O escândalo que mudou a cara do PT
Para analistas, partido perdeu com mensalão a bandeira da ética e sobreviveu, depois de 2005, graças à força de Lula e a sua política de alianças
05 de agosto de 2012 | 3h 06
GABRIEL MANZANO - O Estado de S.Paulo
Já com sete anos completos, vivendo dias de glória na 
austera sala de sessões do Supremo Tribunal Federal, o mensalão tem 
papel garantido na história: ele marcou em definitivo a vida de um dos 
maiores partidos do País, o PT, dividindo-a em um "antes" - os tempos da
 bandeira ética, quando todos os outros partidos eram "farinha do mesmo 
saco" - e um "depois", em que o exercício do poder matou o sonho e levou
 aos conchavos e ao antes desprezado "é dando que se recebe".
Essa é, com pequenas diferenças, a impressão de muitos estudiosos da 
vida partidária do País. Por exemplo, o historiador Lincoln Secco, autor
 do livro A História do PT: "O episódio dividiu, sim, a história petista
 em duas partes, porque derrubou o discurso pela ética na política e 
retirou de cena os principais quadros históricos do partido", diz o 
historiador da USP. Como ele, o professor de Ética e Filosofia da 
Unicamp Roberto Romano considera o episódio crucial na vida do partido, 
mas não o vê como um acidente: "Ele é o coroamento de um longo processo 
interno que se desenhava muito antes".
E, do ponto de vista ideológico, um terceiro estudioso do assunto, o 
psicanalista Tales Ab'Sáber, define o episódio como "a instalação do PT 
na política de direita brasileira". Ab'Sáber pondera, no entanto, que 
"os demais partidos, inclusive partícipes do próprio mensalão, não têm 
nada de melhor a oferecer no manejo da política do País".
A turbulência em que mergulhou o partido, naqueles meados de 2005, 
justifica tais reações. Mal o deputado Roberto Jefferson fez a denúncia,
 o então poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, "saiu rapidinho" do 
governo, como ele sugeriu. O presidente do PT, José Genoino, foi 
afastado em seguida. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi 
duas vezes à TV pedir desculpas ao País e dizer-se traído. 
Resistência. A oposição, feliz, achava que o petismo estava acabado e
 que sua volta ao Planalto, no ano seguinte, era inevitável - tanto que 
nem se arriscou a pedir o impeachment de Lula, achando melhor "vê-lo 
sangrar".
Essa visão se desmanchou em poucos meses. O tal "muro divisório" do 
petismo não alterou os humores do eleitorado como se imaginava. A 
militância encolheu, mas não entregou os pontos. O partido baqueou, mas,
 à sombra do prestígio de Lula - que conseguiu manter-se acima da crise -
 reagiu. Não só faturou as eleições presidenciais de 2006 e 2010 como 
continuou a dividir com o PMDB as grandes bancadas na Câmara. Em 2006 
elegeu 83 deputados. Em 2010, saltou para 88. Mais que as denúncias da 
oposição e da mídia, o que valia eram reações como a do ator Paulo Betti
 que, em agosto de 2006, sentenciou: "Não dá pra fazer política sem 
botar a mão na merda". 
O Ibope deu números a esses tempos sombrios do partido. Em março de 
2003, antes do estrago aprontado por Jefferson, 33% dos eleitores do 
País diziam ter simpatia pelo PT. O índice foi caindo devagar, bateu no 
fundo em fevereiro de 2006, com 21% - mas a sigla ainda liderava esse 
ranking. Em março de 2010 já emplacava de novo os 33%, que mantém até 
hoje. "O maior custo eleitoral foi a perda da característica ética. Hoje
 o PT se iguala aos demais. Mas continua sendo o que tem a maior 
preferência", conclui a diretora executiva do Ibope, Marcia Cavallari. 
O sonho e o poder. O que salvou o partido, avisa Secco, "foi o 
capital social, que lhe deu forças para se recuperar". Mas é uma 
recuperação apenas como ocupação de poder - pois, do antigo sonho, da 
pureza ética, poucos se arriscam a falar. "Esse sonho desapareceu muito 
antes", alerta Roberto Romano. "Nas eleições de 1989, contra Fernando 
Collor, era fácil ver nas ruas gente paga para agitar bandeiras do PT. A
 burocracia já pesava mais que a militância."
Para Romano, as origens do mensalão vêm da primeira infância do PT. 
Dos três grupos que o formaram ainda nos anos 1970, os "realistas", com 
Lula e José Dirceu à frente, venceram os católicos e os trotskistas. E 
Lula, ironiza ele, "aprendeu a fazer política e concessões com o 
patronato". Em 2002, a Carta aos Brasileiros - garantia dada "ao 
mercado" de que, se eleito, respeitaria as regras e contratos - "foi a 
capitulação" dos idealistas ante a lógica da conquista do poder. Naquela
 ocasião, diz o professor, "deviam ter convocado um congresso e mudado o
 programa do PT. Aquele não servia mais". 
Na sua "fase 2", em que tenta - ainda hoje -reduzir o mensalão a uma 
campanha da imprensa e das oposições, Ab'Sáber vê o petismo empenhado em
 produzir "uma alucinação negativa de que (o mensalão) não existiu". 
O partido, segundo ele, continuará usufruindo os privilégios típicos 
dos poderosos. "Mas no dia em que o PT perder o poder, eu temo pelo seu 
destino. Até lá ele tenta desesperadamente se enraizar nos municípios e 
no Estado enquanto perde relevância histórica - ou seja, tenta tornar-se
 um PMDB qualquer."