O satânico doutor Paulo
“A fotografia é subversiva não quando assusta, perturba ou até estigmatiza, mas quando é pensativa”. ( Roland Barthes)
É
 muito provável que Paulo Salim Maluf jamais tenha ouvido falar de 
Roland Barthes nem de semiótica. Nem ele, nem Luiza Erundina. Mas com 
certeza nenhum dos dois desconhece o ditado “uma foto vale mais do que 
mil palavras”.
Muito
 mais de mil palavras já foram escritas e muitas ainda se escreverão 
sobre a imagem que junta Paulo Maluf, Lula da Silva e Fernando Haddad 
tendo como pano de fundo indícios do jardim babilônico da ostensiva 
pirâmide erguida à riqueza que é a casa do ex-prefeito de São Paulo no 
bairro dos Jardins, em São Paulo.
A
 foto sela uma inusitada aliança política, mas não escandaliza pela 
aliança. Escandaliza pela imagem. No caso, diriam os semióticos, o 
significante vale mais do que o significado.
Já foi o tempo em que a tenra planta da democracia brasileira se abalava com as chamadas “alianças espúrias”.
A
 bem da verdade, nunca se abalou, a não ser na consciência irredutível 
de alguns turrões defensores ortodoxos do decoro político como Mário 
Covas, que em boa hora impediu a revoada de seus companheiros tucanos no
 momento em que se dispunham a jogar um salva-vidas para salvar o 
desastroso governo Collor.
Governar
 é preciso, diriam os navegantes do pragmatismo, e por isso alianças 
ditas “espúrias” ajudaram FHC e Lula e estão ajudando Dilma a atravessar
 as marolas da governabilidade.
O
 partido de Maluf está instalado em um nicho da base do governo há muito
 tempo, como está ocupando um lugarzinho quente no governo de Alckmin, e
 só não está na campanha de Serra por uma questão de divergência nos 
meios de pagamento.
Acontece
 que a simbologia que conta no imaginário político brasileiro floresce 
em torno de pessoas e não de legendas ou siglas. O diabo é Maluf e não o
 partido de Maluf. É assim que se joga o jogo. E Maluf, o esperto dos 
espertos, sabe disso. Resolveu vender caro o seu minuto e meio de TV.
Procurado
 pela Interpol, acusado de desviar montanhas de dinheiro público, 
estigmatizado e demonizado em gestos, atos e palavras pela essência do 
petismo, que se auto-construiu como a sua antítese moral e ética, Maluf 
viu no episódio da aliança com Haddad a oportunidade da revanche 
perfeita.
Com
 requintes de sadismo, exigiu, para selar a aliança, que seu detrator 
máximo descesse de seu pedestal imperial e comparecesse ao jardim de sua
 casa, levando pelo braço o seu candidato de engonço, e posasse para um 
batalhão de fotógrafos submetendo-se ao cinismo deslavado do famoso 
sorriso industrial que o inimigo histórico traz impresso como uma 
tatuagem no rosto.
A vingança é um prato que se come cru.
Erundina,
 com seu ar misto entre a madre superiora ultrajada e a stalinista 
tardia, abandonou o barco, não em repúdio à aliança mas à escandalosa 
cena explícita da aliança. Era como se dissesse, mutatis mutandis, 
estupra mas não mata. Ou melhor: apoia mas não fotografa.
Mas o satânico dr.Paulo fotografou, relaxou e gozou.
Sandro Vaia é
 jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor 
de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e 
diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha 
Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.