segunda-feira, 2 de março de 2009

GAZETA DO POVO 03/03/2009

Gazeta do Povo Curitiba

Vida Pública

Terça-feira, 03/03/2009

Fábio Rodrigues Pozzembom/ABr

Fábio Rodrigues Pozzembom/ABr / Jarbas Vasconcelos promete apresentar um projeto que proíbe indicações políticas para o comando de empresas estatais e autarquias Jarbas Vasconcelos promete apresentar um projeto que proíbe indicações políticas para o comando de empresas estatais e autarquias
Poder público

Cerco à corrupção

Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) promete ampliar críticas ao próprio partido em “discurso-bomba” para mobilizar colegas

Publicado em 03/03/2009 | Brasília - André Gonçalves, corrupção

O combate à corrupção renasce na agenda do Congresso nesta semana. Quinze dias após acusar o próprio partido de corrupto, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) promete aprofundar o tema em um discurso marcado para hoje à tarde em plenário. Ele pretende, ao mesmo tempo, apresentar um projeto de lei que proíbe indicações políticas para o comando de empresas estatais e autarquias, o que amplia a polêmica sobre a ingerência do PMDB no comando de Furnas.

Amparados nas ações de Vasconcelos, um grupo de dez congressistas reúne-se hoje pela primeira vez para articular a criação de um grupo anticorrupção no Legislativo. Encabeçam a lista os deputados federais Fernando Gabeira (PV-RJ), Arnaldo Jardim (PPS-SP) e Gustavo Fruet (PSDB-PR). O objetivo deles é cobrar agilidade na tramitação de projetos que ampliem a transparência em todas as esferas públicas.

A cruzada do senador pernambucano começou há duas semanas, quando criticou duramente a atual postura do PMDB em entrevista à revista Veja. “Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção”, disse. Os ataques avançaram principalmente em relação aos acordos da legenda para eleger os presidentes da Câmara, Michel Temer (SP), e do Senado, José Sarney (AP).

As declarações provocaram reações distintas entre os peemedebistas, mas Vasconcelos não sofreu sanção interna. Hoje ele deve ampliar fogo aos demais partidos e usar o caso Furnas como munição. A empresa elétrica sofreu pressões do PMDB, que queriam o controle administrativo do fundo de pensão dos funcionários – o Real Grandeza, que administra R$ 6 bilhões.

Em contrapartida, peemedebistas como o deputado federal Eduardo Cunha (RJ), articulam a criação de uma CPI para investigar os fundos de pensão. Cunha é apontado como um dos principais interessados por mudanças na diretoria do Real Grandeza. À primeira vista positiva, a CPI seria uma maneira de tirar o foco do partido no caso Furnas.

O paranaense Fruet afirma que a cadeia de ações e reações, ligada às declarações de Vasconcelos, significa um avanço no debate sobre corrupção. “Quebrou-se a apatia. Agora é o momento de não deixar o tema esfriar.”

Embora considere a movimentação positiva, o professor de Ética e Filosofia Política Roberto Romano, da Universidade de Campinas (Unicamp), ressalta que os políticos brasileiros tendem a cair nas mesmas armadilhas de sempre ao tratar o assunto. Segundo ele, o tema quase é tratado mais com palavras do que ações. “Se eles se limitarem à pregação moralizante, vão continuar tratando uma doença grave com band-aid.”

Há passagens concretas que comprovam a teoria do professor. Na década de 50, a UDN denunciou o “mar de lama” instalado no governo Getúlio Vargas, mas apoiou o golpe militar uma década depois. O partido elegeu Jânio Quadros presidente da República em 1960 amparado pelo discurso populista de “varrer a corrupção”. Quadros ficou no Planalto durante apenas sete meses.

Fernando Collor venceu as eleições de 1989 com discurso parecido, quando adotou o slogan de “caçador de marajás”, mas caiu devido a uma série de denúncias de corrupção em 1992. “Sou muito respeitoso ao senador Jarbas, mas enquanto ele não der o próximo passo, de sair do discurso e apresentar propostas concretas, não significará nada”, afirma Romano.

