A Semana > Entrevista
| N° Edição: 2382
| 24.Jul.15 - 20:00
| Atualizado em 25.Jul.15 - 18:05
ROBERTO ROMANO
"O governo Dilma é um desastre"Professor da Unicamp diz que o Estado brasileiro funciona à base da corrupção e considera grave a situação da presidente
por Ludmilla Amaral (ludmilla@istoe.com.br)
REIS SEM COROA
Para o filósofo Roberto Romano, negociadores
designados por Dilma agem de forma imperial
Doutor em filosofia e professor de Ética
Política na Unicamp, Roberto Romano mostra ceticismo em relação ao
futuro do País. Para ele, a crise política é estrutural e remonta ao
processo de criação de um Estado de modelo absolutista. “No princípio
absolutista, os governantes estão acima do cidadão comum e, portanto,
não têm de prestar contas a ninguém. Há o controle do poder no plano
central, mas não há autonomia dos municípios e dos Estados. Um País onde
70% dos impostos vão direto para o cofre do poder central é um país de
exército vencido”, critica.
"O Lula adota um modo muito antigo de governar o País. Ele atua na
base do caciquismo. O Lula é um cacique"
Na avaliação de Romano, a crise se agrava
quando uma presidente, no caso Dilma Rousseff, encontra sérias
dificuldades para dialogar com a sociedade e escala auxiliares tão ou
mais inábeis quanto ela. “Se somar a incapacidade de dialogo notório que
a presidente tem com a incapacidade de seus auxiliares, você tem um
governo que é esse desastre”. Para um partido que vendeu esperança, na
eleição de Lula, o quadro é grave, avalia. Na opinião do professor da
Unicamp, equivoca-se quem diz que as instituições operam normalmente.
Ele considera a intervenção estatal no BNDES uma prova de que a
democracia ainda capenga no Brasil.
Desde que assumiu a Câmara, Eduardo Cunha tem defendido uma
pauta que não é do interesse geral, e sim de facções
Istoé -
O senhor disse uma vez
que “a inflação é um desagregador político muito forte”. A crise no
governo Dilma se dá por conta da alta dos preços?
ROBERTO ROMANO -
A inflação é um
ingrediente complicador. Ela quebra a capacidade que o ser humano tem de
confiar. Esse fenômeno desagregador da inflação é o ponto essencial,
mas não é o único ponto da crise política.
Istoé -
Quais são os outros pontos?
ROBERTO ROMANO -
O fato de o nosso Estado
ser ainda gerado para combater a democracia moderna. Dom João VI trouxe
para cá um Estado contra revolucionário. O modelo trazido para cá é um
modelo absolutista. Tanto que na primeira Constituição independente do
Brasil há a figura de irresponsabilidade do chefe de Estado. No
princípio absolutista, os governantes estão acima do cidadão comum e,
portanto, não têm de prestar contas a ninguém. Há o controle do poder no
plano central, mas não há autonomia dos municípios e dos Estados. Nós
não temos municípios até hoje. É uma ficção. Um País onde 70% dos
impostos vão direto para o cofre do poder central é um país de exército
vencido. O poder central age em relação aos estados e municípios como um
poder invasor, que controla tudo.
Istoé -
Como esses pontos influenciam na crise do governo Dilma?
ROBERTO ROMANO -
O problema não é só essa
questão da estrutura do Estado que é obsoleta. Você tem essa figura do
chefe de estado que possui prerrogativas de imperador. Em vez de a
preocupação ser com a estrutura da máquina do Estado, a preocupação é
com as pessoas. Se a pessoa está distribuindo favores e as políticas
sociais são transformadas em favores, quando a fonte dos favores diminui
evidentemente que a popularidade também diminui. Eu sempre digo que o
presidente brasileiro é um gigante de pé de barro. É um gigante, mas
precisa da base aliada, dos acordos com as oligarquias, do dinheiro das
empresas. Então, você tem um presidente que, ao invés de mandar no
sentido absolutista, ele é mandado. E se ele tiver capacidade política,
diplomática, ele pode se sair razoavelmente bem. Infelizmente a
presidente Dilma não tem essa capacidade política e diplomática. Para
piorar, ela escolheu muito mal os seus auxiliares.
