sábado, 31 de janeiro de 2015

Roque


J.R. Guedes de Oliveira


                                                    A BIOGRAFIA

                                                                                     J. R. Guedes de Oliveira

          A biografia, geralmente e por razões óbvias, deve refletir e relatar, substancialmente, a vida corrida de uma figura que realçou na sua passagem terrena.
          Não condiz e nem é de bom tom, biografar figuras maduras, ainda muito a percorrer – fato este que requer o endosso de muito a engrossar a vida do biografado e produzir páginas que possam servir de modelo ou alento a tantos outros.
          Condeno, veementemente, as biografias de cunho sensacionalista, que refletem o cotidiano de coisas banais e que não merecem a apreciação; pelo contrário, prejudicam a imagem e criam raízes para outros tantos seguirem o exemplo maléfico de uma vida que não teve fins altaneiros.
          Figuras facínoras, recalcadas, prejudiciais ao bom exemplo, são invariavelmente expostas em livros, que vendem horrores e que só servem para dar ênfase a certos recalques e certas interrogações de perplexidade generalizada.
          O biografado, ao meu modo de ver e sentir, deve ser sempre uma figura já pertencente a outro plano, mas que deixou um exemplo de dignidade, perseverança e de contribuição à humanidade. E sempre há de se refletir e tomar como rumo a equidistância do biografado e ter em mente da isenção na concepção do trabalho. É o que aprendi com o Prof. Dr. Foster Dulles, da Universidade do Texas, de quem fui seu amigo e colaborador.
         O biografado, ainda, deve ser, no meu entender, uma figura já vivida, experiente, no estertor da vida e que, pelo seu passado e pela sua posição de respeito e dignidade, não tem o que praticar de maldade ou de repulsa pela sociedade.
          Tenho visto, portanto, biografias de jovens (talentosos, até), mas que no decorrer de sua vida podem digamos “aprontar” algo que o torna não um exemplo, mas um vilão. Este é o meu temor maior.
          Um exemplo claro disso,  posso dizer do livro “Dirceu – uma biografia”, de Otávio Cabral, recentemente lançado e que dá luz a vida de José Dirceu. Bastou passar algum tempo e cá estamos com uma série de denúncias, falcatruas, enriquecimento ilícito, golpes na sociedade, etc., etc., do conhecido “Zé Dirceu”. E eu o conheço de longas datas!
          Com o ímpeto de encher os bolsos de dinheiro, com a venda sensacionalista destes tais livros, o biógrafo cai no cotidiano de ser um agente da inverdade e da caricatura de falso biógrafo – e há aos montes neste país.
          É preferível ter uma pequena edição de um livro que trata de uma figura exponencial, do que ganhar fortuna em futilidades e de babaquices em torno de pessoas que não representam a dignidade e a brasilidade que se espera de tantos.
          Reconheço, portanto, que uma biografia¸ cujo biógrafo esteja isento e imparcial sobre a figura exposta, é sempre acolhida com grande interesse, porque causa um certo “frisson” na sociedade. E depois tem mais: se o biografado representa um exemplo edificante para a sociedade e possa contribuir para o melhor ao nosso país, porque não dar à público o que ele fez e o que ele produziu, deixando de lado as picuinhas que, sempre sei, é motivo de muitos biógrafos estarem com os bolsos cheios e a cabeça, infelizmente, tão vazia.
          Portanto, é preciso dar um basta a essa enxurrada de biografias autorizadas ou não autorizadas de verdadeiros beócios, carniceiros e pseudos-brasileiros que infestam a nossa nação. Afinal, estes não são os nossos heróis!

                                 J.R. Guedes de Oliveira, ensaísta, biógrafo e historiador
                              E-mail: guedes.idt@terra.com.br
  

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

De volta pra casa com Alexandre Machado, entrevista com Roberto Romano


Congresso em Foco. Luiz Flávio Gomes


Colunistas

O petrolão vai chegar aos ‘grandes donos do poder’?

“Os grandes donos do poder econômico e político, mesmo se culpados, continuam desfrutando da im(p)unidade que o sistema lhes proporciona: Dilma, Temer, donos das empreiteiras, presidência dos partidos e da Petrobras etc.”

Ícaro e seu pai Dédalo (que era arquiteto) estavam refugiados em Creta, junto ao rei Minos. Depois do nascimento do seu filho Minotauro (corpo de homem e cabeça de touro), foi construído um labirinto para aprisioná-lo. Ele acabou sendo morto por Teseu; Dédalo e Ícaro ficaram presos no labirinto. Este, para reconquistar a liberdade, construiu asas artificiais, usando cera do mel de abelhas e penas de gaivotas. Antes da fuga, o pai alertou o filho que ele não poderia voar perto do sol porque derreteria a cera das asas coladas ao seu corpo; nem muito perto do mar porque, se tocasse suas águas, as asas ficariam muito pesadas. Ícaro não ouviu os conselhos do pai e, tomado pelo desejo de voar próximo ao sol, acabou perdendo suas asas; despencou e caiu no mar Egeu, enquanto o pai, aos prantos, voava para a costa. Moral da história mitológica: Ícaro pode voar alto, talvez até consiga atingir alturas impensáveis, mas não pode atingir o cume, o topo, ou seja, o sol.

A alegoria tem tudo a ver com o promotor argentino Alberto Nisman (veja H. Schamis – El País), encontrado morto em seu apartamento, que teria, com sua investigação, chegado ao ponto máximo. Acusou a presidenta de cúmplice acobertadora dos terroristas iranianos, que mataram 84 judeus, em Buenos Aires, em 1994. No Brasil, os Ícaros delatores, investigadores e acusadores no caso petrolão, até o momento, mesmo voando alto, ainda não chegaram muito perto do sol. Ou seja, perto dos grandes poderosos, dos maiores destinatários e beneficiários do proveito político e/ou financeiro proporcionado pela corrupção cleptocrata, que é a manobrada pelos ladrões que cogovernam o Brasil.
As investigações e as provas até aqui divulgadas, no escândalo da Petrobras, já identificaram vários suspeitos dos nefastos desvios: altos funcionários da empresa, brokers (doleiros intermediários), empresários, executivos, empreiteiras e políticos. Mas os grandes donos do poder econômico e político, mesmo se culpados, continuam desfrutando da im(p)unidade que o sistema lhes proporciona: Presidência da República: Dilma; presidência dos partidos envolvidos: Michel Temer, dentre outros; presidência das casas parlamentares: Renan Calheiros e Henrique Alves; verdadeiros donos das empreiteiras; presidência da própria Petrobras etc.

Qual sistema? O ancorado no poder econômico que coopta o poder político e todos os demais possíveis. O controle jurídico do poder político-econômico de alto escalão costuma não acontecer em países como o Brasil. Collor de Mello, reeleito duas vezes depois do impeachment (veja a que ponto chega a alienação ou a consciência ingênua do brasileiro!), foi exceção. Somente caiu porque desagradou tanto o poder econômico que o apoiou quanto o restante poder político tradicionalmente cooptado pelo primeiro.

A dificuldade de se chegar nos verdadeiros “poderosos” reside na férrea estrutura de poder político-econômico, que conta com mecanismos sólidos de blindagem. Alguns são operacionais, outros são sistemáticos. Os operacionais (ou corporativos) são formados por estamentos regiamente pagos para preservarem (nos atos ilícitos) os grandes donos do poder. Dentre outros, destacam-se os executivos bem remunerados nos casos das empresas, particularmente das empreiteiras; os diretores no caso da Petrobras; as estruturas partidárias nos casos da presidência da República etc.

Os sistemáticos são culturais e ideológicos. Regra fundamental dessa proteção é o silêncio (a omertà) que, quanto rompido, gera estragos imensos no sistema (Roberto Jefferson no mensalão, Paulo Roberto Costa e Youssef no petrolão, empresas delatoras no caso do metrô de SP etc.). No mensalão do PT os Ícaros (Jefferson, procurador-geral da República, Joaquim Barbosa e demais ministros do STF etc.) voaram alto, mas não chegaram na Presidência da República (mesmo se valendo, às vezes abusivamente, da teoria do domínio do fato). Nos países mais civilizados, os organismos de controle funcionam mais eficazmente. Nesse rumo temos que caminhar.

PS: Participe do nosso movimento Fim da reeleição (veja fimdopoliticoprofissional.com.br). 
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Confira todos os artigos do professor Luiz Flávio Gomes no institutoavantebrasil.com.br.

Os "donos"da Pinacoteca, e seus seguranças (ah, Pedro Aleixo, com os guardas da esquina...) com certeza não são mamíferos, nasceram da pedra.



ONG convoca “mamaço” na Pinacoteca de São Paulo em resposta a constrangimento sofrido por mãe

Rita Lisauskas
30 janeiro 2015 | 13:05
Matrice

A Matrice, ONG de apoio à amamentação, está convocando mães a comparecerem na Pinacoteca de São Paulo neste sábado, 31/01, às 4 da tarde para um “mamaço”. O convite já está nas redes sociais e afirma que “quem for com seu bebê” ao museu “que se sinta à vontade para amamentar onde quiser”. Roseane Domingues, que alegou ter sido constrangida ao amamentar sua filha Dandara, 4 meses, na Pinacoteca durante a exposição do australiano Ron Mueck no último dia 09/12, é a convidada especial e já confirmou presença. “Roseane, querida, venha também com sua filha, você não vai se constranger mais”, garante o convite. Uma das fundadoras da Matrice, Ana Basaglia, diz que o evento será um passeio para mães. “Não é um confronto. Só queremos que as pessoas achem normal uma mulher amamentando seu bebê”, afirma. “Todos precisam voltar a se acostumar com essa cena”, completa.  No convite para o mamaço, uma foto da própria Roseane dentro da Pinacoteca, amamentando Dandara.

Leia mais: Mãe afirma ter sido constrangida ao amamentar em exposição de Ron Mueck na Pinacoteca
Leia também: Por que meus peitos te incomodam tanto? 
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Esta é a vista da serra, da casa onde fico alguns dias da semana. Lá, esqueço os políticos, a grosseria dos brasileiros, etc. Lá existe ainda paz...




segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Entrevista de Roberto Romano à Revista Isto É dinheiro. O entrevistador é Márcio Juliboni. O rosnados ditos comentários de leitores, que publico abaixo, provam que tenho razão, o fascismo está na pauta do dia.

Divisão entre PT e PSDB é suicida, diz Roberto Romano

Em entrevista à DINHEIRO, professor da Unicamp afirma que a briga entre tucanos e petistas só alimenta a ascensão de radicais de direita, que podem assumir o poder nos próximos anos

26/01/2015 08:00

  • // Por: Márcio JULIBONI
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Roberto Romano, professor da Unicamp
Por mais difícil e improvável que pareça, PT e PSDB devem deixar as brigas de lado e se entenderem. Caso contrário, o País sofre um sério risco de cair nas mãos de um governo de direita. O alerta é de Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp. Acima das diferenças, Romano afirma que é preciso apelar para o que os dois principais partidos brasileiros têm em comum: são formados por pessoas que lutaram contra a ditadura e pertencem ao “campo progressista”, aquele que propõe avanços na sociedade. “Quando tucanos e petistas terminarem de se destruir, o caminho estará aberto para a direita”, afirma.

Para não deixar dúvidas sobre o risco de voltarmos ao autoritarismo, caso os dois principais partidos brasileiros não restabeleçam pontes, Romano ressalta: “a direita não conversa; ela manda.” O problema, porém, é que tucanos e petistas, neste momento, não se entendem nem entre si. No PSDB, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador mineiro Aécio Neves, derrotado pela petista Dilma Rousseff nas últimas eleições, já afiam os dentes para disputar a indicação para concorrer ao Planalto em 2018. No PT, cresce a esquizofrenia: o partido é, cada vez mais, oposição e governo ao mesmo tempo.

DINHEIRO – Por que seria importante que PT e PSDB conversassem?

Roberto Romano –
 Tenho lido muito sobre a República de Weimar [período da história alemã entre o fim da Primeira Guerra, em 1918, e a ascensão do nazismo, em 1933]. Na época, a briga entre socialdemocratas e socialistas era tão grande, que destruíram uns aos outros. Isso levou à ascensão da direita. Em política, não existe lugar vago. Quando esquenta a briga entre a esquerda e a centro-esquerda, abre-se uma brecha para a direita crescer. No Brasil, o PT e o PSDB chegaram a tal ponto... quando eles terminarem de destruírem uns aos outros, o caminho estará aberto a um candidato de direita. E lembre-se de que a direita não conversa com ninguém; ela manda. O meu medo é que a direita se aproprie das novas tecnologias de marketing.

DINHEIRO – Mas há espaço efetivo para o PT e o PSDB se entenderem?

Romano – 
Do ponto de vista factual, é muito difícil. Há muita agressão e desconfiança mútuas. Ninguém duvida da capacidade de liderança de Lula, mas ele é muito egocêntrico. Sempre liderou, focado em suas decisões. Há uma grande escassez de líderes no Brasil. No PSDB, estão o Serra, Alckmin e o Aécio. Já o ex-presidente FHC é importante, mas já não mobiliza multidões. Então, não há ninguém capaz de fazer frente ao Lula, agora. Mas o fato de ser difícil estabelecer o diálogo não quer dizer que essa divisão entre tucanos e petistas não seja suicida. Esses partidos fazem parte do campo progressista, aquele que propõe avanços na sociedade. No PSDB, há pessoas que não são conservadoras, como o Aloysio Nunes e o Serra. Já o Alckmin é mais conservador, influenciado pela doutrina social da igreja católica, para a qual a questão social tem algo de paternalista. Em 2018, a luta interna do PSDB se dará entre Alckmin e Aécio Neves, que é mais de centro-esquerda.

DINHEIRO – O quanto essa briga de petistas e tucanos fortalece a direita?

Romano –
 A direita está se fortalecendo em todo o mundo. Vemos isso com o retorno dos republicanos, nos Estados Unidos. Na França, por exemplo, alguns representantes da centro-esquerda já surpreenderam, ao afirmar que podem votar na líder dos conservadores, a Jean-Marie Le Pen. A justificativa é que eles ajudaram a eleger um governo que não foi aberto ao diálogo e permitiu a corrosão dos salários, por exemplo. Então, esses representantes perguntam que alternativa lhes restou.

DINHEIRO – Essa situação é semelhante às queixas dos movimentos sociais em relação ao PT?

Romano –
 Esses movimentos foram anestesiados durante dos governos de Lula e Dilma. Apesar de todas as coisas, o [ex-deputado federal] José Genoíno tem uma frase ótima sobre isso: “estamos no governo, mas não temos o poder”. Ele disse isso, na época do governo Lula, porque sabia da força do empresariado.

DINHEIRO – O senhor já disse, também, que o erro estratégico de PT e PSDB foi apostarem em alianças, em vez de ampliarem suas bases municipais. Os dois partidos parecem insistir nesse erro.

Romano –
 No caso do PSDB, acho que o jogo já está dado. Ele não se movimenta nesse sentido. Já no caso do segundo governo Dilma, a composição do ministério só aumenta a sua fragilidade e dá margem para que a direita retorne. Quando ela tenta esvaziar o PMDB, fortalece o Kassab, por exemplo. O Kassab nunca foi de esquerda e foi, inclusive, muito combatido pelo PT. Quando prefeito de São Paulo, ele colocou coronéis da PM para comandar as subprefeituras. Tradicionalmente, essa é uma categoria que é retrógrada. É completamente utópico esperar que haja uma saída à esquerda, neste governo Dilma. O PMDB é uma confederação de oligarquias. É a velha direita brasileira hegemônica. Você já sabe o que esperar. Mas, dos novos partidos, como o do Kassab, pode-se esperar tudo, menos uma volta à esquerda. Ao sair da tutela do PMDB, Dilma se enfraquece.

DINHEIRO – O PT vai mudar, acabar, ou vai ser um partido esquizofrênico, que é governo e oposição ao mesmo tempo?

Romano –
 Eu acho que a esquizofrenia é a mais provável. Os setores de esquerda do partido acham que é preciso mudar, mas o que eles não dizem é: mudar para onde? O programa do PT ainda é radical, comparado aos governos de Lula e Dilma. Ele defende um socialismo democratizante, com influência do catolicismo. A esquizofrenia está aí: o programa não tem nada a ver com a prática do PT no governo. Seria necessário um debate interno muito grande para refundar o partido, mas acho dificílimo. Há insatisfações à direita e à esquerda. Além disso, ouvi, certa vez, de um dirigente do partido que boa parte dos indicados pelo PT a cargos públicos são pessoas humildes, sem recursos. Então, antigamente, após quatro anos de mandato, não conseguiam se reeleger por falta de dinheiro. Aí, ouvi a frase mais preocupante: “então, eles aprenderam a lição”. O dirigente se referia ao fato de que parte dos indicados começou a aceitar o jogo político, com tudo o que sabemos que envolve.

DINHEIRO – Quais as chances de termos um candidato de direita no segundo turno da eleição de 2018 ou 2022?

Romano –
 Acredito que haverá um candidato de direita em 2022. Não digo que seja um Jair Bolsonaro, porque ele tem um estilo muito histriônico e afasta os eleitores mais moderados. Em 2018, seja quem for candidato pelo PSDB, Alckmin ou Aécio, poderá atrair uma parte dos eleitores, se o PT efetivamente naufragar. Se Alckmin ganhar em 2018, a esquerda poderá respirar e se recompor, porque Alckmin é conservador, mas é mais aberto ao diálogo. No caso de Aécio, a retomada da esquerda pode ser mais difícil, porque contaria com o apoio de parte do PMDB e da igreja católica. A dúvida é qual Aécio teríamos na presidência. Aquele que é neto de Tancredo Neves e possui tradições democráticas, ou aquele que governou Minas Gerais de modo autoritário, levando os mineiros a não votarem nele para presidente em 2014. Mas é sempre bom lembrar que a direita, no Brasil, detém o poder. Às vezes, acontece de o governo escapar de suas mãos, mas o poder não. O que pode ocorrer é que, não precisando mais da esquerda para governar, a direita encontre seu próprio candidato.

DINHEIRO – Com tudo isso, o senhor está otimista, pessimista ou realista com a política brasileira?

Romano –
 Sou um pessimista com a história do Brasil, cheia de corrupção, favores, desigualdades sociais e econômicas. Essas desigualdades atingem a todos. Não se restringem ao que o Élio Gaspari chama de “andar de baixo”. No “andar de cima”, quando um grupo de empreiteiras se beneficia de favores do governo, lesam a concorrência e aquelas empresas que trabalham honestamente. Isso prejudica muito o desenvolvimento do País. Agora, me considero um realista no sentido de que a solução é que a sociedade se una. A interpretação de Maquiavel, feita por Spinoza, é de que o direito natural é que o peixe grande coma o peixe pequeno. A solução é que os peixes pequenos se unam para comer o grande. É por isso que acho a frase do Genoíno boa: você pode ser governo, sem que o poder esteja em suas mãos. E sou otimista, porque acho que a história não é uma fatalidade. É preciso um trabalho contínuo das pessoas. Há como mudar.

DINHEIRO – E como fazer isso?

Romano –
 Gosto muito do etnólogo francês André Leroy-Gourhan. Para ele, a história da humanidade é a história da tecnologia. Nos fizemos humanos ao nos erguemos e passarmos a enxergar mais longe. Ao liberarmos as mãos para levar comida à boca e para fabricar ferramentas. Somos inteligentes, porque ficamos em pé. Enquanto aceitarmos rastejar diante de forças maiores ou sutis, não mudaremos. Os brasileiros se acham muito espertos, mas a melhor forma de viver e evoluir é ficar de pé.

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5 Comentários:

  • Aye // 26/01/2015 - 13:28
    0 0 Denunciar
    Rogério, MAV ignorante. Destruir no sentido de não deixar que cresçam. Sei que para a esquerda destruir significa outra coisa. Já diria Celso Daniel. A maior tragédia da humanidade chama-se socialismo.
  • joao gaspar // 26/01/2015 - 11:42
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    Unicamp e Usp, a grande maioria dos professores são esquerdistas que adoram viver nas tetas do governo, bando de neofitos.
  • joao gaspar // 26/01/2015 - 11:41
    1 0 Denunciar
    É incrivel este Roberto Romano, esquerdista de araque. No minimo deve receber dinheiro dos PeTralhas. Do que adianta ter tanto estudo e ser um babaca.
  • Rogério // 26/01/2015 - 10:35
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    Por causa de pessoas anencéfalos como este indivíduo Aye, que tragédias acontecem na humanidade.
  • Aye // 26/01/2015 - 10:02
    1 1 Denunciar
    Alguém fala pra esse PTrofessor esconder a foice e o martelo estampados na testa dele. Precisamos destruir sim a esquerda no país. É o nosso grande câncer! Entrevistar alguém da Unicamp só podia dar nisso.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Idólatras, Roberto Romano, O Estado de São Paulo, 25/01/2015

Idólatras!

Roberto Romano - O Estado de S.Paulo
25 Janeiro 2015 | 02h 05 

Após os atentados na França, cascatas de tinta foram gastas no debate sobre o veto muçulmano às imagens. Muitos analistas escrevem como se a doutrina só existisse no mundo islâmico. Pouco é dito sobre o núcleo da questão, posto no livro do Êxodo (20, 4-5). O Antigo Testamento proíbe imagens (Juízes 6,25, Jeremias 19,4, Oseias 11,2). Na Igreja primitiva o problema é pouco disputado. Mas com a filosofia neoplatônica surge o debate entre os defensores das pinturas e os seus inimigos.
Paulo proclama que o Cristo é o ícone do Deus invisível (Colossenses, 1, 15) ao interpretar a frase "Quem me viu, viu o Pai" (João, 14, 9). Qual o significado de "ícone", termo grego usado pelo apóstolo? Haveria algo comum entre "ser imagem" e "pintar imagens"? Para os iconoclastas, retratar o Cristo rebaixa a divindade. Os iconódulos pensam o oposto: se o Verbo se fez carne, Ele já se tornou visível.

Segundo o iconoclasta Arius (319 AD), Deus é "a mônada e princípio de tudo, anterior ao Filho". A Trindade não tem, afirma o teórico, estatuto igual em cada uma de suas pessoas. As substâncias (hypóstaseis) não se misturam. Uma é absolutamente superior e não representável pelas outras. O Filho "nada tem de divindade, pois ele não é igual a Deus, nem mesmo consubstancial. Caso oposto, a substância divina deixaria de ser mônada". Cristo é criatura adotada como Filho e quem o venera, ou as suas imagens, "adora criaturas".

A ortodoxia, nos Concílios de Niceia, nega Arius. Deus é pai, mas não à semelhança dos homens. O Pai perfeito só pode ter uma imagem perfeita, o Cristo. Não há desnivelamento entre o modelo e a imagem, o Verbo não se parece a Deus, mas é Deus. O erro ariano seria transpor para o divino o que vale no plano humano. A imagem é analógica, nem unívoca nem equívoca. Mas contra as teses de Niceia estouram, em 726 e 814, dois iconoclasmas (destruição dos ícones, Eikonomachía). O imperador Leão III ordena banir as figuras nos cultos. Ocorre sanguinária destruição de ícones e de seus defensores. 

Dionísio, o Areopagita, anônimo neoplatônico importante para a Igreja, ensina uma escala dos seres. Do divino emana a luz que atinge os entes. Na hierarquia vêm os arcanjos, os anjos, os padres, os reis, o povo (os "leigos"). A entidade elevada brilha mais. As inferiores entram em comunhão com o sagrado pelo ícone, elo entre homem e Deus.

O iconoclasma debate a natureza do Cristo. A ortodoxia cristã recusa a equivocidade, nele, das naturezas divina e humana. A plena analogia é seguida pela Igreja. Para os iconoclastas a representação do Cristo deve ser exata, ou não ser. O Concílio de Hieria (754) condena "a arte ilegal de pintar criaturas vivas blasfemando a doutrina fundamental da nossa salvação". Os iconódulos respondem com o sírio João Damasceno: o cristianismo não adora a matéria, mas o seu Criador, e também venera "a matéria pela qual nos veio a salvação, transmitindo a divina energia e graça". Sobre o tema ver O Ícone de Cristo, de Christoph Schönborn, e A Imagem Proibida, de Alain Besançon.

A doutrina do Deus encarnado é recusada pelos cristãos arianos e pelo Corão: "Dize: 'Ele é Allah, o Único (…) o Absoluto'" que "jamais gerou ou foi gerado". A unicidade de Allah impede a sua representação em forma humana. Se Allah "não foi gerado, temos a recusa da noção de Jesus Deus. Para ter nascido ele deveria antes não ser, o que contradiz o atributo da existência eterna.

O veto cristão às imagens ressurge na Reforma. "Deus não pode suportar que sua majestade infinita seja representada em madeira ou pintura" (Calvino). Com a negação da imagem vem a recusa da ideia neoplatônica sobre a hierarquia eclesiástica e cósmica que leva a Deus por intermediários. O reformador atribui a Platão (deveria mencionar o neoplatonismo) "a filosofia que ensina ir a Deus por meio dos anjos e honrá-los para que estejam mais inclinados a nos dar acesso ao divino. É uma opinião falsa e maldosa. (...) Sempre que se representa Deus em imagem, sua glória é falsa e maldosamente corrompida". O veto não impediu Calvino de admirar pinturas, desde que limitadas ao plano humano.

Para a Confissão de Augsburgo (1530), "não é possível provar pelas Escrituras que se deve invocar os santos ou pedir sua ajuda. Pois só existe um Reconciliador e Mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo". O Concílio de Trento (35.ª sessão, 1563) reprova o abuso das imagens: "Será banido todo tipo de superstição e afastada toda busca de lucro indigno e sórdido". Mas vem a ordem pastoral: "Ensinem os bispos que os santos reinam com Jesus Cristo e oferecem preces a Deus pelos homens". Sua ajuda pode "obter graças e favores de Deus por seu Filho, Senhor Jesus Cristo, único Redentor e Salvador".

Na mesma França que hoje invectiva a interdição islâmica contra as figuras, no século 17 correram rios de sangue dos que defendiam ou negavam as imagens. Antes das caricaturas atuais, o século 18 conheceu o virulento Tratado dos Três Impostores (Moisés, Jesus, Maomé). Reduzir o problema ao Islã é pensá-lo pela metade. Quando o Charlie Hebdo ridiculariza cultos e doutrinas, ele sopra brasas do lado judaico e cristão. Cabe aos defensores da ordem profana pesar o custo, em vidas, da guerra que empreendem. Mas os seus inimigos não residem apenas nas mesquitas e no terror armado. Talvez os piores adversários sejam os que saíram às ruas, aos milhões, para "defender a liberdade de expressão". Nos selfies em massa, eles mostraram que, sim, têm um ídolo: o Ego que os domina após a corrosão do sagrado. Duro, Baudelaire: com as fotografias o povo "correu, como um só Narciso, para contemplar sua imagem na placa metálica. Uma loucura, um fanatismo extraordinário dominou todos estes novos adoradores do sol". 

Súbito, fileiras imensas de Joanas d'Arc são lideradas pelo fascista e antissemita Front National. Recordemos Le Pen, para quem as câmaras de gás nazistas foram "um detalhe na história da 2.ª Guerra Mundial". Liberdade de expressão?

*Roberto Romano é professor da Unicamp e autor de 'Razão de Estado e outros estados da razão' (Perspectiva)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Dr. Ruben Bauer, um artigo a ser lido e meditado. Com muita atencão!


ESTARÁ O DESTINO DO BRASIL POR UMA CANETADA?
Ruben Bauer Naveira

A canetada em questão é declarar inidôneas as empreiteiras corruptoras da Petrobras, e assim suspender todos os seus demais contratos pagos com dinheiro público.
Uma vez que no Brasil essas empresas respondem pela quase totalidade das obras públicas de vulto, declará-las inidôneas significa desorganizar, em alguma medida e por algum tempo, a economia do país, acarretando preços a serem pagos tanto a curto (desemprego) quanto a médio prazo (crescimento).
Ninguém, em sã consciência, deseja algo assim. Mas, e quanto ao preço do descrédito nas instituições (sim, ainda não chegamos ao fundo do poço) como consequência das ações e pressões dos agentes do Estado para salvar as empreiteiras?
E se de todo modo elas forem declaradas inidôneas? Pode-se adotar medidas que atenuem o impacto? Pode-se procurar chegar a algum benefício em meio aos prejuízos?
Procurar responder tais perguntas de forma intelectualmente honesta (o propósito deste artigo é contribuir para isso) seria do mais alto interesse nacional. Não é o que vem ocorrendo, infelizmente. Tem-se abusado da expressão “parar o país”, não apenas simplista mas de óbvio impacto psicológico. Com que intuitos? Alertar a opinião pública, ou amedrontá-la?
Encarar a Realidade
Por mais que se deseje que a economia não padeça nenhuma desorganização, recusar admitir a hipótese de que isso aconteça não deveria ser uma opção. Vejamos: quase todo o dinheiro para obras públicas (da União, estados e municípios) encontra-se contratado às empreiteiras investigadas. Quase todo ele embute superfaturamento (ninguém carece de mais revelações como as da operação Lava-jato para estar seguro disso). Não é à toa que, a partir dos indícios já constatados com base na Lava-jato, a Polícia Federal afirmou já estar se preparando para abrir noventa e cinco novos inquéritos, que demandarão, no mínimo, quinze novas operações...
Uma obviedade até aqui despercebida vai-se revelando: a partir do momento em que as empreiteiras forem declaradas inidôneas, elimina-se a totalidade desses superfaturamentos (porque cancelam-se todos os contratos em vigor). Vai-se tornando cada vez mais evidente que salvaguardar os contratos significa salvaguardar também o status quo histórico da corrupção.
A pergunta de um zilhão de reais é: o que a sociedade iria preferir? Pagar o preço (conjuntural) de uma desorganização da economia, ou pagar o preço (estrutural) de se preservar o status quo da corrupção no país?
É claro que a maioria das pessoas não dispõe de uma noção prévia acerca dos sacrifícios a serem incorridos no caso de uma desorganização da economia, logo, o mais correto seria o Estado dirigir-se às pessoas com franqueza e transparência. Winston Churchill, em seu primeiro discurso após ter sido nomeado primeiro-ministro para comandar a guerra contra o nazismo, anunciou aos britânicos que nada lhes prometia além de sangue, suor e lágrimas. Não poderia a luta do país contra a corrupção ser considerada também uma guerra (que atravessa séculos: o primeiro tratado sobre a corrupção no Brasil, A Arte de Furtar, foi escrito pelo padre Antonio Vieira no ano de 1652), impondo sacrifícios a serem padecidos como em qualquer guerra de verdade? Quanto mais as pessoas forem respaldadas como cidadãos em vez de tuteladas como se incapazes fossem, mais elas se predisporão a serem chamadas a dividir responsabilidades.
No que se refere à magnitude da desorganização da economia, quem pode de antemão afirmar que será mesmo catastrófica? Em função das ações (preventivas e corretivas) que viermos a adotar desde logo, porque não poderá haver no fim das contas meramente um freio de arrumação (coisa que um economista chamaria de destruição criativa)?
Rompendo o Círculo Vicioso
Façamos agora uma suposição, e digamos que a nossa expectativa seja a de que as empreiteiras acabarão mesmo declaradas inidôneas. Apresenta-se a seguir então um livre exercício de imaginação, no intuito de mostrar que um futuro do qual só se consegue sentir medo pode acabar por se revelar não apenas palatável como também portador de benefícios surpreendentes.
Um benefício óbvio para o governo será assumir o protagonismo na luta conta a corrupção, pois um esforço para salvar as empreiteiras seria uma versão abrasileirada do “too big to fail” dos EUA em 2008 (aqui no Brasil poderia ser chamado “too big to jail”...), quando trilhões de dólares dos contribuintes americanos foram malversados para salvar bancos falidos. Promover algo assim aqui no Brasil seria passar uma mensagem negativa de complacência com a corrupção, quando se deve buscar justamente o oposto. Ou: se o governo perderá na economia (emprego, crescimento) ele ganhará na política (credibilidade).
Na economia, para que se perca menos, o lapso de tempo para a retomada das obras de infraestrutura deverá ser o menor possível. Isso requererá duas condições: 1) que novos contratos sejam firmados; e 2) que haja empreiteiras em condições de firmá-los. Examinemos ambas, a começar dos novos contratos.
Não seria interessante para todos os governos (também dos estados e municípios) que a recontratação das obras se desse da forma mais ágil e rápida possível? Ora, isso requer que o marco legal facilite as coisas. Só que o marco legal existente complica as coisas. Uma legislação simplificadora ainda terá que ser produzida.
Acontece que o Brasil acabará por exigir um novo marco legal por outro motivo, muito mais crítico: de nada terá valido cancelar contratos fraudulentos se for para substituí-los por novos contratos igualmente fraudulentos – tal qual um fumante que, após sobreviver a uma cirurgia para retirada de um câncer na garganta, continuasse a fumar. O sistema em vigor encontra-se flagrantemente falido: sofisticado, complexo e custosamente burocrático (cuja fiscalização é igualmente sofisticada, complexa e custosamente burocrática), ilusoriamente no propósito de coibir fraudes, ele acaba por inibir a livre concorrência privilegiando aquelas empresas especializadas não em prestar melhor os serviços, mas em vencer as licitações (especializadas em recursos, embargos, impugnações, liminares...), bem como favorece a que editais sejam de antemão redigidos nos termos mais convenientes à empresa que ao final se sagrará vencedora.
A confecção de um novo marco legal precisa começar pela definição das suas premissas. Proposta: simplicidade e transparência. Simplicidade para uma universalização, ao invés de restrição, do acesso; e transparência para permitir fiscalização por parte de todo e qualquer cidadão (o que reforça o requisito pela maior simplicidade possível). Se a simplicidade traz vulnerabilidade (lembrando que a complexidade não garantiu nada, muito pelo contrário), uma transparência a máxima possível, com empoderamento da sociedade bem como severidade na punição às fraudes que vierem a ser descobertas, pode ser o seu contrabalanço. A simplicidade virá ainda contribuir para reduzir a histórica ineficiência do Estado pelo seu desengessamento.
