terça-feira, 30 de setembro de 2014

Roberto Romano Diderot e a obra de arte total. Fronteiras do Pensamento.

Roberto Romano - Diderot e a obra de arte total - YouTube

www.youtube.com/watch?v=FPflQgpa8BU
Apr 21, 2014 - Uploaded by Fronteiras do Pensamento
Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ...

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Jornal da Unicamp. Matéria muito bonita, o livro deve ser também excelente.

Campinas, 26 de setembro de 2014 a 05 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 608

As ‘aventureiras’ que desbravaram o país pela ciência

Estudo preenche lacuna sobre a participação feminina em expedições científicas


A participação das mulheres em expedições científicas no Brasil, nos meados do século passado, foi muito maior do que imaginamos. Esta ideia, embora recorrente na literatura sobre gênero e ciências e sobre história das mulheres, carecia de mais registros dessas “aventureiras”, carência que a historiadora Mariana Moraes de Oliveira Sombrio espera ajudar a suprir com sua tese de doutorado. “Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX” é o título da pesquisa que ela desenvolveu sob a orientação da professora Maria Margaret Lopes, junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.

Mariana Sombrio vem pesquisando as mulheres cientistas desde a iniciação científica, a partir de um projeto coordenado por sua orientadora no âmbito do Pagu – Núcleo de Estudos de Gênero. “O projeto da professora Margaret Lopes visava estudar Bertha Lutz, que ficou conhecida na história brasileira por sua militância feminista, mas que era também cientista, faceta pouco abordada – ela tinha os diplomas de botânica e de zoóloga, trabalhando com ciências naturais. No mestrado abordei sua atuação como botânica no Museu Nacional do Rio de Janeiro, seu trabalho no Conselho de Fiscalização de Expedições Artísticas e Científicas do Brasil (CFE) e também a colaboração com seu pai, Adolfo Lutz, na organização de coleções herpetológicas [de sapos e suas classificações].”
A historiadora conta que Bertha Lutz (1894-1976) foi uma das primeiras mulheres brasileiras a ingressar oficialmente em uma instituição científica, aprovada em concurso público para o cargo de “secretário” do Museu Nacional, em 1919.  Com o passar dos anos, deixou esse cargo para assumir o de naturalista, consolidando uma carreira estável e bem-sucedida. Como representante do Museu no Conselho de Fiscalização de Expedições, Bertha Lutz participou do processo de construção da nascente política científica nacional, fiscalizando e licenciando expedições científicas realizadas em território brasileiro.

Foi pesquisando a documentação do CFE, referente ao período de 1933 a 1968, que Mariana Sombrio levantou as fichas de 38 mulheres que solicitaram licenças para expedições, antevendo nesses registros o mote para o seu doutorado: entender as condições, fatores e estratégias com que elas se inseriram nas práticas de campo. “A maioria era de estrangeiras, como americanas do Instituto Smithsonian e da Universidade de Columbia, bem como da Europa, poucas latino-americanas e também brasileiras autônomas (aquelas vinculadas a instituições como Butantan e Manguinhos não precisavam da autorização).”

A autora da tese recorda que o Conselho de Fiscalização de Expedições foi criado por Vargas em 1933, no contexto nacionalista de se proteger os bens da nação, como por exemplo, os patrimônios natural e histórico. “Como antes não havia nenhuma legislação que controlasse a entrada de estrangeiros no país, este Conselho passou a registrar e avaliar os pedidos de licença para expedições, sob a exigência de que os cientistas deixassem duplicatas das amostras que coletassem – plantas, animais, peças de artesanato indígena – para instituições nacionais.”
Segundo a historiadora, as expedicionárias das décadas de 1930 a 1950 conviveram em ambientes majoritariamente masculinos, mas várias delas produziram pesquisas consistentes e estabeleceram relações com a comunidade científica, numa atuação que ia muito além do papel de assistentes, geralmente reservado a elas. “Para saber mais sobre as 38 mulheres, tive que recorrer a outras fontes, sendo que de algumas nada encontrei: desapareceram, ou por que não firmaram carreiras sólidas, ou por que eram apenas viajantes e não publicaram artigos. Por isso, acabei valorizando as mulheres que mantiveram relações estreitas com instituições científicas brasileiras e tiveram uma produção significativa.”

Mariana identificou um grupo formado por antropólogas em sua maioria, mas também por botânicas, zoólogas, geólogas, astrônomas, linguistas e arqueólogas atuando em pesquisas de campo no país. “Encontrei cientistas brasileiras autônomas como Maria Alice Fonseca de Moura, etnóloga que fazia pesquisa de antropologia física para seu doutorado e pediu licença para visitar tribos no Mato Grosso. Seu objetivo era produzir moldes de gesso de mãos, pés e face dos indígenas. Vale lembrar que a antropologia surgiu como se fosse um ramo da medicina, comparando características físicas entre etnias, antes de se tornar uma disciplina com viés mais sociocultural.”

Três cientistas estrangeiras mereceram cada qual um capítulo da tese, por terem feito do Brasil seus campos privilegiados de pesquisa: Wanda Hanke, austríaca com formação em medicina, direito e filosofia, que decidiu realizar o sonho da etnologia aos 40 anos de idade, estudando indígenas do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina, até morrer na cidade de Benjamin Constant (AM); a zoóloga americana Doris Cochram, que veio sozinha para estudar sapos, mas com a ajuda preciosa de Bertha Lutz; e Betty Meggers, arqueóloga também americana que, invertendo os papéis, conquistou fama com uma produção que superou a do marido também arqueólogo. Publicamos um resumo das trajetórias dessas três mulheres nestas páginas. 

