Não leio com prazer perene o autor do artigo abaixo. No entanto, hoje subscrevo cada vírgula do texto. E depois do escrito recordo o final de um artigo publicado na Folha quando Lula ainda era um tiranete intra muros petistas, não havia chegado à condição de Soba dos trópicos. Apenas para lembrar que nem todos se calaram no momento certo. Hoje, muitos dos que romperam comigo na ocasião, se dizem críticos das arrogâncias petistas. Mas não tiveram coragem, na época, de indicar o ovo da serpente, no feio ninho.
São Paulo, sábado, 03 de janeiro de 2009
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice IGOR GIELOW Niyazov e os trópicos BRASÍLIA - Em 2002, o ditador do Turcomenistão, Saparmurat Niyazov, perpetrou sua mais famosa bizarrice: renomeou todo o calendário. Entre outras coisas, o mês de abril virou Gurbansoltan em homenagem à mãe do déspota, uma medida só revertida depois que Niyazov morreu, em 2006. Estamos longe disso, mas um pequeno fato ocorrido no fim do ano dá conta do quão incipiente é o conceito de impessoalidade institucional no Brasil. Na terça passada, Lula participou da inauguração de um parque em Recife. O lugar, uma obra de R$ 29 milhões da prefeitura petista, visa homenagear retirantes como o próprio presidente. Até aí, vá lá. Mas o parque se chama Dona Lindu, nome da mãe de Lula. Ou seja, um prefeito aliado torrou milhões para adular o presidente, que aceitou a brincadeira de bom grado. Parece picuinha, mas não é: em democracias decentes, não se faz isso com governantes no cargo. Não é, para ficar na "novilíngua" dos anos Lula, "republicano". Esse processo não é novidade no Brasil, é lógico. A prática sempre esteve aí, tanto do lado do bajulador quanto do adulado. Mas a falta de ineditismo, assim como a popularidade de Lula, é desculpa para justificar quaisquer barbarismos, inclusive os talvez inofensivos. Enfim, tudo só fará piorar: está prevista para este ano a filmagem da vida de Lula pelos próceres do pior do cinemão brasileiro, a família Barreto. É quase comovente ver a produção jurar que não usará um centavo de dinheiro público no projeto, para evitar críticas à previsível elegia da saga lulista. Pode até ser, mas vamos esperar a lista de "parceiros" do projeto. Lula é uma espécie de "Padim Ciço" em escala nacional. O efeito desse personalismo na psique política do país só será aferível quando Lula deixar a Presidência, espera-se, em 2010. Enquanto isso, resta torcer para que abril continue se chamando abril cá nos trópicos. |
Final do artigo "O Senhor da Razão", publicado na Folha de São Paulo, em 04 de janeiro de 1986, por Roberto Romano. Além da referência aos intelectuais petistas, aduladores por excelência, seja notada a indicacão sobre as viagens do "Nosso Líder". Na época, ele diz não ter viajado muito. Hoje, já tirou a forra...
“Eu não quero” confessa Lula contente, “ser o dono da verdade, o senhor da razão”.(Lula). Se para atingir a verdade o ponto central fosse o bem querer de um ou outro, teríamos aqui um excelente exercício epistemológico. A bobagem, por enquanto, pode passar. Mas a tolice torna-se ameaçadora no complemento da frase: “eu tenho uma verdade que está subordinada à verdade coletiva” (Lula) Treblinka, Auschwitz, o Gulag, todos são corolários de tais “verdades coletivas”. Também o senador dedo-duro dos EUA, no período da Guerra Fria, movimentou massas com suas “verdades”. Mas vejamos um pouco mais de perto: como não é nem o povo que determina a forma e o conteúdo do verdade (ao contrário do simples populismo demagógico), pois ele deve ser “convencido” dela, resta que o depósito de razão está no Partido. Alí, por debates sine ira et studio, se estabelece os direitos do Mesmo e as exclusões do Outro popular. É nesse instante que se restabelece o serviço dos intelectuais no PT. Orgânicos, tais seres servem para racionalizar as bobagens ditas e as sandices feitas pelos militantes.
"Eles deixam-se exibir, atravessando-os, o grande saber do Partido, e mostram-se cada um como o seu reflexo; como bem diz Soljenitsin, este saber os atravessa como se eles fossem um ser de cristal, eles são belos pensamentos". (Lefort).
A epistemologia descrita acima também é velha: já está posta com todas as letras no Materialismo e Empiriocriticismo, onde Lenine definiu a “verdade dos partidos” …na ciência. O “coletivo” subsume o individual, formando a pedra dura e sempre idêntica do “Nós” emburrecedor. Pouco importa o que “eu” penso, uma vez que sou um com o Partido e este é minha razão de ser e de existir. Nele movo-me, ele é meu Corpo verdadeiro:
"Embora as pessoas imaginem que eu viajo o mundo inteiro, o único país socialista que eu conheço é Cuba. A partir de 15 de janeiro, pretendo conhecer a Alemanha Ocodental. Não conheço a Polônia" (Lula).
Ótimo, é mesmo excelente que Lula viaje bastante, não apenas no espaço, mas sobremaneira no tempo. Assim, poderá descobrir que o “socialismo” de seus delírios é real e impera numa enorme Galáxia que aparece diante dos olhos, sempre de modo anamorfótico: vista de perto, nela desaparece todo e qualquer apelo “revolucionário” no sentido da “transformação” do Mesmo, garantido pela ideologia de granito. Só resta, a partir daí o silêncio gelado dos “inimigos” e reina a ordem perfeitamente unida no mausoléu social onde, enfim, “poderíamos tranquilamente termos (sic) uma única classe…”(Lula…).
(*) Roberto Romano da Silva é professor titular de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor de Ética, também pela Unicamp, membro do Instituo de Filosofia e de Ciências Humanas (Unicamp) e Doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris).