"Passada a era das revoluções, para usar o termo de Eric Hobsbawn, o poder estatal apresenta agudos problemas. A maioria dos Estados enfrenta uma crise inédita de autoridade e disciplina sobre o mercado, as empresas multinacionais, etc. Mas afirma cada vez mais o controle policial e, mesmo, militar, sobre os cidadãos que recusam ser espoliados de suas poupanças, empregos, vida em prol de instituições financeiras golpistas. Dessa crise, a Europa da Grécia é apenas um sinal de alerta. Na dialética contraditória ocorrida no âmbito democrático —os demagogos prometem plena transparência ao povo, mas precisam assumir o segredo estatal, são eleitos pelo voto secreto e, nos palácios, usam o segredo para domar as massas que os sufragaram— o pêndulo vai da licença às tiranias. A resposta do poder ao segredo do voto foi o recrudescimento e amanipulação inaudita do segredo de Estado. Após a Segunda Guerra, a Guerra Fria, o Macarthismo as formas autoritárias, o segredo aumenta sua abrangência. Se os países socialistas, supostamente repúblicas populares, quebram a base da accountability e da fé pública em proveito dos governos, algo similar ocorre hoje na Europa e nos EUA. Nas formas imperiais dirigidas pela Otan, nas políticas que restringem as liberdades públicas nos EUA, como na Lei Patriótica, temos um avanço da razão de Estado. Consideremos a lição de Norberto Bobbio: “O governo democrático desenvolve sua atividade em público, sob os olhos de todos. E deve desenvolver a sua própria atividade sob os olhos de todos porque todos os cidadãos devem formar uma opinião livre sobre as decisões tomadas em seu nome. De outro modo, qual a razão os levaria periodicamente à urnas e em quais bases poderiam expressar o seu voto de consentimento ou recusa? (…) o poder oculto não transforma a democracia, a perverte. Não a golpeia com maior ou menor gravidade em um de seus orgãos essenciais, mas a assassina”.
 
Roberto Romano, Aula Magistral na Unicamp.
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Agora, leiam por favor a notícia abaixo.
Governo carimba documentos como 'secretos' para driblar Lei de Acesso
Ministérios usam exceções para reclassificar papéis que antes tinham livre acesso a consulta
17 de junho de 2012 | 3h 08
ALANA RIZZO, RAFAEL MORAES MOURA , FÁBIO FABRINI  - O Estado de S.Paulo
Para driblar a obrigação de divulgar dados públicos, 
imposta pela Lei de Acesso à Informação, o governo está reclassificando 
documentos como sigilosos. Antes de livre consulta, os papéis estão 
ganhando carimbo de reservados após a entrada em vigor da norma, em 16 
de maio, sem justificativa legal, com o propósito de adiar a divulgação 
por até 25 anos. 
 Veja também: 
  Manobras acontecem desde o começo da lei
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  Cidadão fará a Lei de Acesso funcionar
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Os ministérios baseiam-se nas exceções previstas no texto legal, 
apesar de a Lei de Acesso ressaltar que a transparência é regra. Entre 
os argumentos mais usados está o risco à "segurança da sociedade ou do 
Estado", à qual os órgãos públicos se apegam até para negar dados de 
convênios prosaicos, firmados diariamente pela administração. 
O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) usou essa justificativa 
para que o Estado não tivesse acesso a dados de parceria firmada com 
entidade sem fins lucrativos do Rio de Janeiro, cujo objetivo era a 
simples realização de palestras e cursos de acessibilidade para 
facilitar a inclusão de pessoas com deficiência. 
O processo requisitado contém dados da contratação, que custou R$ 1,5
 milhão ao erário. A decisão de negá-los partiu da diretora do 
Departamento de Ações Regionais para Inclusão Social, Renata Maria 
Gonzatti, que impôs ao processo sigilo de três anos, renovável por mais 
três - a lei, no entanto, prevê prazo mínimo de cinco. 
Numa resposta lacônica, ela não explica qual seria, no caso, a ameaça
 à integridade social ou do Estado. Na prática, a medida igualou o 
convênio aos documentos que tratam de questões relativas à soberania 
nacional, às relações internacionais ou às atividades de inteligência do
 Brasil. 
"É uma resposta picareta, tão patentemente absurda que beira ao 
cinismo", critica Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG 
Transparência Brasil, entidade que participou da elaboração do texto 
que, após discussões no governo, deu origem à nova legislação. 
Finalidade. Para ele, o abuso do mecanismo de reclassificação 
contraria o que a lei estabelece e as diretrizes que o próprio Planalto 
afirma, oficialmente, ter dado aos seus organismos: "Esse tipo de 
comportamento tem a finalidade de esconder informação e quem esconde 
tem, geralmente, um motivo para isso. Podemos não saber qual é, mas 
tem". 
Vinculado ao Ministério da Educação (MEC), o Instituto Nacional de 
Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) negou acesso ao resultado de uma
 auditoria já concluída. O documento foi classificado como reservado em 4
 de junho deste ano, 20 dias após o Estado ter solicitado cópia da 
auditoria e prazo final para que o órgão respondesse ao pedido. 
O auditor chefe do órgão, Lúcio Meira de Mesquita, alegou que o 
resultado da investigação interna é considerada imprescindível à 
segurança da sociedade e do Estado por comprometer atividades de 
inteligência. O presidente do Inep, Luiz Cláudio Costa, aceitou o 
argumento e estipulou em cinco anos o prazo de restrição ao documento, 
que trata de irregularidades em contratos públicos. 
Estranhamento. Questionada, a Controladoria-Geral da União (CGU), 
guardiã da Lei de Acesso no governo federal, diz que não pode se 
pronunciar sobre casos específicos, por ser instância de recursos 
relativos aos pedidos. Mas, nos bastidores, auditores do órgão, 
consultados sobre as negativas do MCT e outros órgãos, demonstraram 
estranhamento. 
A Lei de Acesso completou ontem um mês em vigor. Balanço da CGU 
mostra que, até a última quinta-feira, mais de 10 mil pedidos foram 
apresentados. Desse total, 6.964 ou 69% foram respondidos. Em cada dez 
respostas, uma foi favorável aos pedidos, segundo a estatística. 
Contudo, nem sempre a informação solicitada é apresentada na 
integralidade. Em todas as situações em que o atendimento não é 
satisfatório, o pleiteante pode recorrer em duas instâncias 
administrativas.