O casamento e o sobrenome
Em relação às trajetórias das cientistas expedicionárias, Mariana Sombrio identificou particularidades como a influência do casamento, que em sua opinião fazia muita diferença, para o bem e para o mal. “Algumas que se casavam com cientistas continuavam pesquisando e acompanhando o marido nas expedições, tornando-se suas principais colaboradoras; para outras, a carreira acabava, pois precisavam cuidar da casa e dos filhos. Por outro lado, Doris Cochran e as brasileiras Bertha Lutz e Heloísa Alberto Torres nunca se casaram, o que é uma característica de algumas das mulheres que se destacam no meio científico – mas isso não era regra, visto que Wanda Hanke, viúva, deixou um filho na Áustria e Betty Meggers também era casada.”
A pesquisadora observa que as expedicionárias eram em maioria brancas e de classe média – o que indica um recorte de classe e de raça dentro das instituições de pesquisa – e, também, que havia outros impedimentos além do matrimônio. “Enquanto aos homens era facilitado viajar para o curso superior na Europa, para as mulheres era difícil ingressar mesmo nas faculdades daqui. A educação feminina no Brasil só passou a ser mais valorizada a partir da década de 30, com a criação de universidades e faculdades de filosofia, ciências, letras e profissionalização do magistério. É também nos anos 30 que as salas de aula mistas tornam-se mais comuns.”

Outra particularidade realçada pela historiadora diz respeito à mudança de sobrenome no casamento, que podia fazer com que a mulher que publicasse artigos científicos deixasse de ser encontrada. “Maria Alice Fonseca de Moura, ao pedir autorização para a expedição ao Mato Grosso, assinou todo o dossiê com esse nome. Quando voltou, assinou um único documento com um sobrenome diferente: Pessoa. Demorei a perceber por que não encontrava artigos ou referências a ela: Maria Alice viajou com um auxiliar, Arnaldo Salazar Pessoa, com quem certamente se casou, passando a adotar seu sobrenome. Ao notar essa mudança consegui encontrar trabalhos que ela realizou após retornar da expedição.”

Diários sem lamentações
Uma preocupação da autora da tese foi resgatar aspectos do dia a dia das cientistas e, para isso, trabalhou com os diários de campo das americanas Doris Cochram e Betty Meggers, que localizou no Instituto Smithsonian (onde fez doutorado sanduíche), e com as cartas de Wanda Hanke, depositadas no Museu Paranaense. “A suposta fragilidade das mulheres para suportar expedições é alvo de tratados desde o século 19. Mas as dificuldades ou rejeições por estarem no campo não ficam explícitas nos documentos; nenhuma delas se lamenta pela condição de mulher. Há apenas comentários breves, como de Betty Meggers sobre a surpresa dos mateiros que a viam a cavalo nas fazendas do Marajó, acampando e caçando para comer; ou de Wanda Hanke sobre agressões, uma delas física, quando trabalhou no Parque Nacional do Paraguai.”

Em suas considerações finais, Mariana Sombrio retoma o argumento de que mais mulheres do que imaginamos participavam destas atividades de campo, embora a historiografia tradicional da ciência pouco trate delas, ressaltando grandes figuras masculinas como Carlos Chagas ou Adolfo Lutz. “Até hoje a ciência é uma prática elitista. É preciso relativizar a ideia romântica das expedições científicas como de aventureiros se embrenhando e enfrentando os perigos da selva, que ainda influencia o imaginário popular sobre o que é fazer ciências e contribui inclusive para reforçar um caráter masculinizante para essas práticas. É uma atividade como outras, dependente de muitas pessoas; e quando se olha para os documentos, elas aparecem.”
  
Betty Meggers, que fez seu nome

O terceiro capítulo da tese de Mariana Sombrio é sobre Betty Meggers (1921-2012), uma arqueóloga que conquistou fama e veio ao Brasil pela primeira vez em 1948, trabalhando por um ano na Amazônia, ao lado do marido e também arqueólogo Clifford Evans – ambos desenvolvendo suas teses de doutorado pela Universidade de Columbia. “É um caso bastante peculiar porque Betty se sobrepôs ao renome de Evans nas ciências, não por ser mulher, mas porque sua pesquisa foi mais ampla e suas teorias mais impactantes. O caso é oposto ao de outro requerente de uma licença para expedição, Claude Lévi-Strauss, que contou o tempo todo com a colaboração da mulher, Dina, que praticamente desapareceu da literatura decorrente da expedição ao Brasil frente à notoriedade adquirida pelo marido: mereceu menção apenas em nota de rodapé do livro ‘Tristes Trópicos’.”

A historiadora conta que Betty Meggers, ao contrário, nunca adotou o sobrenome do cônjuge e também não trabalhava apenas com ele, publicando e colaborando com outros cientistas, além de realizar pesquisas independentes, coletando principalmente cacos de cerâmica. “Essa postura foi determinante para seu sucesso na carreira. Mais do que a tradicional assistente esposa, ela era indiscutivelmente a cientista da expedição, tornando-se conhecida nos círculos científicos por seu nome próprio. Era participante ativa nas escavações. Pioneira no campo da arqueologia, suas contribuições abriram caminho para o desenvolvimento de muitas pesquisas sobre culturas pré-históricas na América do Sul.”

Segundo Mariana, o livro mais notável de Betty Meggers, “Amazônia: A Ilusão de um Paraíso”, provém de suas pesquisas no Brasil e se tornou referência para pesquisadores das áreas de arqueologia e antropologia, sendo também citado em alguns estudos sobre problemas ambientais da Amazônia – a apresentação das edições brasileira e mexicana foi escrita por Darcy Ribeiro. “Além das informações sobre arqueologia amazônica que se mantêm preservadas, a leitura da narrativa de Betty Meggers é muito prazerosa. Algumas vezes, seus relatos diários eram complementados por pequenos comentários nas últimas linhas ou no pé das páginas de seu marido, Clifford Evans, mas quem relatava a expedição era mesmo ela.”

A autora da tese explica que o casal passou a maior tempo recolhendo cacos de cerâmica, ossos e outros artefatos arqueológicos, buscando pesquisar e elucidar a história de habitação dos povos indígenas na região do Baixo Amazonas. “Os trabalhos de campo e as coleções foram e continuam sendo aspectos essenciais de disciplinas como a arqueologia, que se conformaram transformando, teórica e concretamente, espaços, cacos e ossos em áreas e objetos científicos. Foi a partir da análise, descrição e catalogação dos artefatos que Betty Meggers construiu suas teorias sobre a adaptação do homem aos trópicos.”

Chamou a atenção de Mariana Sombrio os muitos nomes de brasileiros que aparecem nas narrativas da expedicionária americana, desvelando toda a estrutura de trabalho coletivo em torno dos pesquisadores. “São inúmeros os anônimos que contribuíram com as escavações, viagens, carregando os artefatos, indicando-lhes locais de trabalho e fornecendo condições para que a viagem acontecesse. Para historiadores sociais e antropólogos, conhecer o cotidiano desses processos e o envolvimento dos pesquisadores com a sociedade é algo de muito valor. É a história da construção de teorias científicas em sua forma primeira, com a participação social inclusa.”
  
Doris Cochram, a ‘frog lady’

De acordo com Mariana Sombrio, o arquivo pessoal de Doris Cochram (1898-1968), guardado no Instituto Smithsonian, em Washington, reúne uma série de correspondências, artigos, manuscritos, desenhos, fotos e inúmeros outros documentos que ajudam a reconstruir sua história. Há um livro não publicado, datilografado, escrito a partir do diário de campo onde registrou as atividades e impressões de sua primeira expedição ao Brasil, em 1935. “É possível perceber que a viagem ao Brasil era um desejo longamente cultivado e permeado pelo imaginário do encontro da pesquisadora com uma natureza exótica e cheia de mistérios a serem revelados. Palavras de admiração sobre as paisagens naturais e espécimes, tão diferentes dos que ela conhecia na América do Norte, são comuns em seu diário.”

Doris Cochram veio sozinha, mas tendo um contato importante no país, o que na opinião da autora da tese fazia muita diferença. “Ela conseguiu facilmente a licença do Conselho de Fiscalização e foi recebida no porto por Bertha Lutz, que ainda encontrou um lugar para que morasse e a acompanhou em algumas viagens. Na falta da anfitriã, acompanhava Doris um assistente de campo chamado Joaquim Venâncio, negro e iletrado, que foi fundamental para as pesquisas tanto de Adolfo Lutz como de Bertha, já que era quem de fato ia coletar os sapos que depois a cientista catalogava e estudava.”
Mariana Sombrio informa que Doris Cochran era especialista em herpetologia, tendo como suas principais áreas de interesse os répteis e anfíbios da América Central e do Sul. Ela fez duas viagens de campo ao Brasil, em 1935 e 1962, e visitou também outros países da América Latina, como Haiti e Colômbia. Essas expedições renderam trabalhos importantes para a área, incluindo as publicações: “The Frogs of Southeastern Brazil” (Os sapos da região Sudeste do Brasil, 1955) e “The Herpetology of Hispaniola” (1941). No decorrer de suas pesquisas, ela nomeou aproximadamente 100 novas espécies e seis novos gêneros.

Além dos textos científicos, Doris Cochram publicou um grande número de artigos populares e livros sobre herpetologia, sendo o mais importante “Living Amphibians of the World” (1961), que foi traduzido para seis línguas. “Ela também concedia frequentemente entrevistas a rádios e falava publicamente sobre répteis e anfíbios em clubes nos Estados Unidos. As muitas reportagens publicadas sobre a cientista apontam sua fama e o reconhecimento que recebia da comunidade científica americana. A quantidade de artigos de divulgação publicados e guardados em seu arquivo pessoal é impressionante.”

Wanda Hanke, a ‘meio maluca’
A viajante e pesquisadora austríaca Wanda Hanke (1893-1958) passou os últimos 25 anos de sua vida se dedicando ao estudo de grupos indígenas da América do Sul. Para a historiadora Mariana Sombrio, é o exemplo da expedicionária que não tinha dinheiro, nem vínculo com instituições, nem marido para acompanhá-la. Em ofício que data de julho de 1933, a cientista pede não apenas a licença, mas o custeio pelo governo brasileiro da expedição a regiões desconhecidas dos rios Xingu, Tapajós e afluentes, com o propósito de pesquisas “psycho-ethno-sociológicas”, linguísticas, astronômicas, meteorológicas e cartográficas.

O primeiro parecer do Conselho de Fiscalização de Expedições foi favorável, mas o pedido de licença acabou recusado por conta de um documento confidencial do governo, baseado em informações do Consulado de Viena que colocavam em dúvida a idoneidade de Wanda Hanke: ela foi internada por dois anos em um sanatório especial para perder o vício da morfina; e, segundo sua neta, sofria de depressão e já havia tentado suicídio. “A alegação de problemas psiquiátricos era absolutamente incomum para se negar uma licença. Mas Wanda veio mesmo assim. E na tese observo que o governo brasileiro, se não apoiava, também não conseguia exercer uma fiscalização tão efetiva sobre as atividades dos estrangeiros no país”, diz Mariana.