As definições para essa nova legislação devem ficar a cargo da sociedade, uma vez que os técnicos do governo, Congresso, TCU e CGU estão por demais impregnados do espírito da legislação atual e assim automaticamente a tomariam por referencial. Uma comissão composta de nomes inquestionáveis por sua credibilidade conferirá respaldo da sociedade ao modelo que vier a ser concebido. Pode parecer contraditório, acrescentar os tempos do trabalho de uma comissão aos já morosos (e conflituosos) tempos processuais do Congresso Nacional. No entanto, tudo o que o Congresso precisa para aprovar uma matéria em rito acelerado é de consenso, que poderá decorrer do endosso da sociedade ao anteprojeto produzido pela comissão (coisa que o governo, se autor da proposta fosse, não teria como angariar).
Uma vez que se almeja reduzir o lapso de tempo para retomada das obras e ainda substituir o marco legal vigente, não há tempo a perder. A tarefa de elaboração de um novo marco legal é para ser deslanchada de imediato, até porque o testemunho de que o marco existente fracassou já se encontra patente diante de todos. E que não se venha alegar que a Petrobras conta com um estatuto próprio para licitar ao largo da lei 8.666, pelo que o problema seria localizado (esse certamente será o discurso dos defensores do status quo: avançar para uma ainda maior complexidade, ao invés de para a simplificação). É de se perguntar: seremos todos obrigados a aguardar até que a operação Lava‑jato se desdobre às hidrelétricas, metrôs etc. (o que fatalmente acabará ocorrendo), para atestar aquilo que todo mundo já sabe? Se já há elementos mais que suficientes para declarar a inidoneidade das empreiteiras, fazê-lo logo poupará anos de trabalho da Polícia Federal, ministério público e judiciário (permitindo assistir outras prioridades).
Crise É Oportunidade
Alardeia-se que, privadas de seus contratos com o poder público e impedidas de celebrar novos, as empreiteiras irão falir. Isso é no mínimo uma meia-mentira, senão uma rematada mentira mesmo.
As empreiteiras, todas elas, recorrerão à “plasticidade acionária”. É evidente que falências haverá. Mas não será o patrimônio que irá falir, e sim apenas um (dentre muitos) CNPJ. As participações cruzadas serão redefinidas (os contadores terão bastante trabalho), e alguma outra razão social (preexistente ou criada) assumirá os negócios. Como todas são negócios familiares, o patrimônio (leia-se o poderio) permanecerá detido pelas mesmas pessoas físicas. Aos credores das massas falidas das pessoas jurídicas declaradas inidôneas não caberá sequer o maquinário pesado (guindastes etc.), posto que este em grande parte não foi comprado mas sim arrendado por leasing (fato que virá favorecer a retomada do ritmo das obras no país).
Poucos teriam sintetizado tal estado das coisas com tanta argúcia como Janio de Freitas: “Nem a pior das punições legais – a declaração de inidoneidade para qualquer transação com o setor público – representa ameaça real para as empreiteiras [...] Fusão, remodelação acionária, partilhamento, são muitas as maneiras de modificar a fisionomia. E, caso a pena incida sobre as pessoas de donos e dirigentes, o testa de ferro é uma instituição prática e vigorosa. A vida não é difícil para todos” (Folha de São Paulo, 20/11/2014).
Ainda Janio: “Nenhum dos cabeças do sistema de contratação de obras públicas por meio de corrupção foi alcançado pela operação Lava Jato [...] a exclusão não se deve a que o jato lançado pelos investigadores tenha orientação seletiva. ‘Executivos’ profissionais são postos nos altos cargos, até na presidência das empreiteiras, também ou sobretudo para arcar com os riscos de complicação pessoal e, no dia a dia, entrar com o rosto nas ações indecentes. É para dar essa fachada aos donos e acionistas majoritários, detentores do verdadeiro comando, que os ‘executivos’ têm as elevadas remunerações que os levam a ser audaciosos e arrogantes” (FSP, 14/12/2014).
Punir as empreiteiras não é necessariamente a mesma coisa que punir os corruptores. A sociedade precisará aceitar que a mais severa punição possível aos corruptores (afora a prisão de um ou outro mais imprevidente) consiste na perda da polpuda carteira de contratos superfaturados detida pelas suas (atuais) empresas, sem que isso no entanto os impeça de vir a constituir novas carteiras. Por isso mesmo é que a legislação tem que ser refeita – de nada adiantará cancelar contratos fraudulentos se for para substituí-los por novos contratos igualmente fraudulentos, já foi dito aqui.
Paradoxalmente, esse não é um quadro necessariamente ruim, pois o Brasil precisa de empreiteiras. A repaginação das atuais empreiteiras (sob novos CNPJs) afasta o risco de catástrofe que vem sendo falaciosamente alardeado. Agora, é fato que as empreiteiras encolherão de tamanho, o que abrirá uma gorda fatia de mercado que precisará ser preenchida a bem da retomada do país. Como de praxe, os alarmistas (nada desinteressados) trombeteiam o risco de uma desnacionalização, pela abertura do setor de serviços do país às empreiteiras americanas e europeias. Mas isso só ocorreria se o governo se omitir, pois tal vazio de mercado somente necessita dos incentivos adequados para ser naturalmente preenchido por empresas nacionais, uma vez que as condições para tanto não poderiam ser mais favoráveis:
– Haverá abundância de demanda, ou seja, de mercado (já que a maioria dos contratos em vigor terá sido encerrada);
– A concorrência se dará em justa medida, porque as grandes empreiteiras terão encolhido e ainda estarão se reestruturando, além do que a instauração de um novo marco legal restringirá os riscos de cartelização; e
– Haverá abundância da disponibilidade, no mercado de trabalho, daquele que é o ativo mais valioso de qualquer empreiteira: os engenheiros e técnicos especializados, tarimbados por anos de experiência, dispensados pelas empreiteiras declaradas inidôneas em busca de se recompor.
Este último ponto representa um diferencial ímpar. Pode-se dizer que montar uma nova empreiteira, a partir do zero, sairá praticamente de graça, pois bastará atrair no mercado os engenheiros dispensados e começar a pagar os seus salários. Aqueles que vierem a obter proveito da disponibilidade repentina e maciça, no mercado de trabalho, de uma mão-de-obra altamente especializada, qualificada e valiosa, terão se beneficiado de uma circunstância histórica causada não por qualquer interferência indevida do Estado mas pelas próprias empreiteiras, como consequência dos seus malfeitos.
É claro que caberá ao governo atuar para que esse vazio seja preenchido no melhor interesse nacional (leia-se, por reais empreendedores ao invés de oportunistas de ocasião). Seguem quatro propostas, como contribuição:
1.) O BNDES subsidiará, por meio de financiamento abundante e barato, as inúmeras pequenas e médias empreiteiras que existem no Brasil (muitas das quais já atuam nas principais obras, como subcontratadas das grandes), para que cresçam pela absorção dos engenheiros e técnicos disponíveis no mercado.
2.) Em paralelo, o BNDES cria um programa de incentivo à constituição de novas empreiteiras (novamente, por financiamento barato e abundante), uma vez que muitos desses engenheiros, em especial os sêniores, terão vontade e capacidade de se associar entre si para fundar a própria empresa.
3.) O governo deve estimular a que empresas tanto públicas (por exemplo a Petrobras) quanto privadas (por exemplo a Vale) que são clientes habituais dos serviços das empreiteiras aproveitem a oportunidade para se verticalizar, constituindo áreas de engenharia próprias (afinal elas já dispõem de setores internos de especificação de projetos, de contratação de fornecedores e de acompanhamento e fiscalização de obras) no propósito da retenção, no país e na profissão, dos engenheiros que tiverem sido dispensados, mão-de-obra estratégica que o Brasil não pode perder. Nesse sentido, à maior absorção deve corresponder o maior estímulo (por exemplo pela desoneração dos respectivos encargos trabalhistas).
