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“O poder revela quem somos”
“O poder revela quem somos”
Um pesquisador americano diz como o poder nos torna mais corruptos, mesquinhos e hipócritas
ISABEL CLEMENTE
Dizer que o poder corrompe é um antigo chavão. A novidade é que esse 
velho axioma acaba de ser comprovado cientificamente em um trabalho de 
pesquisadores da Kellogg School of Management, nos Estados Unidos. Após 
uma série de testes comportamentais com voluntários, eles demonstraram 
como o poder costuma, em geral, mudar as pessoas para pior. Em testes, 
os poderosos não só trapaceavam mais, como se mostravam mais hipócritas 
ao se desculpar por atitudes que condenavam nos outros. “Os poderosos 
acreditam que devem ser excluídos de certas regras”, afirma o psicólogo 
social Adam Galinsky, professor de ética e decisões em gerência da Kellogg School of Management e um dos autores do estudo.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI125571-15223,00-O+PODER+REVELA+QUEM+SOMOS.html
| QUEM É Americano de 41 anos, é Ph.D. em psicologia social pela Universidade Princeton O QUE FAZ Professor de ética e decisões em gerência da Kellogg School of Management, nos Estados Unidos O QUE PUBLICOU Mais de 75 artigos científicos. É coautor do estudo Power increases hypocrisy (O poder aumenta a hipocrisia) | 
 ÉPOCA – O poder corrompe?
Adam Galinsky – Sim, corrompe. Basicamente, apesar de o
 poder deixar as pessoas no centro das atenções, de estarmos todos 
olhando para as autoridades, os poderosos se sentem psicologicamente 
invisíveis. E, por causa dessa sensação de invisibilidade, eles se 
permitem agir de maneiras imorais, ao passo que outras pessoas não 
agiriam assim por medo de punição. É como se ficassem à vontade para 
preencher suas mais íntimas necessidades. Uma das comparações de que 
gosto de fazer é a história do Senhor dos Anéis. No momento que ele põe o
 anel, fica invisível e age mal. O poder é esse anel.
 ÉPOCA – Como o senhor constatou isso?
Galinsky – Fizemos vários experimentos. Um deles foi 
com um jogo de dados. Dividimos os voluntários para a experiência em 
dois grupos: os muito poderosos e os pouco poderosos. Isolamos os grupos
 em um cubículo. Dissemos a cada um que eles ganhariam bilhetes para uma
 loteria conforme os pontos obtidos ao jogar os dados, que poderiam 
variar de 0 a 100. A média esperada era de 50 pontos. O grupo pouco 
poderoso anunciou ter obtido um resultado de 59 pontos, enquanto o grupo
 muito poderoso disse ter obtido 70 pontos. A conclusão é que o grupo 
pouco poderoso pode ter trapaceado com os dados, mas o muito poderoso 
trapeceou muito mais para conseguir mais bilhetes de loteria.
 ÉPOCA – O senhor diria que a melhor s maneira de testar a identidade moral de um indivíduo é dar poder a ele?
Galinsky – Sim, porque o poder não apenas muda a 
pessoa, mas revela quem ela é de verdade. Podemos afirmar, a partir 
dessa pesquisa, que a experiência do poder provoca certas mudanças no 
ser humano – e a maior é torná-lo hipócrita.
 ÉPOCA – A pesquisa chega a essa 
conclusão a partir de questões que envolvem superfaturar despesas de 
viagem ou ultrapassar o limite de velocidade. Quem faz isso está mais 
propenso a se tornar corrupto se chegar ao poder?
Galinsky – Em média, muitas pessoas, quando investidas 
de poder, tornam-se mais mesquinhas, afrouxam seus padrões éticos. Você 
está me fazendo uma pergunta diferente: se as pessoas que agem sem ética
 provavelmente se corromperiam no poder. “Provavelmente”, é a minha 
resposta.
 ÉPOCA – Por que o senhor afirma que os poderosos, quando flagrados, mostram-se pouco arrependidos?
Galinsky – Por causa de um processo psicológico 
mostrado na pesquisa: os poderosos acreditam, de fato, que eles devem 
ser excluídos de certas regras e padrões aplicados aos demais. Ou então 
eles apresentam justificativas psicológicas para ter agido como agiram.