Viajando sozinha, a pesquisadora austríaca contratava mateiros para ajudar no transporte de equipamentos e na coleta de utensílios de uso cotidiano dos indígenas ou mesmo peças arqueológicas. “Também tirava muitas fotografias e vendia suas coleções para financiar as expedições – tradição que vinha do século 19, mas já condenada pelo governo brasileiro, que buscava cercear o comércio ilegal de artefatos indígenas e espécimes biológicos. Ela acabou estabelecendo um vínculo estreito com o Museu Paranaense, de Curitiba, parceria decorrente de um problema com as duplicatas coletadas pelos expedicionários: o Conselho de Fiscalização alegava que iria distribuí-las para instituições brasileiras, mas na prática ficavam quase sempre no Museu Nacional (RJ).”

Mariana Sombrio afirma que Wanda Hanke ocupou uma posição marginal no campo antropológico de sua época, o que atribui ao fato de ter se inserido na comunidade científica como “coletora de campo”, assim como à sua visão eurocêntrica, aos conflitos institucionais e à falta de um treinamento oficial em antropologia. “Mesmo que sua produção científica não tenha sido tão impactante nos debates antropológicos de então, as compilações de dados, registros de línguas, as coleções, o acervo iconográfico e as peças que entregou a diversos museus constituem hoje uma importante fonte sobre a história dos povos indígenas da América do Sul.”

Até encontrar as cartas de Wanda Hanke no Museu Paranaense, em Curitiba, a historiadora pensou que seria impossível resgatar aspectos da trajetória de uma cientista desvinculada de qualquer instituição e que ainda era tida como “meio maluca”. “Suas cartas e narrativas deixam transparecer uma personalidade forte, determinada e cheia de si. Os esforços que empregou para realizar sua pesquisa etnológica, assim como os resultados que obteve, são bastante impressionantes, ainda mais estando sozinha, fora da lei, defendendo causas e sofrendo violências. E, afinal, todas as mulheres que viajassem sozinhas fazendo pesquisa pelo interior do Brasil, naquela época, corriam o risco de ser consideradas ‘meio malucas’.”

Publicação
Tese: “Em busca pelo campo: ciências, coleções, gênero e outras histórias sobre mulheres viajantes no Brasil em meados do século XX”
Autora: Mariana Moraes de Oliveira SombrioOrientadora: Maria Margaret LopesUnidade: Instituto de Geociências (IG)

Rede TV, programa É Notícia, 29/09/2014


ENTREVISTAS



domingo, 28 de setembro de 2014

Luciana Genro

IHU/Unisinos

Fotos do dia. O Papa na Igreja 'del Gesù'


Papa Francisco preside, no dia de hoje, 27-09-2014, as “Vésperas” na Igreja del Gesù, em Roma, celebrando os 200 anos da Restauração da Companhia de Jesus.
Fonte: Ap
Foto: Afp
Foto: Ap
 Foto: Ansa
Foto: Ansa

Reporter Diário, 27/setembro/2014


Campanha atípica marca clima eleitoral


sábado, 27 de setembro de 2014 9:47 [Nenhum Comentário]
Enviar para um amigo Imprimir


 

Leandro Amaral
Candidatos ficaram a mercê de cartões, cavaletes e placas, além da saliva e do sapato para as andanças. Foto: Banco de Dados
Nunca antes na história democrática se teve uma campanha tão morna. A frase tem sido vocalizada pela maioria dos candidatos que pleiteiam um dos cinco cargos em disputa: deputado estadual, deputado federal, governador, senador e presidente da República. Segundo os bastidores das campanhas, diversos fatores influenciam este cenário. Primeiro, a falta de recursos. Com o fim do chamado caixa 2 e o rigor ainda maior na prestação de contas, os postulantes têm encontrado dificuldade em atrair empresários para irrigar os cofres das campanhas.
O comentário geral é que a própria legislação eleitoral que engessa as ações de marketing dos candidatos. Impedidos de realizarem showmício e distribuírem brindes, como camisetas e bonés, os QGs ficam a mercê de cartões, cavaletes e placas, além da saliva e do sapato para as andanças. "Neste ano, em especial, tivemos outros dois fatores. A Copa do Mundo, cuja fase final invadiu a abertura da caça aos votos e, o que ninguém imaginava, a morte do candidato Eduardo Campos, que paralisou por mais uma semana o enredo eleitoral", lembra o professor de Ética da Unicamp, Roberto Romano.

Calçadão Oliveira Lima

Os próprios comícios ficaram em segundo plano. O foco de todas as campanhas - majoritárias ou proporcionais - foi mesmo o corpo a corpo por meio de caminhada em grandes centros comerciais com os eleitores. Na região, o principal alvo dessa agendas foi o tradicional calçadão da rua Coronel Oliveira Lima, em Santo André. Todos os principais candidatos que passaram pelo ABC não abriram mão do local. Foi assim com Marina Silva (PSB), ainda quando era vice de Campos; foi assim com os candidatos ao governo paulista, Paulo Skaf (PMDB), Geraldo Alckmin (PSDB) e Alexandre Padilha (PT), além de outros nomes.

Depois da Oliveira Lima, em Santo André, o local preferido para o corpo a corpo foi a rua Marechal Deodoro, em São Bernardo. "É preciso focar esse contato direto em pontos que podemos falar com muita gente", disse Emídio de Souza, presidente estadual do PT e coordenador da campanha de Padilha, recordista de agendas neste formato na região.

"A tendência é cada vez mais termos a campanha dos 3 s: sola, saliva e suor, ou seja, com base no contato direto", disse o advogado Arthur Rollo, especialista em Direito Eleitoral, ao lembrar que a partir da próxima eleição nem os cavaletes serão mais permitidos.