Istoé -
De quem o sr. está falando especificamente?
ROBERTO ROMANO -
Veja os chefes da Casa
Civil escolhidos pela Dilma: Erenice Guerra, Gleisi Hoffmann e Aloízio
Mercadante. Eles não sabem conversar. Eles sabem mandar. E são
desastrados. Então, se somar a incapacidade de dialogo notório que a
presidente tem com a incapacidade de seus auxiliares, você tem um
governo que é esse desastre.
Istoé -
Na semana passada, o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, anunciou o rompimento com a
presidente Dilma Rousseff. A crise se agrava na opinião do sr.?
ROBERTO ROMANO -
Enquanto presidente da
Câmara e também como deputado, ele não pode dizer que está rompendo em
caráter pessoal. Ele está cometendo um atentado à Constituição e isso é
gravíssimo porque ele não é do Executivo. Um técnico do Executivo até
pode cometer erros constitucionais assim, mas quem elabora as leis em
nome do povo como pode dizer que decidiu pessoalmente uma coisa que não
pode ser decidida pessoalmente?
Istoé -
Como o sr. vê a atuação dele como presidente da Câmara?
ROBERTO ROMANO -
Desde que assumiu a
presidência da Câmara, ele tem defendido uma pauta que não é do
interesse geral, e sim de facções. Hoje ele é líder de uma facção. Como
deputado ele tem direito de liderar uma facção, mas como presidente da
Câmara, não.
Istoé -
O sr. acha que o PMDB realmente terá candidato próprio em 2018?
ROBERTO ROMANO -
É uma situação muito
interessante, porque na época do Sarney, o PMDB era quem decidia tudo no
governo. Passado esse período, eles têm só suportado governos. Na
ditadura, o MDB tinha presença em todo o Brasil, e ampliou suas bases
municipais. Isso faz com que sempre em toda eleição eles consigam uma
base parlamentar, tanto de deputados como de governadores, bem razoável.
O PSDB e o PT não aproveitaram seus oito anos de governo para ampliar
suas bases municipais, então eles continuam dependendo muito do PMDB
para ter a famosa base parlamentar de apoio. No entanto, os
peemedebistas ganham cargos, mas do ponto de vista macro, eles continuam
coadjuvantes, o que não interessa. Isso, ao que parece, mudou. O
problema é quem será o candidato deles. Existe a possibilidade de ser o
Eduardo Paes, prefeito do Rio. O Cunha, antes cotado, se isolou no
próprio PMDB, além de ter rompido com o Ministério Público e o Supremo.
Foi um pulo mortal sem rede. Um ato de imprudência política.
Istoé -
E o papel do vice-presidente Michel Temer nesse momento?
ROBERTO ROMANO -
O Temer é uma garantia de
que a presidente não vai continuar fazendo impolidez ou falta de tato
maior. Por enquanto ela está afastadinha e eu acho que é o mínimo que
ela pode fazer. Não porque quando ela fala toca panela, não. É porque
efetivamente a situação dela é muito grave.
Istoé -
O senhor enxerga alguma semelhança entre as situações de Collor, em 1992, e a de Dilma agora?
ROBERTO ROMANO -
O Collor conseguiu muita
impopularidade com o golpe que ele deu nas poupanças. Ele confiou demais
na sua popularidade e arruinou o seu relacionamento com todas as
classes brasileiras. Ele pertencia a um partido minúsculo que dependia
vitalmente de outros partidos também, mas ele nunca teve, por exemplo, a
base sólida do PMDB. Já a Dilma recebeu do Fernando Henrique e do Lula
essa capacidade de aliança com grandes partidos. Mas Dilma não levou
adiante isso graças a inabilidade de seus negociadores que agiram de
forma imperial. Boa parte dessa erosão que a Dilma está vivendo já foi
eclodida no segundo governo de Lula, quando essa aliança com o PMDB já
começou a periclitar.
