Dossiê dos Aloprados: seis anos depois, Justiça abre ação penal e petistas vão ao banco de réus
Josias de Souza
Num instante em que o PT inquieta-se com a proximidade do julgamento 
do mensalão no STF, um segundo fantasma ressurge do passado para 
assombrar a legenda na eleição municipal de 2012. Sem estrondos, o juiz 
federal Paulo Cézar Alves Sodré, titular da 7a Vara Criminal 
da Seção Judiciária de Mato Grosso, abriu há quatro dias uma ação penal 
contra os petistas envolvidos no caso que ficou conhecido como escândalo
 do Dossiê dos Aloprados.
Datado de 15 de junho, o despacho do magistrado converteu em réus 
nove personagens que tiveram participação na tentativa de compra de 
documentos forjados que vinculariam o tucano José Serra à máfia das 
ambulâncias superfaturadas do Ministério da Saúde. Entre os encrencados,
 seis são petistas. Os outros três são ligados a uma casa de câmbio 
usada para encobrir a origem de parte do dinheiro que seria usado na 
transação.
O caso escalara as manchetes às vésperas do primeiro turno das 
eleições gerais de 2006, quando a Polícia Federal prendeu em flagrante, 
no Hotel Íbis, próximo do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, dois 
petistas portando R$ 1,7 milhão (uma parte em dólares). Exposto no 
noticiário da época (veja foto lá no alto), o dinheiro seria usado na 
transação. Relegado ao esquecimento, o episódio parecia condenado ao 
arquivo. Engano. Acaba de renascer.
Deve-se a ressurreição a três procuradores da República: Douglas 
Santos Araújo, Ludmila Bortoleto Monteiro e Marcellus Barbosa Lima. 
Lotados no Ministério Público Federal de Cuiabá, eles formalizaram em 14
 de junho, quinta-feira da semana passada, uma denúncia contra os 
acusados. Recebida pelo juiz Paulo Cézar, a peça deu origem à ação penal
 aberta no dia seguinte.
No seu despacho, o magistrado determinou a citação dos réus para que 
respondam às acusações “no prazo de dez dias”. As citações serão feitas 
por meio de cartas precatórias, já que a maioria dos acusados não mora 
em Cuiabá, sede da 7a Vara Criminal de Mato Grosso. São os seguintes os ‘aloprados’ que serão intimados a prestar contas à Justiça:
2. Valdebran Carlos Padilha da Silva:
 empresário matrogrossense, era filiado ao PT e operava como coletor 
informal de verbas eleitorias para o partido. Foi ele quem informou ao 
PT federal sobre a existência do dossiê. Estava junto com Gedimar Passos
 no hotel paulistano. Também foi preso. Carregava R$ 1 milhão.
4. Expedido Afonso Veloso: 
ex-diretor do Banco do Brasil, também compôs a equipe do comitê 
reeleitoral de Lula. Reportava-se a Lorenzetti. Foi escalado para viajar
 a Cuiabá a fim de analisar os dados contidos no dossiê montado contra 
Serra.
5. Oswaldo Martines Bargas: amigo 
de Lula dos tempos de militância sindical no ABC paulista, integrava o 
núcleo de “inteligência” da campanha nacional do PT. Recebeu de 
Lorenzetti a ordem para acompanhar Expedido Veloso na viagem a Cuiabá. 
Juntos, deveriam presenciar uma entrevista dos vendedores do dossiê –os 
empresários matogrossenses Darci e Luiz Antônio Vedoin, pai e filho— à 
revista IstoÉ. A entrevista, informa o Ministério Público, era parte da 
trama. Destinava-se a dar visibilidade às denúncias contra Serra.
7. Fernando Manoel Ribas Soares: 
era sócio majoritário da Vicatur Câmbio e Turismo Ltda, empresa 
utilizada no esquema para lavar parte dos dólares que financiariam a 
compra do dossiê.
8. Sirley da Silva Chaves: Também 
ex-proprietária da Vicatur, recrutou pessoas humildes para servir como 
“laranjas” na aquisição de parte dos dólares apreendidos pela PF no 
hotel de São Paulo.
