sexta-feira, 13 de julho de 2012
Carta dos docentes de História da UFPB solicitando desligamento
Publicado no blog "Livro das Horas", em 12/07/2012.
Carta dos docentes de História da UFPB endereçada ao PPGH solicitando desligamento
PRODUTIVISMO: Carta dos docentes de História da UFPB endereçada ao PPGH solicitando desligamento.
JOÃO PESSOA, 02 DE JULHO DE 2012
Ciência precisa de maturação, que esse princípio possa ser aplicado nas Ciências Humanas!
Os signatários deste documento vêm respeitosamente solicitar seu desligamento do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB.
Nossa decisão não está relacionada de forma específica à condução 
realizada pela Coordenação ou ao restante do corpo docente do Programa –
 excetuadas divergências de caráter pontual, sempre presentes em 
quaisquer grupos de trabalho –, mas liga-se à discordância com os rumos 
dos Programas de Pós-Graduação no Brasil, em nosso Estado e na nossa 
Universidade.
Os gestores de pós-graduação, seja por adotarem uma posição pragmática, 
pressionados pelos parâmetros quantitativos das agências de fomento que 
controlam a pesquisa de pós-graduação no país, seja por acreditarem que 
tais parâmetros são corretos, têm levado os cursos, os docentes e 
discentes à busca desenfreada pelo cumprimento de metas quantitativas em
 detrimento, em nossa compreensão, de valores que devem nortear a 
produção do conhecimento acadêmico e que se articulam a dimensões 
qualitativas da pesquisa e da reflexão na área das Ciências Humanas.
Num texto não tão recente, mas bastante atual, intitulado Notas para a Discussão sobre a Excelência Acadêmica,
 a filósofa Marilena Chauí realizou uma breve e lúcida reflexão sobre os
 atuais critérios de avaliação e seus indicadores. Nele apresenta uma 
série de críticas ao sistema e seus parâmetros que ranqueiam eventos e 
periódicos e atribuem, a partir daí, pontuações que qualificam (ou 
desqualificam) o docente e, por tabela, os Programas aos quais estão 
vinculados. Apesar de não citá-lo diretamente, o referido texto inspira,
 em boa medida, este documento.
 Reconhecemos o fato de que também somos co-responsáveis pela situação, 
de um modo global, pois em diversas circunstâncias referendamos as metas
 quantitativas e as reproduzimos em nossas práticas. Certamente, mesmo a
 contragosto, encaminhamos certos procedimentos exigidos em função de 
cobranças institucionais. Entretanto, o avanço desse processo tornou a 
situação cada vez mais inflexível e nos levou a tomar essa iniciativa de
 desligamento formal.
Consideramo-nos profissionais sérios, comprometidos com a universidade, 
com o trabalho acadêmico e com a produção do conhecimento, e sempre 
buscamos em nossas atribuições, seja no ensino, na pesquisa, na extensão
 ou na administração, contribuir com a melhoria cursos de História da 
graduação e da pós-graduação. Nossos alunos sabem do que estamos falando
 e não precisamos, aqui, dizer quem somos e porque nos colocamos contra o
 produtivismo quantitativo. Não acreditamos que se faça História – uma 
ciência humana do acúmulo, da maturação, da reflexão, uma escrita tão 
próxima da literatura, com tanto a ver com a imaginação criativa – sem o
 tempo que lhe é devido e sem propósito de dizer algo novo.
Não defendemos, aqui, a acomodação, fenômeno tão nocivo à vida 
acadêmica, e reconhecemos a importância da produção científica e da 
publicação periódica de resultados de pesquisas – que tem avançado, 
apesar dos percalços, em nosso país – mas entendemos que produção não é 
sinônimo de produtivismo. Essa distorção, com seus inúmeros vícios, mais
 esteriliza que permite o avanço da ciência, especialmente no campo das 
humanidades. A questão fundamental é definir o que significa produção. 
Limitar o reconhecimento da produção acadêmica ao vale-tudo do "publish 
or parish", não é contribuir para a inovação, é ingressar num 
"burocratismo" que privilegia a busca desenfreada de rankings em vez da 
efetiva e qualificada produção científica.
Entre outras questões, a criação de programas de pós-graduação deve se 
dar em consonância com a graduação, sendo que essa segunda não pode 
tornar-se tão somente um apêndice ou uma espécie de "etapa preparatória"
 da primeira. A pós-graduação deve significar um desenvolvimento da 
graduação e não uma negação dela. Nesse sentido, relegar a graduação e o
 ensino a um status menor é um equívoco extremamente danoso e que pode 
solapar as bases de formação qualificada de profissionais em diversas 
áreas.
