Manobras de Cunha são 'golpe' no processo político? Especialistas avaliam
Márcio Padrão
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
- Pedro Ladeira/Folhapress2.jul.2015 - Com uma manobra regimental, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, colocou em votação novo texto da PEC que reduz a maioridade penal
Para conseguir a reversão dos resultados, Cunha empregou uma interpretação própria do regimento da Câmara (que regulamenta as votações no plenário) e o agendamento urgente de propostas de lei similares às que foram derrotadas. Dessa forma, conseguiu burlar o trecho da Constituição que determina que a matéria seja rediscutida apenas no ano seguinte à votação anterior. Juristas e parlamentares criticaram severamente a atitude de Cunha e prometem recorrer ao STF para reverter as manobras.
Os professores de ciência política ouvidos pela reportagem se dividiram sobre considerar um "golpe" as "pedaladas regimentais" de Eduardo Cunha, como falaram alguns deputados.
"Apesar de um exagero na palavra, a Ordem dos Advogados do Brasil já vai pedir ao Supremo analisar essas manobras se forem aprovadas. A sugestão de golpe é apropriada" do departamento de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
"Não diria que é golpe, mas um procedimento golpista. Quando ele impõe a pauta, está agindo como líder da facção que está momentaneamente no poder da presidência da Câmara" professor de ética e filosofia política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
"Golpe é um pouco exagerado, mas acho importante o Supremo Tribunal se pronunciar sobre o assunto" do departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
Crise política enfraquece Dilma
Os especialistas são unânimes, porém, em afirmar que a situação é reflexo do momento político vivido pelo país. A formação de um parlamento mais conservador após as eleições de 2014, que por sua vez está levando ao enfraquecimento da presidente reeleita Dilma Rousseff, permitiram a ascensão de Cunha e de sua postura mais agressiva à frente do Congresso."Outros líderes da Câmara já realizaram manobras regimentais antes, mas não a ponto de causar uma resposta considerável, como ocorreu com Eduardo Cunha. Sinto que ele está usando o interesse próprio para marcar a presença dele e aumentando a insatisfação no plenário" professora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
"As bancadas não obedecem a liderança de ninguém e e fácil cooptá-las. Isso ocorre por causa do troca-troca entre deputados. É uma das formações mais fisiológicas que já vi" cientista político da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)
Futuro
Tal situação poderá ser o início de uma crise de Estado mais profunda. "Quando se tem uma presidência falha, um Judiciário que se preocupa com as próprias benesses, como esses 78% de aumento salarial, e um Legislativo que age sob os atos de um dirigente ocasional, são sintomas que indicam que a soberania do Estado está em xeque", declarou Romano.No entanto, o próprio Cunha poderá se dar mal por conta de sua postura, no entender de Romano. "Ele não percebe que esse instrumento de poder é complexo e poderá se voltar contra ele mais tarde, se por acaso ele se candidatar a presidente em 2018, como andam dizendo, e ele perca a eleição. Fora das eventuais alinaças do PT e do PSDB, ele com certeza vai perder essa hegemonia e sentir as dores do parto", especula o professor.