9. Levy Luiz da Silva Filho: 
cunhado de Sirley, foi um dos “laranjas” utilizados no esquema. Em troca
 de uma comissão de R$ 2 mil, emprestou o próprio nome e recolheu as 
assinaturas de outros sete integrantes de sua família –um laranjal que 
incluiu dos pais aos avós. Rubricavam boletos de venda de moeda 
americana em branco. Eram preenchidos na Vicatur.
Para redigir a denúncia encaminhada ao juiz Paulo Cézar, os 
procuradores Douglas Araújo, Ludmila Monteiro e Marcellus Lima 
valeram-se de informações coletas em inquérito da Polícia Federal e numa
 CPI do Congresso. Só o trabalho da PF, anexado ao processo de número 
2006.36.00.013287-3, reúne mais de 2.000 folhas. Foram inquiridas cinco 
dezenas de pessoas. Realizaram-se 28 diligências. Quebram-se os sigilos 
fiscal, bancário e telefônico dos envolvidos.
Imaginava-se que o esforço resultara em nada. Mas os procuradores 
encontraram nos volumes do processo matéria prima para a denúncia. E o 
juiz considerou que ficou “demonstrada a existência da materialidade e 
de indícios de autoria” dos crimes. Daí a conversão da denúncia em ação 
penal e a transformação dos acusados em réus.
No miolo da denúncia do Ministério Público, obtida pelo blog, ressoa 
uma pergunta que monopolizou o noticiário na época do escândalo: de onde
 veio o dinheiro? A resposta contida nos autos, por parcial, frustra as 
expectativas. Mas não completamente. Os procuradores anotam que “grande 
parte do dinheiro” apreendido pela PF no hotel de São Paulo não teve a 
origem detectada. Por quê? “Apresentava-se em notas velhas, sem 
sequenciamento de número de ordem e sem identificação da instituição 
financeira.” Porém…
Foi possível rastrear uma “parte diminuta das cédulas” recolhidas 
pela PF na batida policial de 15 de setembro de 2006. Eram dólares. 
“Cédulas novas, que estavam arrumadas em maços sequenciais.” Servindo-se
 dos números de série das notas, a Divisão de Combate ao Crime 
Organizado de Brasília requisitou informações ao governo dos EUA. “Em 
resposta, o Departamento de Justiça Americano informou que os dólares 
tiveram origem em Miami”, anotam os procuradores na denúncia.
Seguindo o rastro do dinheiro, descobriu-se que parte dos dólares fez
 escala numa casa bancária da Alemanha, o Commerzbank. Dali, o lote foi 
remetido, em 16 de agosto de 2006, para o Banco Sofisa S/A, sediado em 
São Paulo. Para desassossego dos “aloprados”, o Federal Bureau of 
Investigation dos EUA farejou a origem de outro naco de dólares 
apreendidos pela PF. Coisa de US$ 248,8 mil. Compunham um lote de US$ 15
 milhões adquirido em 14 de agosto de 2006 pelo mesmo Banco Sofisa junto
 à filial do alemão Commerzabak em Miami.
Munido das informações, os investigadores acionaram o Banco Central. A
 quebra dos sigilos bancários levou à seguinte descoberta: parte dos 
dólares apreendidos no hotel paulistano em poder de Gedimar Passos e 
Valdebran Padilha havia saída do Banco Sofisa para a corretora de câmbio
 Dillon S/A, sediada no Rio. Dali, as notas foram repassadas, em várias 
operações de compra, à Vicatur Câmbio e Turismo Ltda., também do Rio.
Na sequência, o Núcleo de Inteligência da PF varejou a clientela da 
casa de câmbio Vicatur. Chegou-se, então, ao ‘laranjal’ composto de 
pessoas humildes. Gente que, sem renda para adquirir dólares, foi usada 
para dificultar o rastreamento do dinheiro. Inquirido, Levy Luiz da 
Silva Filho, um dos réus do processo, confessou que servira de laranja. 
Mais: reconheceu que, em troca de uma comissão de R$ 2 mil, coletara as 
assinaturas de sete familiares. Juntos, “compraram” na Vicatur o 
equivalente a R$ 284.857 em moeda americana.
Os procuradores escreveram na denúncia: “Ocorre que, não por mera 
coincidência, verificou-se que a soma exata de R$ 248,8 mil vendidos a 
clientes finais pela empresa Vicatur (todos ‘laranjas’conforme 
depoimentos prestadoso) correspondia à mesma soma dos valores 
apreendidos” com os petistas Gedimar e Valdebran.
“Desse modo”, concluíram os procuradores, “constata-se que Gedimar 
Pereira Passos, Valdebran Padilha, Expedito Veloso, Hamilton Lacerda, 
Jorge Lorenzetti e Osvaldo Bargas se associaram subjetiva e 
objetivamente, de forma estável e permanente, para a prática de crimes 
contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro”.
Crimes que “tinham por fim a desestabilização da campanha eleitoral 
de 2006 ao governo do Estado de São Paulo através de criação de vínculo 
entre o candidato do PSDB [Serra] à máfia dos Sanguessugas [que 
superfaturava ambulâncias com verbas do Ministério da Saúde] e, com 
isso, favorecer o então candidato do PT [Mercadante].”
No áudio, Expedito declara a certa altura: “O plano foi tocado pelo 
núcleo de inteligência do PT, mas com o conhecimento e a autorização do 
senador. Ele, inclusive, era o encarregado de arrecadar parte do 
dinheiro em São Paulo”. Segundo Expedito, Mercadante associara-se ao 
presidente do PMDB de São Paulo, Orestes Quércia, morto no final de 
2010.
“Faltavam seis pontos para haver segundo turno na eleição de São 
Paulo”, prosseguiu Expedito. “Os dois [Mercadante e Quércia] fizeram 
essa parceria, inclusive financeira. [...] As fontes [do dinheiro] são 
mais de uma. [...] Parte vinha do PT de São Paulo. A mais significativa 
que eu sei era do Quércia.”
Mercadante negou as acusações. Ele chegara a ser indiciado pela PF no
 inquérito aberto em 2006. Mas, seguindo parecer da Procuradoria-Geral 
da República, o STF anulou o indicamento por falta de provas. Agora, em 
ofício enviado ao juiz Paulo Cézar, os procuradores Douglas Araújo, 
Ludmila Monteiro e Marcellus Lima voltaram a excluir Mercadante da 
grelha.
Anotaram: “Relativamente ao crime eleitoral, a autoridade policial, 
em seu relatório, entendeu que a omissão de receita ou despesa em 
prestaçãoo de contas de campanha é crime previsto no artigo 350 do 
Código Eleitoral, o qual prevê que ‘constitui falsidade ideológica a 
ação de omitir, inserir ou fazer inserir declaraçãoo falsa ou diversa da
 que devia ser escrita, para fins eleitorais’.”
“No entanto”, prosseguem os procuradores no texto, “certo é que o 
próprio STF já afastou a modalidade especial de falsidade ideological, 
por ausência de comprovação de dolo por parte do senador Aloizio 
Mercadante. Aliado a isso, os laudos de exame financeiro não 
demonstraram que os recursos provieram de campanha eleitoral.”
Mais adiante, vem a conclusão que excluiu Mercadante da nova 
denúncia: “Logo, de todo o conjunto probatório colhido, verifica-se a 
ausência de prova quanto à saída de recursos da caixa de campanha 
eleitoral, bem como a comprovação da existência de caixa dois para 
trânsito de recursos por meios ilícitos…”
Afora Mercadante, também o deputado Ricardo Berzoini foi mantido 
longe da denúncia. Ele presidia o PT em 2006. Coordenava o comitê 
reeleitoral de Lula. O núcleo de inteligência da campanha, ninho dos 
‘aloprados’, reportava-se a Berzoini. Mas ficou entendido que quem 
comandou a ‘alopragem’ foi Lorenzetti, o churrasqueiro de Lula.