Deve-se observar a estrutura de cada programa de pós-graduação e sua 
forma de inserção na sociedade no seu entorno, para se avaliar inserindo
 critérios de ponderação, que não tornem os parâmetros uniformes e 
inflexíveis. Cada região do país possui suas peculiaridades e não se 
pode ter uma medida  desconsidere isso. Um pequeno exemplo pode ser 
apresentado: na realização de eventos há uma pontuação que desqualifica 
aqueles de caráter local ou regional e valoriza os nacionais ou 
internacionais. Em suma, todas essas questões, num país das dimensões do
 Brasil, exigem uma definição de critérios que não funcionem como 
"desculpas", mas que permitam avaliar para além de parâmetros 
rigidamente lineares.
Considerando, especificamente, um Programa como o nosso, que tem como 
seu escopo fundamental questões ligadas à história regional e ao ensino 
da disciplina, priorizar critérios que não levem esses aspectos em conta
 na sua avaliação contradiz a própria essência que norteou a criação do 
mesmo. Isso não implica em qualquer forma de xenofobia, mas em 
reconhecer que os critérios valorativos aplicados estão também 
relacionados a lócus de poder que ultrapassam o aspecto puramente 
científico. Também há de se respeitar as peculiaridades de cada campo do
 conhecimento, pois não é possível mensurar a produção na área das 
ciências humanas, tendo como parâmetro a produção científica e 
tecnológica das áreas das ciências exatas. Mais uma vez, é preciso 
considerar as diferenças e peculiaridades inerentes a cada situação, 
mesmo mantendo o rigor e a seriedade necessários ao processo avaliativo.
Os docentes que assinam este documento, não concordam com a 
preponderância quase absoluta do critério hoje considerado 
imprescindível nas avaliações dos Programas de Pós-Graduação: a produção
 e publicação de artigos num sistema que prioriza aspectos 
essencialmente quantitativos. Para realizá-los com a qualidade que 
exigimos de nós mesmos, para que sejam textos originais e que contribuam
 com o avanço do conhecimento em nossos temas, é necessário que sejam 
produzidos a partir de reflexões realizadas no ritmo em que nos seja 
possível pensar e escrever História. Efetivamente, com a carga de 
trabalho e a diversidade de ocupações que assumimos, não consideramos a 
menor possibilidade de cumprir, com qualidade, tais metas quantitativas.
Com certeza, as questões aqui brevemente esboçadas – além de diversas 
outras sequer mencionadas – estão relacionadas a um contexto bem mais 
amplo e complexo e não temos a pretensão de esgotar qualquer uma delas 
ou de ter respostas definitivas. Apenas manifestamos nosso direito de 
discordar de algumas condições existentes para a produção do trabalho 
científico e tomamos uma atitude maturada ao longo de várias discussões 
nos últimos tempos. Acreditamos que esse contexto é parte de um difícil 
processo de consolidação efetiva da pesquisa e da pós-graduação no nosso
 país e seria uma atitude pouca historiadora de nossa parte assumirmos o
 discurso da inevitabilidade de determinadas situações "para todo o 
sempre". Certamente, os tempos que virão poderão trazer mudanças, 
necessidades de ajustes, redefinição de prioridades.Dessa forma, nos 
mantemos disponíveis para o debate respeitoso de posições e para 
colaborar direta ou indiretamente com a pós-graduação em outras e 
renovadas circunstâncias.
Reconhecemos a seriedade e compromisso das trajetórias de muitos de 
nossos colegas que consideram esse ritmo de trabalhos adequado, bem como
 daqueles que, apesar de não concordarem se submetem ao esforço 
produtivo nos moldes exigidos e que buscarão realizá-lo de forma 
qualificada. São questões da diversidade de opinião que devemos 
respeitar, mas com as quais não concordamos. Também não gostaríamos de 
criar contratempos ao Programa, que consideramos socialmente necessário,
 porque, apesar dos limites impostos pelos prazos de dissertação, ele 
contribui para a formação de quadros profissionais de História no Estado
 da Paraíba e no Nordeste. Por fim, informamos que não deixaremos ônus 
ou prejuízos no que tange às orientações e outras atividades em 
andamento, apesar de encaminharmos essa situação em ritmos e condições 
diferenciadas para cada um de nós e que serão devidamente cientificadas à
 Coordenação do Programa.
Atenciosamente,
Ângelo Emilio da Silva Pessoa José Jonas Duarte da Costa Regina Célia Gonçalves Regina Maria Rodrigues Behar