Petistas reforçam presença na rua

Na reta final e com a perspectiva de um segundo turno bastante acirrado com Marina Silva (PSB), os petistas adotaram o discurso da possibilidade de matar a disputa já no primeiro momento. A tática serve para mobilizar a militância nos últimos dias tendo em vista o crescimento de Dilma Rousseff nas pesquisas. Mesmo se o objetivo não for alcançado, a meta é abrir a maior diferença possível, pois o horizonte do segundo turno prevê uma transferência de votos em sua maioria de Aécio Neves (PSDB) para Marina.

"Com o crescimento da avaliação positiva do governo e a militância engajada ainda mais neste período final, temos chance sim de vencer no primeiro turno", disse o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, coordenador da campanha de Dilma em São Paulo. Para isso, integrantes do primeiro escalão, cargos comissionados e a militância cumprem agenda diária nos bairros para reforçar o discurso pró-Dilma. Os sindicatos também têm sido procurados para compartilhar estrutura de pessoal e carro de som.

A ofensiva se deve também ao fato de no ABC - berço do Partido dos Trabalhadores, do sindicalismo e origem política do ex-presidente Lula - a candidata Marina Silva estar na liderança em todas as sete cidades de acordo com sondagem divulgada recentemente.

Marinistas vislumbram igualdade no 2º turno

Os políticos ligados ao pleito de Marina Silva contam as horas para findar o primeiro turno. A justificativa é clara. A partir do segundo turno, o tempo destinado para as candidaturas no horário eleitoral no rádio e na televisão passa a ser igual, independentemente das coligações partidárias: 10 minutos.

Além disso, os debates passam a ser somente entre duas candidaturas e a discussão toma caráter mais personalizado e comparativo. "Temos ciência da importância de chegarmos bem no segundo turno. Mas a partir do segundo momento, é uma nova eleição", destaca o ex-deputado Valter Feldman, coordenador da campanha de Marina Silva. "É a campanha do tostão contra o milhão. É isso que deixa o PT perplexo: a possibilidade de Marina ganhar a presidência com campanha sem a estrutura de material que os petistas têm", analisa Almir Cicote (PSB), candidato a deputado estadual com o apoio de Marina.

Sem fla-flu
A ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula esteve na região em julho. Marina Silva percorreu o calçadão da Oliveira Lima e, na ocasião, ainda estava como vice na chapa encabeçada por Eduardo Campos. "Agora, a reta final será de mostrar que a mudança é possível com a nova política proposta pela Marina Silva. Uma política sem ódio e sem esse fla-flu de PT e PSDB", completa Amir Cicote.

Tucanos almejam reticentes de Marina

Já os apoiadores da candidatura a presidente de Aécio Neves (PSDB) estão encorajados na reta final com a possibilidade de recrutar votos de Marina Silva, na ótica de obter eleitores que querem a mudança, mas desconfiam de Marina.

"Já tivemos várias ondas nesta eleição. Agora acredito na onda da razão", tem dito o candidato Aécio Neves. "Isso pode ocorrer tendo em vista o crescimento dele apontado nas pesquisas neste momento", destaca José Auricchio Júnior (PTB), secretário estadual de Esportes, e um dos coordenadores da campanha tucana na região.

"Já aconteceu de tudo nesta eleição, então não podemos descartar mais nada", disse um tucano, que não quis se identificar, embora acredite que as chances de Aécio Neves persistir no páreo no segundo turno sejam remotas.


O candidato Aécio Neves foi o único entre os três primeiros colocados que não esteve no ABC no período eleitoral. O mineiro cumpriu uma agenda em São Caetano, mas antes do início oficial da campanha. A expectativa é que o peessedebista ainda possa fazer uma incursão na região.

Deputado foca microagenda
No cenário proporcional, as candidaturas a deputado - ofuscadas pelo debate nacional e estadual majoritário - buscam a adesão do eleitorado por meio de pequenas, mas numerosas agendas.

Os postulantes ao Legislativo fazem, no mínimo, 10 agendas todos os dias, com 20 a 30 minutos de duração cada, para conversar com o maior número de eleitores possível. "Não temos outra alternativa. Temos de nos apresentar e apresentar nossas propostas para uma quantidade grande de pessoas Isso implica em agendas diversificadas", pontua Luiz Turco, candidato do PT a deputado estadual.

Além dos compromissos já previstos na agenda, os candidatos incluem, nesta reta final de campanha, outros encontros programados na última hora. "Com isso vamos dormir bem tarde e acordamos bem cedo", relata Gilberto Costa, candidato a deputado federal pelo PEN.

Eleitores deixam para última hora

Ao deixar a escolha para a última hora, parte dos eleitores ainda não decidiu o quinteto para direcionar seus votos. Nas ruas, o clima é de indecisão, alguns querem mudanças, outros preferem deixar como está, sem alterações.

"Os que estão aí no poder já mostraram o que fizeram, fizeram promessas e pouca coisa mudou. Panfletos sujam a rua, é falta de bom senso. Só a propaganda na televisão basta", diz Maria Aparecida, 60 anos.

"Mudanças no comando, o voto fica mais válido. O jeito é mudar quem está no poder", relata Rodrigo Gomes, 26 anos.

"Não tenho candidatos ainda, vou ouvir algumas pessoas que sabem um pouco mais de política para pedir indicação na hora de escolher", garante Natália Aparecida, 20 anos.

"Deixa como está, melhor assim. Pelo menos a gente já conhece eles", acredita Valter Oliveira, 59 anos.