Istoé -
Mas os escândalos também
começam a se aproximar do gabinete da presidente... Inclusive há uma
outra CPI em gestação, a do BNDES, que pode ser arrasadora para o
governo. Há quem diga que os estragos podem ser maiores do que o
Petrolão.
ROBERTO ROMANO -
Há um mantra entre meus
colegas de que as instituições estão operando normalmente. Isso é
conversa mole para boi dormir. Não estão operando normalmente e nunca
estiveram operando normalmente. Não foram resolvidos os problemas de
estrutura do Brasil em termos democráticos. O BNDES é uma instituição
pública que tem dinheiro da população e que operava de maneira sigilosa
até agora. Como isso pode ser normal numa democracia? Pega-se bilhões da
população e coloca-se na mão de Eike Batista. Isso é normal? Não se
justifica a atitude de gerir o BNDES no sigilo. É preciso, sim, fazer
uma investigação das contas do BNDES, do Banco do Brasil, de todas as
estatais para se constatar quanto está sendo subtraído dos planos
propriamente econômicos.
Istoé -
Num capítulo do livro
“Uma Oveja Negra al Poder” diz-se que Lula teria dito ao presidente
uruguaio que ele teve de lidar com “coisas imorais, chantagens.” Esse é o
cenário da política brasileira?
ROBERTO ROMANO -
O Estado brasileiro
funciona à base da corrupção. Em todo o Estado do mundo ocorre essa
negociação e essa tomada de cargos, mas tal como existe no Brasil é uma
coisa absolutamente delirante. Não há outra saída, porque não houve o
parlamentarismo. A Presidência da República é quase irresponsável e o
Parlamento não é responsável. Não há o princípio da responsabilidade. O
Congresso não assume a plena responsabilidade pela governança do País,
ele ou chantageia o Executivo ou é subserviente a ele. Isso vem
acontecendo desde a morte do Getúlio.
Istoé -
Em uma de suas colunas, o
senhor disse que “usar utopia, como faz Luiz Inácio Lula da Silva, é
pintar cinza sobre cinza.”O que o senhor quis dizer com isso?
ROBERTO ROMANO -
Em 1987, eu escrevi um
artigo chamado “Lula, o senhor da razão”, e eu mostrava claramente que
ele tinha posição extremamente conservadora, muito carismática e muito
ligada a sua pessoa, ele era o dono da razão. Isso não coaduna com um
País democrático e com um partido democrático. Desde a greve do ABC, o
Lula sempre é o protegido, nunca se pode criticar o Lula, o que faz com
que ele seja uma continuidade de personalidade como Getúlio Vargas,
Perón, e etc. Ele não tem a característica de um líder colegiado, tanto é
verdade que hoje o PT só tem o Lula. Todas as tentativas de lideranças
regionais do PT foram cortadas em favor do Lula. Hoje, se o Lula faltar,
o PT está sem uma alternativa. O Lula adota um modo muito antigo de
governar o País. Ele atua na base do caciquismo. O Lula é um cacique.
Istoé -
As investigações da
Lava-Jato têm chegado cada vez mais perto de Lula. O que isso pode
significar para a história do ex-presidente e para o futuro do PT?
ROBERTO ROMANO -
Vamos supor que seja
provado que ele fez lobby e tudo mais. Vai ser mais uma decepção para a
população brasileira. Desde Getúlio Vargas nós vendemos pais do Brasil e
o Lula sempre dizia que era o pai do Brasil. O caudal de tristeza e da
perda de fé pública em termos de perda de confiança nos líderes vai ser
algo muito grave. Um slogan muito usado na campanha do Lula era “a
esperança venceu o medo”. O que está acontecendo é que o medo está
voltando e a esperança chegando a ponto mínimo. A popularidade de Dilma
ilustra o índice da diminuição do nível da esperança. Eu diria que o
povo brasileiro tem 7,7% de esperança na sua sobrevivência. E isso é
muito grave.