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Grupo anticorrupção deve reunir 5% do Congresso

O grupo anticorrupção deve juntar apenas 30 (5%) dos 594 deputados federais e senadores. A previsão é dos articuladores da ideia, Fernando Gabeira (PV-RJ) e Gustavo Fruet (PSDB-PR). A falta de quorum, entretanto, não chega a ser considerada por ambos como algo ruim.

“Se não for algo apartidário e impessoal, não vai para frente”, avalia o paranaense. Fruet conta que recebeu pelo menos 30 mensagens de incentivo de setores da sociedade civil nesta semana para levar o projeto adiante. Nenhum outro congressista do Paraná aderiu ao grupo.

A primeira reunião para definir uma pauta de ações ocorre hoje à noite, na casa do deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP). Estão confirmadas as presenças do senador Jarbas Vasconcelos e dos deputados Vanessa Graziotin (PCdoB-AM) e Raul Henry (PMDB-PE). Entre as cobranças tidas como certas, está a votação da proposta de emenda à Constituição que obriga o voto aberto em todas as sessões do Senado e da Câmara.

Atração

O professor de Ética e Filosofia Política Roberto Romano, da Unicamp, diz que dificilmente o grupo avançará se não contar com o apoio da população. “É preciso atrair organizações não-governamentais e entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).”

Por enquanto, porém, a proposta não empolgou o presidente da Comissão Especial de Combate à Corrupção da OAB, Amauri Serralvo. “Formar grupos, comissões ou coisas do gênero já ocorreram outras vezes. Sem a proposta de fiscalizar os colegas para valer, é como chover no molhado.” (AG)


Especialistas divergem sobre projeto de senador

Especialistas divergem sobre a eficácia do projeto que o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) pretende apresentar nesta semana e que impõe restrições a indicações políticas para cargos em empresas públicas e autarquias. Enquanto há quem considere a proposta um avanço, por evitar nomeações estritamente políticas, há quem entenda que as restrições são muito radicais, pois, ao impedir a contratação de funcionários qualificados, mas não concursados, as próprias estatais sairiam prejudicadas.

Pelo projeto, apenas funcionários de carreira poderiam assumir a direção de estatais ou autarquias. O coordenador do curso de Administração da Universidade Positivo, Daniel Rossi, considera que tal medida seria altamente positiva. “Isso porque o funcionário de carreira tem um viés técnico.” Para ele, o fato de serem indicados para os cargos somente funcionários de carreira pode evitar a corrupção, que muitas vezes está atrelada à indicações estritamente políticas.

Ele considera que há casos de empresas públicas que podem precisar de gestores de fora de seus quadros, quando não existirem funcionários sem as competências necessárias para administrá-las. “Mesmo assim, a proposta que está sendo discutida é um avanço, porque hoje o que ocorre na administração pública é uma festa”, afirmou Rossi.

Já na avaliação do professor de Ciências Políticas Renato Perissinoto, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), embora em princípio o projeto pareça ser bom, ele pode não ser proveitoso para que governos possam implantar seus programas políticos. “As estatais podem ser usadas para implantar projetos de governo de longo prazo, que são importantes.” Por esse motivo, diz ele, os dirigentes não podem ter um perfil apenas de burocrata, mas precisam ser escolhidos pelos governantes, a fim de implantar seus programas de governo.

Para o professor de Direito Administrativo Romeu Felipe Bacellar, da UFPR, a restrição de acesso a esses cargos não pode ser total. “É bom restringir, mas não se pode fechar totalmente as portas, porque senão há o risco de não se poder fazer boas escolhas.” O professor explica que, em determinadas áreas, há carência de funcionários altamente qualificados na administração pública, sendo preciso buscar profissionais da iniciativa privada. Ele dá como exemplo a presidência do Banco Central, que é uma autarquia federal, e que está sendo ocupada por Henrique Meirelles. “Ele não é funcionário de carreira do Banco Central, mas é unânime que ele é um bom presidente da instituição.”

A proposta de restrição de comissionados em estatais está sendo apresentada depois de parlamentares do PMDB tentarem destituir a diretoria da Fundação Real Grandeza, o fundo de pensão dos empregados da estatal Furnas. A intenção do projeto seria o de barrar o acesso à direção de estatais e autarquias a pessoas que têm como qualificação o apadrinhamento político.

Em toda a administração pública brasileira, há cerca de 20,4 mil cargos em comissão. Um número alto, se comparado aos Estados Unidos, que possuem cerca de 9 mil funcionários de confiança, ou a países europeus, como a Inglaterra, que emprega 300 comissionados em seus quadros.

Denúncias não devem mudar o PMDB

Para especialistas, a legenda continuará longe da disputa pela Presidência com objetivo de apoiar quem estiver no poder

Rosana Félix

Nem a frente parlamentar anticorrupção nem as declarações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) contra seus colegas serão capazes de provocar mudanças significativas no maior partido brasileiro. O PMDB deve continuar trilhando o mesmo caminho que vem percorrendo nos últimos anos: ficar longe da disputa direta pela Presidência e apoiar o partido que ocupa o poder. E, nessa relação, o que impera são barganhas políticas do tipo que permitem a indicação da diretoria de um fundo de pensão, por exemplo.

O presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), Geraldo Tadeu Monteiro, recorre a uma velha cantiga para expressar sua incredulidade em relação à legenda: “Mais fácil o sertão virar mar do que o PMDB mudar.” Para ele, as críticas feitas por Jarbas até o momento foram muito genéricas – o senador disse que no PMDB só havia corruptos – e por isso insuficientes para provocar uma discussão mais profunda.

Segundo o analista, o PMDB segue à risca uma orientação dada há quase cinco décadas pelo político mineiro José Maria Alckmin: melhor do que estar no poder, é ser amigo do poder. “Assim fica livre das responsabilidades inerentes ao governo, mas têm as benesses do poder, que são trocadas pelo apoio dos parlamentares.” Para Monteiro, o partido só deve sofrer uma mudança profunda quando tiver em suas fileiras uma liderança que seja unanimidade. “A sigla é hoje uma confederação de líderes regionais, cada um com uma ideologia, que não têm fôlego para uma disputa nacional”, acrescenta.

De acordo com o cientista político Rudá Ricci, a não ser nos períodos ditatoriais, o Brasil sempre teve uma legenda que assumiu o papel de fiel da balança, como o PMDB nos últimos anos. Segundo ele, esse papel é necessário, pois a sociedade brasileira ainda não tem uma cultura política muito definida. “A população quer resultados pragmáticos. O PMDB é popular por causa disso. Como não tem um programa muito definido, consegue acomodar lideranças com visões totalmente diferentes entre si.”

Ricci diz ainda que a frente parlamentar que será lançada hoje tem poucas chances de prosperar. “Acho difícil que dentro do Congresso Nacional nasça alguma ação ou proposta de sucesso nesse sentido. Levantar a bandeira da corrupção é atacar o sistema partidário atual, e isso não é do interesse das legendas”, observa.

2010

A facilidade que os peemedebistas têm de transitar entre oposição e situação motiva Monteiro e Ricci a fazerem a mesma afirmação: aúnica certeza é que o PMDB fará parte do próximo governo.

De acordo com o líder do partido na Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), há a intenção de se construir uma candidatura própria para 2010. “Reconheço que falta ao partido uma liderança nacional. Pretendemos fazer alguma mobilização nesse sentido.” Mas ele afirma que há um compromisso com Lula e sua candidata, Dilma Rousseff. “Na época certa vamos ver se lançamos um nome ou não.” A respeito da frente parlamentar anticorrupção e das declarações do senador Jarbas, Alves diz que não há motivos para o PMDB se sentir ameaçado. “Somos o maior partido do Brasil, em escolha feita pelo povo. Isso incomoda muita gente. Mas estamos acima de denúncias infundadas”, diz.

Interatividade

A ação de alguns parlamentares contra a corrupção pode moralizar o Congresso?

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