Isto é Dinheiro, 26/setembro, 2014

Ética: um conceito cada vez mais divorciado da política

O vale-tudo eleitoral, as mentiras das campanhas, as candidaturas de políticos corruptos e os recentes escândalos nos Três Poderes expõem a crise dos valores éticos no País

Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
 
As primeiras eleições presidenciais depois da ditadura militar, realizadas em 1989, ficaram marcadas pela acirrada disputa entre o “caçador de marajás” Fernando Collor de Mello e o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Na reta final da campanha, quando as pesquisas apontavam empate técnico entre os dois concorrentes, Collor levou ao programa de TV o depoimento de Miriam Cordeiro. Ex-namorada de Lula, ela o acusava de ter proposto um aborto quando estava grávida de Lurian, filha do casal, na época com 15 anos.

abre.jpg

A cartada foi decisiva para a vitória de Collor e o episódio entrou para a história brasileira como a primeira grande baixaria política da democracia que se instalava no País. O que poderia servir de exemplo sobre práticas a serem esquecidas e condenadas pela sociedade, porém, tornou-se regra das campanhas eleitorais. Nos 25 anos seguintes à refrega de 1989, a ética e a política seguiram caminhos distintos. Sucessivos escândalos de corrupção em quase três décadas de democracia revelaram aos brasileiros uma profunda crise nos valores que deveriam nortear o comportamento dos governantes. Apesar de avanços inegáveis, como a Lei da Ficha Limpa, hoje prevalece nas campanhas e no exercício do poder um vale-tudo que contamina candidatos e instituições. Os programas dos partidos apresentados no rádio e na TV expõem ataques pessoais, acusações infundadas, mentiras e distorções sobre as propostas dos adversários. Nesta semana que antecede o dia das eleições, o jogo bruto das campanhas tende a se intensificar. Nesse ambiente de abusos, resta aos eleitores redobrar a atenção na hora do voto, método mais eficiente na tentativa de resgatar os valores éticos tão imprescindíveis a uma sociedade desenvolvida em todos os aspectos.

A tática do jogo sujo ficou tão banalizada que nem mesmo as autoridades escondem seus maus costumes. Em março do ano passado, num lampejo de sinceridade, a presidenta Dilma Rousseff revelou em um discurso feito na Paraíba sua filosofia nas disputas pelo poder: “Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”. Pelo que se viu nas últimas semanas, Dilma e outros candidatos cumprem à risca esse ensinamento. A falta de filtros morais no jeito de fazer política se manifesta desde a negociação das coligações, acertadas na maioria das vezes em função de mais tempo nos programas de TV, até a formação dos governos, definida em função do rateio de cargos em todos os escalões. “A ética brasileira foi cunhada pelo absolutismo, que centraliza os poderes do Estado, mas que por não ser um governo totalmente legítimo precisou cativar os setores que poderiam se rebelar. Daí nasceu a troca de favores e a venda de cargos”, afirma o professor da Unicamp Roberto Romano, especialista em filosofia política e ética.

01.jpg

Estudo elaborado pela ONG alemã Transparência Internacional situa o País
na 72ª posição entre 177 nações analisadas sob o critério de percepção de corrupção

Esse sentimento de subversão generalizada dos preceitos republicanos tem reflexos deletérios para a imagem do Brasil no mundo. O último estudo elaborado pela ONG alemã Transparência Internacional situa o País na 72ª posição entre 177 nações analisadas sob o critério de percepção de corrupção. Pelas projeções feitas sobre os resultados de 2014, a tendência é piorar essa classificação. “Há criminosos candidatos que não foram enquadrados pela Lei da Ficha Limpa, e escândalos como o da Petrobras impactam os avaliadores. Fica a impressão de que no setor público até os contratos de faxina têm esquema de corrupção e que sem propina nem o cafezinho é servido”, afirma Léo Torresan, presidente da Amarribo, associação que representa a organização alemã em solo brasileiro.
Os exemplos da falta de honestidade apareceram com força logo depois da primeira eleição direta para a Presidência. Em 1992, o então presidente, Fernando Collor, foi submetido a um processo de impeachment após ser alvo de denúncias de corrupção. No governo Fernando Henrique Cardoso, para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição de ocupantes de cargos executivos, deputados foram acusados de vender seus votos. Em 2005, no mais rumoroso caso de corrupção da história recente, os brasileiros foram surpreendidos com o “mensalão”, nome pelo qual ficou conhecida a transferência de dinheiro ilegal do PT para partidos aliados. O então presidente Lula se defendeu com o argumento de que se tratava de “caixa 2” de campanha, o que configura crime eleitoral, mas é disseminado por quase todas as legendas. O STF, porém, entendeu que se tratava de compra de apoio parlamentar. Com isso, foram parar na cadeia alguns figurões do PT, como o ex-ministro José Dirceu, da Casa Civil, e o ex-presidente do partido José Genoino.

02.jpg

A lista de escândalos com dinheiro público, no entanto, não escolhe partidos. No ano passado, os brasileiros souberam pela ISTOÉ que, no Estado de São Paulo, durante as gestões tucanas de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin foi montado um propinoduto em que autoridades, em troca de verbas para campanhas do PSDB paulista, usavam influência política para interferir na assinatura de contratos com as empresas Alstom e Siemens para a construção do metrô. Investigações identificaram pagamento de R$ 13,5 milhões só em propinas. No Distrito Federal, o então governador José Roberto Arruda teve a carreira interrompida depois de divulgadas imagens de um vídeo que o mostraram recebendo pacotes de dinheiro ilegal. O envolvimento no caso provocou a prisão de Arruda, por dois meses, na sede da Superintendência da PF em Brasília. Apesar da imoralidade das imagens, até três semanas atrás, Arruda liderava as pesquisas para governador. Ele só decidiu desistir da disputa depois que teve a candidatura impugnada pelo TSE com base na Lei da Ficha Limpa. Mais recentemente, irrompeu o escândalo da Petrobras. Em depoimento sob o regime de delação premiada, o ex-diretor da estatal, hoje preso, acusou parlamentares, governadores e ministros do governo Dilma de participação de um esquema de corrupção que sangrou os cofres da Petrobras em bilhões. O próprio delator admitiu ter recebido US$ 23 milhões de uma única empreiteira.

