre piada, piada universal pois o que o Millôr
escrevia e observava se aplicava a todo o mundo, em cada uma das suas
fábulas, em cada uma das suas frases. Ele recriava a língua
constantemente, inventava a língua portuguesa por dentro da língua
portuguesa. Merecia ter ganho em vida um prémio de lusofonia, um prémio
da língua de que foi cultor exigente. Era isso na escrita e no convívio.
Mas nunca a lusofonia, cheia de premiados por rotatividade política
conveniente e cheia de doutores honoris causa que fazem rir de tristeza,
o reconheceu. E foi pena.