4.) Poderia ser promovida, de forma seletiva, uma abertura do mercado de serviços às empreiteiras estrangeiras, exclusivamente para setores socialmente prioritários em que uma redução dos custos seja crucial para estados e municípios (saneamento básico é o caso mais flagrante; outra possibilidade seria mobilidade urbana).
O saldo final de todo esse processo será um Brasil em que haverá dezenas ou mesmo centenas de empreiteiras compondo um mercado de livre concorrência, em lugar da atual situação cartelizada por umas poucas empresas contumazmente corruptoras. O futuro do país agradece.
A Natureza do Estado Brasileiro
No Brasil, o Estado é fruto histórico de um matrimônio indissolúvel entre o poder político-administrativo e o poder econômico, e sua razão de existir é atender antes de tudo a tais interesses particulares, não aos interesses maiores da sociedade.
Tal condição não é exclusiva nossa, afinal não existe no mundo nenhum Estado que não esteja sob crítica da sua respectiva sociedade. Mas o Estado brasileiro é sui generis, um tipo singular, segundo a tese que Raymundo Faoro nos legou em seu clássico Os Donos do Poder.
Vale uma digressão para apresentar o argumento de Faoro: no feudalismo, a classe dominante é tipicamente composta pelo rei, pelos senhores feudais e pelo clero, com tensões entre si na partilha do poder. Com o mercantilismo adveio também a burguesia, acumuladora de riqueza contudo ainda excluída desse condomínio. O Estado moderno surge então, especialmente após a Revolução Francesa, como uma reordenação dessas forças, sob predomínio da burguesia e declínio das demais. Portugal, porém, ao contrário dos demais países europeus, não teve feudalismo (porque já no século XIV o rei esmagara militarmente os senhores feudais e domesticara o clero). Para dar conta de administrar o reino sem os senhores feudais, o rei contratou um aparato burocrático de funcionários convidados por afinidade, que logo adquiriu vida própria e se pôs a controlar (e parasitar) toda a atividade econômica do reino, com base em um sem número de normas escritas (códigos, proclames do rei etc.) numa hiper-regulação.
A partir das grandes navegações, com os descobrimentos e a colonização, esse aparato burocrático expandiu-se e, quanto maior, mais benfeitor de si próprio, mais apropriador da vida econômica e mais opressor da vida em geral. A burguesia nascente, para conseguir prosperar, aprendeu a com ele se consorciar pela via da troca de favores e privilégios e da corrupção, compondo uma sociedade em que quem tinha posses era gente, quem não tinha era ralé e abaixo desses os escravos. Faoro denominou esse sistema “patrimonialismo” (o público como patrimônio de particulares), sistema que, por ser entrópico (necessita sempre sugar mais e mais recursos para se manter), somente pôde perdurar graças aos sucessivos booms econômicos de que Portugal se locupletou (as especiarias da Ásia, o açúcar do Nordeste, o ouro das Gerais).
À época da independência do Brasil, consolidava-se o Estado moderno em países como França, Inglaterra e Estados Unidos e assim se quis de algum modo copiá-los. Contudo, o tipo de Estado que aqui se formou não foi, como naqueles países, uma afirmação da burguesia mercantil (e já também industrial) em superação ao absolutismo do rei e à aristocracia, mas antes uma reafirmação do velho consórcio entre os agentes político-administrativos e os agentes econômicos, para continuidade da espoliação das riquezas do país (adveio em seguida o ciclo do café). Da tese de Faoro se apreende o porquê de o Brasil, apesar de imensamente rico, não ter até hoje conseguido deslanchar.
O que não quer dizer que o Estado brasileiro não venha, aos poucos, se voltando em direção à sociedade. A partir de 1930 houve progressos alternados com retrocessos até que, como fruto das lutas pelo fim da ditadura e pela redemocratização do país, a Constituição de 88 veio instituir um modelo híbrido: se por um lado conserva o caráter do Estado como instrumento dos poderosos, por outro vem abrir brechas de cidadania.
Como exemplo do conservadorismo, a CF88 tem como cláusula pétrea (ou seja, algo que jamais poderá ser revogado, nem mesmo pelo mecanismo de emenda constitucional de três quintos da Câmara e do Senado, duas vezes cada um) os chamados direitos adquiridos, e assim eterniza inumeráveis privilégios. Como apenas um exemplo, a previdência social são na verdade dois planos de benefícios completamente distintos (que em comum têm apenas a fonte dos recursos, o tesouro) conforme o quilate do aposentado: o regime próprio para os servidores públicos e o regime geral para o restante da população (denominações que são sintomáticas).
Como exemplo dos avanços, a obrigatoriedade do ingresso no serviço público por meio de concurso (ainda que no judiciário de vários estados os concursos sejam aproveitados para lavagem do nepotismo). Ainda mais significativo, as tão combatidas políticas de redução das desigualdades dos governos do PT nada mais são que o cumprimento de obrigações impostas pela Constituição:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
Foi contudo graças à criação pela CF88 de um ministério público com liberdade para atuar em defesa da sociedade que as maiores empreiteiras do país encontram-se finalmente em vias de serem punidas pelos seus malfeitos. Trava-se nesse exato momento um embate inédito e definidor entre cidadania e patrimonialismo, lutando uma para desabrochar o outro para permanecer. De um lado, personagens como Sergio Moro, Rodrigo Janot e Teori Zavascki têm sobre seus ombros infinitamente mais do que suas atribuições institucionais: cerram fileiras, do outro, cinco séculos de anticidadania.
O Papel de cada um
Raymundo Faoro nos destrinchou a presunção do Estado em tutelar a sociedade: no Brasil, historicamente, e sempre em nome do suposto interesse nacional maior, vicejaram e foram salvaguardados interesses particulares menores de todo tipo.
Pois não tem sido diferente no caso atual. Declarar as empreiteiras inidôneas é algo que vem sendo tomado pelos agentes do Estado na qualidade não de uma disposição da Lei, mas de uma escolha discricionária. Ou seja, estaria na alçada do Estado, em nome do sempre invocado interesse nacional maior (“não parar o país”), a prerrogativa de livrá-las de serem declaradas inidôneas.
Que o governo aja assim é até esperado, conhecida sua obstinação em defender os níveis de emprego e perseguir o crescimento. Ao que parece, não sem constrangimentos: dispensado de fazê‑lo (uma vez que todos os ministros foram instados a escrever cartas colocando seus cargos à disposição), o ministro da CGU Jorge Hage (o mesmo que em 2012 não hesitara em declarar inidônea a Construtora Delta) fez questão, à la Marta Suplicy, de anunciar o seu pedido de demissão.
