segunda-feira, 2 de março de 2009

Em São Paulo e no Brasil, se tornou "chic" apoiar o PT e Lula. Uma revista trouxe depoimentos de socialites, retomados por mim no artigo abaixo.

Correio Popular de Campinas, 15/11/2005.

De como o PT virou saco de risada

Roberto Romano

Peça em um ato. O ambiente se divide em dois: sala de redação e mesa de restaurante chic. Duas falsas loiras, com ar de peruas, trocam cumprimentos pela eleição presidencial.

“- Oi Elite, tá boa? Saudade... - minhum, minhum…

- Tô boa imprensa e você? Saudade... minhum, minhum…

- Então, contentinha com a eleição do Lula? Que chic, mulher! Gracinha o presidente, terninho Ricardo Almeida e tudo tudo! Mudaram a imagem dele, o Lula não parece mais tão agressivo. Desde que eleito, tranquilizou muito as pessoas. Tá todo mundo torcendo para que dê certo. Também, querida, a situação é complicada. Se a gente não entrega os anéis, os dedos vão embora... não se pode mais ter o carro desejado ou sair com a jóia de que se gosta nem de dia. Sempre houve pobre na rua, mas agora chegou a um ponto que incomoda. Tinha um, agora tem dez. Eu vou ao McDonalds e não consigo comer, de tanta criança pedindo dinheiro. Me embrulha o estômago.

- Certo! Você não pode mais ser feliz. Na rua, é degradante ver pais de família desesperados pedindo esmola. No trânsito, não dá nem para paquerar. Com esses vidros pretos, ninguém se vê...

- Agora a coisa melhora. Com o Lula, os pobres encontrarão o seu lugar. Nada como a gente ter ajuda de alguém que veio de lá... Espera um pouco, tá passando helicóptero. Oi? O Lula veio de lá, conhece as necessidades dessa gente. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que circula no poder há 20 anos. É o melhor mediador que a gente podia ter nesse momento. Tenho muita fé nele.

- Claro, segundo a minha analista, as pessoas que tinham horror a esse personagem passaram a acreditar nele como mediador entre o Brasil que eles conhecem e o Brasil de que eles têm medo. Minha analista é chiquérrima!

- Ela é in !

- Mas a vida não tá fácil. A gente não pode ceder aos desejos... outro dia, no jantar do nosso people ao PT, senti um tesão tão grande de estar perto do Lula, que, não fosse meu marido me tirar dali, ficaria até de madrugada. Pedi, depois, as fotos da festa, porque queria pendurar na parede de casa.

- Comigo não é assim, cê sabe o quanto sô seletiva. Votei no Serra, mas agora, chique é apoiar Lula. É dele que o Brasil precisa. Estou muito otimista.

- Cê tem razão quanto à seletividade, também sou assim! Mas o Lula melhorou muito o visual e as idéias, deixou aquela pose de assustar criancinha e as idéias... humm, que limpeza! Eu o vi de longe no Gallery em 1980, quando ainda era metalúrgico. Tive simpatia pela pessoa, mas, na época, não votaria nele nem para síndico de prédio.

- É, infelizmente, a gente dele não muda. Veste mal, fala errado, tudo muito podre! Lula vai resolver a questão da pobreza, mas tem de quebrar ovos para fazer omelete. O problema das crianças pedintes, por exemplo, só se resolve com rigoroso controle da natalidade, mas a igreja não vai gostar nada disso. A verdade é que as pessoas colocam filhos no mundo porque rendem esmolas.

- É minha filha, mas nesse governo tucano, todo mundo perdeu. Mesmo os ricos estão inadimplentes. Você vai ao Harmonia (*)e vê uma porção de gente com sapatinho gasto. Horror!

- A gente precisa apoiar o Lula, porque ele mostrou ser capaz de mudar. O Ricardo Almeida é detalhe. Mudou muito, muito, muito. Você sabe, não quero baixar o padrão, quero que todo mundo suba.”

Corte rápido: numa CPI qualquer, Silvio Pereira estapeia Delubio e lhe arranca fios de barba, doido pelo sumiço do sonhado Land Rover, penhor de subida na escala social. Deputados petistas acusam a imprensa e a oposição: “golpismo, golpismo, golpismo... ismo, ismo, ismo, ismo...”. Baderna geral, surras e palavrões na “Casa do Povo”.

Baixa o pano. Entra a voz de Lula evocando rigorosas investigações, invencionices jornalísticas, denuncismo. Uma turma de idiotas repete o coro, nela, incluindo-se filósofos e donos da ética na política, tranformada em frangalhos obscenos. Entram assessores com dinheiro na cueca, outros vestidos apenas com fraldas infantis, jurando inocência pura. Cheiro de cachaça no ar, espargida sobre a platéia por militantes petistas. Surge, devagar, uma voz cantando Adoniran Barbosa: “... saudosa maloca, maloca querida, dindindonde nós passemo, dias feliz da nossa vida…”.

(*) Clube da elite paulistana.

Nota: todas as falas acima são absolutamente verídicas. Para tristeza dos que ainda têm vergonha na cara.

Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp