A vingança maligna de Maluf
20 de junho de 2012 | 3h 08
O Estado de S.Paulo
Perto das imagens que estavam ontem na primeira página 
dos principais jornais do País, o fato de o PT de Lula ter ido buscar o 
apoio do PP de Paulo Maluf à candidatura do ex-ministro da Educação 
Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo chega a ser uma trivialidade. O
 chocante, pela abjeção, foi o líder petista se dobrar à exigência de 
quem ele já chamou de "ave de rapina" e "símbolo da pouca-vergonha 
nacional", indo à sua casa em companhia de Haddad, e posar em obscena 
confraternização, para que se consumasse o apalavrado negócio eleitoral. 
Contrafeito de início, Lula logo silenciou os vagidos íntimos de 
desconforto que poderiam estragar os registros de sua rendição e cumpriu
 o seu papel com a naturalidade necessária, diante dos fotógrafos 
chamados a documentar o momento humilhante: ria e gesticulava como se 
estivesse com um velho amigo, enquanto o anfitrião, paternal, afagava o 
candidato com cara de tacho. Da mesma vez em que, já lá se vão quase 20 
anos, colocou Maluf nas "nuvens de ladrões" que ameaçavam o Brasil, Lula
 disse que ele não passava de "um bobo alegre, um bobo da corte, um 
bufão". Nunca antes - e talvez nunca depois - o petista terá errado 
tanto numa avaliação.
Criatura do regime militar, desde então com uma falta de escrúpulos 
que o capacitaria a fazer o diabo para satisfazer as suas ambições de 
poder, prestígio e riqueza, Maluf aprendeu a esconder sob um 
histrionismo não raro grotesco a sua verdadeira identidade de homem que 
calculava. As voltas que o País deu o empurraram para fora do proscênio -
 menos, evidentemente, no palco policial -, mas ele soube esperar a 
ocasião de mostrar ao petista quem era o bobo alegre. A sua vingança, 
como diria o inesquecível Chico Anísio, foi maligna. Colocou de joelhos 
não o Lula que desceu do Planalto para se jogar nos braços do povo 
embevecido, deixando lá em cima a sucessora que tirara do nada 
eleitoral, mas o Lula recém-saído de um câncer e cuja proverbial 
intuição política parece ter-se esvanecido.
Nos jardins malufistas da seleta Rua Costa Rica, anteontem, o campeão
 brasileiro de popularidade capitulava diante não só de sua bête noire 
de tempos idos, mas principalmente da patologia da sua maior obsessão: 
desmantelar o reduto tucano em São Paulo, primeiro na capital, na 
disputa deste ano, depois no Estado, em 2014, para impor a hegemonia 
petista ao País com a reeleição da presidente Dilma ou - por que não? - a
 volta dele próprio ao Planalto, "se a Dilma não quiser". Lula não é o 
único a acreditar que, em política, pecado é perder. Mas foi o único a 
dizer, em defesa das alianças profanas que fechou na Presidência, que, 
se viesse a fazer política no Brasil, Jesus teria de se aliar a Judas.
Não se trata, portanto, de ficar espantado com a disposição de Lula 
de levar a limites extravagantes o credo de que os fins justificam os 
meios. O que chama a atenção é a sua confiança nos superpoderes de que 
se acha detentor, graças aos quais, imagina, conseguirá dar a volta por 
cima na hora da verdade, elegendo Haddad e sufocando a memória da 
indecência a que se submeteu. Não parece passar por sua cabeça que um 
número talvez decisivo de eleitores possa preferir outros candidatos, 
não pelo confronto de méritos com o petista, mas por repulsa à 
genuflexão de seu patrono perante a figura que representa o que a 
política brasileira tem de pior. 
Lula talvez não se dê conta de que a maioria das pessoas não é como 
ele: respeita quem se respeita e despreza os que se aviltam, ainda mais 
para ganhar uma eleição. Ele tampouco se lembrou de que, em São Paulo - 
berço do PT -, curvar-se a Maluf tem uma carga simbólica 
incomparavelmente mais pesada do que adular até mesmo um Sarney, por 
exemplo. Não se iluda o ex-presidente com o recuo da companheira de 
chapa do candidato, a ex-prefeita Luiza Erundina, do PSB. Ontem ela 
desistiu da candidatura a vice, como dera a entender na véspera ao dizer
 que "não aceitava" a aliança com Maluf. Razões outras que não o zelo 
pela própria biografia podem tê-la compelido, no entanto, a continuar 
apoiando Haddad. Já os eleitores de esquerda são livres para recusar-lhe
 o voto pela intolerável companhia.