Os métodos condenáveis não são exclusividade do Executivo e Legislativo do País. Mancham também o Judiciário. Embora não seja crime, a prática de indicar parentes para cargos de destaque se tornou corriqueira nos tribunais. É o que faz atualmente o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Fux está empenhado em assegurar a nomeação de sua filha Marianna Fux para desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ela disputa o posto com outros 38 cidadãos com credenciais para a função. A pressão do ministro do STF ganhou repercussão nacional nos últimos dias e fez com que a OAB mudasse o processo de escolha, com o objetivo de blindar-se de possíveis críticas de favorecimento à filha do ministro. Letícia Mello, filha de outro ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, teve sucesso em empreitada semelhante. Em abril deste ano, ela tomou posse como desembargadora no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo). Marco Aurélio afirmou, à época, que não pediu votos aos desembargadores, mas reconheceu que telefonou para agradecer a atenção que os magistrados deram à filha quando ela os visitou nos gabinetes.

"Fica a impressão de que no setor público até os contratos de faxina têm
esquema de corrupção e que sem propina nem o cafezinho é servido",
afirma Léo Torresan, presidente da Amarribo

03.jpg

O presidente da Câmara, Henrique Alves, quer que o juiz Marlon Reis,
idealizador da Lei da Ficha Limpa, seja punido pela publicação de um
livro em que relata casos de parlamentares corruptos

Na atual campanha eleitoral, os exemplos de tentativas de ludibriar os eleitores surgem aos borbotões. Durante entrevista na semana passada ao telejornal “Bom Dia Brasil”, da TV Globo, a presidenta Dilma apresentou números econômicos irreais contestados de imediato pelos jornalistas. Ao forjar situações inexistentes, distorcer e falsear dados oficiais, os políticos conseguem piorar uma prática tornada pública, involuntariamente, em 1994, pelo então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Na ocasião, enquanto aguardava o momento em que seria entrevistado pela TV Globo e, sem saber que o microfone estava aberto, Ricupero expôs o que nenhuma autoridade diz em público. “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, disse o ministro. Captadas por aparelhos com antena parabólica, o ministro perdeu o cargo.

Apesar das evidentes rupturas com os princípios éticos, a realidade demonstra como é difícil mudar o comportamento dos poderosos. Em junho do ano passado, as ruas das principais cidades brasileiras foram tomadas por milhões de pessoas que protestavam por mudanças na política e nos governos. Agora, no entanto, observa-se a dificuldade em institucionalizar esse clamor. O mesmo aconteceu com a “Primavera Árabe”, nome pelo qual ficaram conhecidas as manifestações que sacudiram países do Oriente Médio e do norte da África a partir de dezembro de 2010. Passada a turbulência inicial, muita coisa continua como antes. No Egito, por exemplo, depois da derrubada do ditador Hosni Mubarak, a disputa pelo poder no país continua sendo travada pelos militares e pela Irmandade Muçulmana. Também no Brasil, a história demonstra que mesmo as grandes rupturas ocorridas em nome do combate à corrupção se revelaram inócuas. Em 1954, Getúlio Vargas cometeu suicídio quando seu governo era acusado pelos adversários de se ter transformado em um “mar de lama”. Dez anos depois, os militares deram um golpe e assumiram o poder com a bandeira da moralidade, mas foram escorraçados do poder em 1985 quando a censura não conseguia mais abafar o que ocorria nos porões do regime autoritário.

A poucos dias do primeiro turno das eleições, ainda há tempo para os brasileiros provocarem uma interferência efetiva na triste realidade. Somente o eleitor, na solidão da cabine de votação, pode afastar os maus políticos. Se dependêssemos apenas das autoridades, não haveria solução. O melhor exemplo disso talvez tenha sido dado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves. Na semana passada, ele encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça uma representação contra o juiz Marlon Reis, um dos principais responsáveis pela aprovação da Lei da Ficha Limpa. Alves quer que Reis seja punido pela publicação de um livro em que relata dezenas de casos de parlamentares envolvidos em corrupção. “Afirmei e reafirmo que há entre os deputados pessoas que alcançaram seus mandatos por vias ilícitas. Estes precisam ser detidos, o que demanda uma profunda mudança do vigente sistema eleitoral, corroído por uma mercantilização do conceito de política”, diz o juiz. O primeiro passo para isso pode ser dado pela sociedade no dia 5 de outubro.

Corruptos, tremei!
Com a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa, é do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba Sérgio Moro o título de algoz dos corruptos, atualmente. Moro é considerado o principal especialista brasileiro no crime de lavagem de dinheiro. À frente do Caso Banestado, criou método de trabalho que levou à condenação de 15 réus e o mapeamento da movimentação irregular de U$ 30 bilhões. Aos 41 anos, o magistrado tem um extenso currículo. Assessorou a ministra Rosa Weber durante o julgamento do mensalão, em 2012, e agora é o responsável pelo processo da Operação Lava Jato, escândalo que abala as estruturas do poder por envolver a Petrobras e parlamentares da base governista.

04.jpg
 
ALGOZ
 
O juiz Sérgio Moro é o responsável pelo
processo da Operação Lava Jato

Roque. Mais a pressão sobre a OAB, visando um cargo para a filha, etc...triste Brasil.


J.R. Guedes de Oliveira.


                        RODRIGUES DE ABREU E A PRIMAVERA               

                                                                                      J. R. Guedes de Oliveira

          A data de 27 de setembro lembra o nascimento do poeta Rodrigues de Abreu, em 1897. O dia 22, desse mês, é o início da Primavera. Portanto, o criador da Casa Destelhada nascia em plena maravilha que é dessa estação, das flores.
          Uma história de vida, de luta e de sofrimento, vividos pelos seus 30 anos de existência (não mais), tendo uma produção literária das mais seletas e das mais requisitadas por quem gosta e ama o lirismo e para quem aprecia a verdadeira poesia, vivida nela, como uma Casa Destelhada.
          Rodrigues de Abreu sofreu influência, conforme ele mesmo descreveu, de quatro poetas: Nobre, Kurt Hamsun, Whitman e Bilac. E teve, como convívio, outros tantos mais da nobreza poética e literária do seu tempo, entre Manoel Bandeira, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Amadeu Amaral e por ai se segue uma infinidade de autores e intelectuais de quinta grandeza, como ele.
          Viveu, em Capivari, uma verdadeira “via crucis” e só mesmo teve uma vida melhor, com apoio moral, financeiro e o prestígio da sociedade de Bauru, cidade que adotou como sua. Contudo, não deixou, nunca, de pensar em sua terra natal e lembrar, sempre, dos seus diletos amigos e companheiros.
          Do carnaval de 1922 a final de novembro de 1927, Bauru lhe rendeu, em todos os dias e em todas as horas, o tributo de principal intelectual da cidade e orgulho de sua geração. Basta chegar na “Cidade sem Limites” e notar o quanto é reverenciado, entre nome de biblioteca, escolas, praças, centro de estudos, etc.
           Mas o que nos conduz a homenagear o poeta da tristeza e da sensibilidade maior é, simplesmente, reproduzir o seu poema “As Cinco Estâncias da Primavera”:
                             I
          Apareceram as flores. Primavera! Aleluia! Aleluia!
          As paisagens vão ficar mais alegre.
          Os campos vão ficar mais alegres.
          As abelhas e os outros insetos
          vão certamente ficar mais alegres.
          Porque todos os animais, pequenos e grandes,
          todas coisas, todas as criaturas
          são tocadas de imensa alegria,
          quando aparecem as primeiras flores!           

                         II
          A minha alma está azul, semeada de flores vivíssimas.
          Para a minha alma é que Deus fez as flores se abrirem na terra!
          Para a minha alma é que todas as coisas e criaturas se alegram!
          Para a minha alma Deus dá a este mísero corpo
          a alegria física de andar como abelha – bêbado e tonto
          e como os bichos pesados – simples e idiota!   
          Porque somente para a alegria das almas dos homens,
          é que o bom Deus põe neste mundo uma nova estação de alegria.

                          III

          Agora, eu piso na terra mais levemente
          Porque ela está produzindo beleza.
          A terra, na Primavera, como um artista quando concebe,
          Naturalmente está frágil, doente, sentida...

          Com ternura, eu olho as flores e as plantas
          E sinto o perfume que sobe das flores.
          Desejo ser bom e perfeito, como o senhor São Francisco de Assis,
          Para poder conversar e entender os lobos e as aves.
          E deito-me alegre na terra nua;
          revolvo  as barbas na terra nua:
          e amimo a terra, brandamente, com as mãos, exclamando:
          “Minha amiga! Minha amiga!”
          Porque é verdadeiro amigo de alguém,
          O que lhe alegra e lhe pacifica o espírito triste.

                          IV

         Tão intensamente eu olho estas flores, que hão de mudar-se
                                                                             /para minha retina! 
         Tão fortemente aspiro os perfumes
          que hão de eles ficar nesta mísera carne!
          O veludo dos musgos, dos troncos, das relvas,
          há de ficar adormecendo o meu tato!
          De tal jeito procuro entender os entes e as coisas,
          que em meus ouvidos há de ficar o rumor do piso do inseto!

          Ah! bebo tanto desta alegria, para andar o resto da vida,
          idiotamente embriagado!
          Com certeza, andarei, na presença de Deus, o resto da vida,
          alegre, simples e idiota!

                           V

          Pois quando as flores morrerem será bem menor a alegria...
          (Todos os animais, pequenos e grandes,
          todas as coisas e todas as criaturas
          serão  tocadas de melancolia,
          quando morrerem as últimas flores,
          quando surgirem os primeiros frutos).

          Mas, então, ó meu Amo, ó meu Amo,
          eu vos sereis sempre grato!

          Em mim continuará a alegria que andais entornando na terra:
          a minha alma será sempre azul, semeada de flores vivíssimas,
          que se abrirão, se renovarão prodigiosamente!

          O poeta Rodrigues de Abreu foi, na verdade, o grande romântico que Capivari viu nascer e que Bauru lhe acolheu como um filho dileto. Ambas as cidades devem e precisam cultivar, sempre, a sua memória, como parte integrante do que ele representou na literatura, particularmente, na poesia.

          Passado 117 anos do seu nascimento, em Capivari, lá para as bandas da Fazenda Picadão, ainda ressoa o seu grito de harmonia e de culto ao belo e a forma.

                          J.R. Guedes de Oliveira,
                          E-mail: guedes.idt@terra.com.br