 ÉPOCA – Executivos e políticos mostram-se incomodados quando o senhor comenta com eles esse tipo de comportamento?
Galinsky – Quando estão fora do poder, as pessoas 
dizem: “Eu nunca agiria dessa forma”. Temos a tendência de acreditar que
 não temos a mesma vulnerabilidade e que não corremos os mesmos riscos 
dos outros. Mas a verdade é que, investidos de poder, muitos mudam. 
Somos suscetíveis. A pesquisa mostra, sistemática e cientificamente, que
 não só as pessoas
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agem imoralmente quando podem, como elas se tornam hipócritas. Defendem 
padrões comportamentais mais rígidos para os outros do que para si 
mesmas. Foi o caso do governador de Nova York, Eliot Spitzer, que traiu a
 mulher com uma prostituta. Veio à tona depois que ele, como 
procurador-geral do Estado, combatia a prostituição. É nesse ponto que 
os poderosos caem do pedestal e a sociedade se revolta. Se eles apenas 
agissem mal, seria ruim, mas ainda por cima pregar o contrário do que 
fazem... A hipocrisia revolta. Vocês, por exemplo, têm um governador 
preso por obstruir a Justiça (José Roberto Arruda, governador afastado do Distrito Federal).
 Um governador é alguém que defende leis e comportamentos para a 
sociedade. Quando um político age assim, é mais revoltante do que 
executivos de empresas – porque executivos não necessariamente posam de 
modelo comportamental para os outros.
 ÉPOCA – Nessa era de Big 
Brothers, em que câmeras revelam até gestos das autoridades em lugares 
onde elas pensam estar protegidas, não é mais difícil agir de forma 
hipócrita?
Galinsky – Não é uma questão de ser vigiado, mas de se 
sentir conectado à coletividade e obrigado a prestar contas aos outros. 
Mera vigilância nem sempre é eficaz e tende a dissipar seu efeito com o 
tempo, porque não é um processo que internaliza no indivíduo essa noção 
de que ele deve se explicar.
 ÉPOCA – No Brasil existem cortes 
judiciais e celas especiais nos presídios para políticos, pessoas com 
nível universitário e autoridades. Isso reforça a crença de que os 
poderosos são pessoas diferentes?
Galinsky – Essa é uma questão mais complicada. Se as 
cortes especiais forem mais lenientes, daí você reforça o problema do 
tratamento especial. Se esses julgamentos forem mais rápidos e defender 
altos padrões éticos e legais para os poderosos, podem servir para 
reforçar que ninguém está acima da lei. É muito fácil para as pessoas 
que conquistaram certos postos atuar pelo bem delas mesmas, em vez de 
trabalhar pela coletividade, que as colocou lá. Costumo dizer em minhas 
aulas que é preciso criar algemas para os honestos: como podemos 
garantir que ninguém se sinta tentado a trapacear? Por isso eu nunca dou
 provas para fazer em casa. A tentação para fazer consultas é enorme.
 ÉPOCA – A punição é capaz de conter essa tendência humana de agir mal?
Galinsky – O melhor caminho é fazer com que os 
poderosos tenham de prestar contas. O Congresso tem de fiscalizar seus 
políticos, o governo e dividir o poder com eles. Os processos decisórios
 têm de ser transparentes. Os políticos têm de estar na vitrine da 
sociedade, bem visíveis. No mundo dos negócios, os altos executivos 
também têm de ser monitorados pela diretoria, pelos conselhos. Se a 
diretoria for uma rede formada por “mais dos mesmos”, ou seja, por 
indivíduos poderosos com o mesmo padrão comportamental, aí ela não 
exerce sua função de controlar o presidente, que se sente, por isso, 
invisível para os demais. Isso resulta em histórias parecidas com as da 
Enron e da World Com (empresas que faliram em 2001 em meio a graves escândalos de corrupção).
 O combate à falta de ética e à imoralidade passa pela divisão de poder.
 O Executivo tem de precisar do Legislativo, porque aí há um equilíbrio 
quase natural de forças.
 ÉPOCA – O senhor ficou surpreso com algum resultado de suas experiências?
Galinsky – Não, mas, se num experimento comportamental 
em que o poder não é uma força real acontece isso, imagine no mundo 
real, onde as pessoas lidam com o poder de verdade.http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI125571-15223,00-O+PODER+REVELA+QUEM+SOMOS.html