Mas mesmo o ministério público parece ter assimilado enquanto uma verdade axiomática a tese do “interesse nacional maior”. Em entrevista coletiva a 11 de dezembro,[1] o procurador à testa da força‑tarefa para as investigações da operação Lava-jato, Deltan Dallagnol, iniciou um raciocínio desnudando de forma cortante e certeira o coração do problema (grifos meus): “existem indicativos de que essas empresas não só corromperam Petrobras mas estão envolvidas em corrupção com outros órgãos públicos. O único jeito de estancar esse esquema criminoso seria paralisar todos os contratos com todos os órgãos públicos, administração municipal, estadual e federal” (coisa que é automaticamente alcançada ao se declarar inidôneas as empreiteiras)...
... para, na complementação do raciocínio, assumir de forma aberta aquilo que seus pares em entidades como o TCU ou a CGU vêm pregando de forma velada. Dizia ele, “o único jeito de estancar esse esquema criminoso seria paralisar todos os contratos com todos os órgãos públicos, administração municipal, estadual e federal, o que é inviável porque prejudicaria de sobremaneira a população. A única saída, descartada essa primeira, é a prisão dos envolvidos para que o esquema não se perpetue”. Não desmerecendo o laborioso e imprescindível trabalho do ministério público, se procurou ponderar que a prisão “dos envolvidos” não alcançará os verdadeiros corruptores nem os privará de seus meios de corromper.
Numa paradoxal inversão de papéis, foi do advogado de defesa de várias empreiteiras Antonio Carlos de Almeida Castro (o “Kakay”) que se ouviu: “Dentro da normalidade, você teria de declarar essas empresas inidôneas”.
Ativistas progressistas vêm também reforçar a tese conservadora. Luis Nassif defendeu como pena para as empreiteiras “que seus dirigentes sejam penalizados, multados, até o limite da perda de controle das companhias, se for o caso. Mas é importante a preservação de sua capacidade operacional, para que a atividade econômica não seja mais penalizada ainda” (portais GGN, “O desafio de punir dirigentes e poupar empresas”, e Carta Maior, “Punir a corrupção, não a Nação”, ambos em 23/12/2014; grifos meus).
A intenção é louvável, mas, como se poderia impor aos donos (não os “dirigentes”, mas os acionistas majoritários) a perda do controle das suas companhias? Não há nada na legislação que dê abrigo a uma captura (confisco) por parte do Estado do capital acionário de uma empresa, a menos que se queira dar razão àqueles que comparam o Brasil à Venezuela. O que a Lei dispõe é que pessoas, sejam físicas ou jurídicas, são responsabilizáveis pelos seus atos.
Em uma nova abordagem, os defensores do status quo agora alarmam que a inidoneidade das empreiteiras coloca em risco todo o sistema bancário. Nada porém justifica a desfaçatez de terem divulgado uma cifra estratosférica (cento e trinta bilhões de reais) que, ardilosamente, embaralha alhos (a dívida das empreiteiras, que tende a não ser paga) com bugalhos (a dívida da Petrobras, empresa que obviamente não será declarada inidônea), sem sequer discriminar a proporção de cada uma. Ainda que se admita tal risco como real, um discurso assim visa paralisar o discernimento e a reflexão – visa paralisar a sociedade, de modo a que o Estado (como de hábito) possa sozinho resolver o que seja “melhor” para ela.
Quanto ao risco inverso, o das empreiteiras serem salvas, ninguém parece se afligir. Há porém no Brasil milhares de pequenas e médias empresas que por muito menos foram declaradas inidôneas (por alguma inconsistência documental, por exemplo). Se o instrumento da inidoneidade for desautorizado haverá insegurança jurídica, já que essas empresas acionarão o Estado alegando isonomia (a Lei não poderá ser uma para as empreiteiras e outra para os demais) e os juízes de primeira instância, que mais prezam as coerências jurídico-legais do que os imperativos políticos, tenderão a lhes dar ganho de causa gerando repercussões que podem arrastar-se por décadas, com judicialização das licitações e mesmo da execução dos contratos nos casos de litígio (afora os pleitos por reparações).
Ainda outra nova abordagem consistiria numa invenção normativa, a figura do “acordo de leniência”, pelo qual as empreiteiras deixariam de ser declaradas inidôneas em troca da devolução dos valores malversados e da colaboração com as investigações. Ora, tal figura seria uma sobreposição no âmbito do executivo – portanto algo redundante – a figura idêntica preexistente no campo do judiciário, que é precisamente a delação premiada. A redundância serviria então para salvar as aparências.
Mas, digamos que as empreiteiras acabem afinal declaradas inidôneas (ou seja, que os agentes do Estado se vejam obrigados a fazer isso, mesmo contra sua vontade). O preço da tão temida “paralisação do país” terá então que ser pago de qualquer modo, só que nesse meio tempo (quanto tempo? meses? anos?) outros preços adicionais já estarão também sendo pagos, elevando em muito o valor total da fatura: tempo terá sido perdido (em que o país terá ficado em compasso de espera ao invés de cuidar logo de retomar o rumo), desgaste terá sido padecido (por todos os órgãos do Estado, mas em especial pelo governo), e se terá abdicado do protagonismo em combater a corrupção. Tudo isso, a troco de nada.
A sociedade bem sabe que a montanha de dinheiro desviada da Petrobras (foi até aqui contabilizada a propina, não o sobrepreço) é apenas a ponta de um novelo que, quanto mais for desenrolado, mais irá mostrar.
E essa é apenas a corrupção em curso, não a pregressa. Em entrevista, Pedro Henrique Pedreira Campos, autor do livro Estranhas Catedrais sobre a corrupção durante a ditadura militar, relata que naquele período as empreiteiras tiveram acesso ao Estado sem intermediários, dado que o Congresso era meramente figurativo. Tampouco havia instâncias de fiscalização como as atuais, pelo que os casos de corrupção simplesmente não vinham à tona. A roubalheira era então muito maior do que hoje (FSP, “Empreiteira que soube usar a corrupção cresceu mais, diz historiador”, em 01/12/2014).
Um exemplo? O embaixador José Jobim, sem nenhuma ligação com organizações de esquerda, foi sequestrado, torturado e morto em 1979 porque havia levantado provas de que o superfaturamento na construção de Itaipu levou a um custo final dez vezes superior ao orçado. Atualizada a valores de hoje, aquela roubalheira de Itaipu supera muito provavelmente esta de agora.
Evitar que as empreiteiras sejam declaradas inidôneas pode até parecer, à primeira vista, a atitude mais sensata. Pode ser arriscado, porém, querer convencer a sociedade de que ainda mais investimento no vício da hiper-regulação (agora na forma de governança e compliance) herdado de nossos antepassados lusos fará idôneas empreiteiras acostumadas há décadas a não apenas subornar senadores, governadores e juízes, mas a fazê-los.
Não se deveria desconsiderar a magnitude do significado da Petrobras (e dos riscos de sua degradação) nos corações e mentes do povo brasileiro. Nem se deveria esquecer tão rapidamente que milhões de pessoas tomaram as ruas, espontaneamente, em junho de 2013. Tampouco se deveria ignorar os estados de espírito sinalizados pelo eleitorado em outubro de 2014. São sinais de que o Brasil ingressa numa mutação, sinais de um novo zeitgeist. Darcy Ribeiro avisou que esse tempo chegaria.
Conjecturar sobre o futuro é um exercício aberto. O que foi aqui exposto é apenas um caminho, dentre inúmeros outros, de construção do amanhã. Se quis apenas fazer lembrar que outros futuros são sempre possíveis, para além da obstinação em se agarrar às seguranças conquistadas no presente. E é claro que construir o futuro sonhado requer engenho e arte: talento. Provavelmente irá requerer também alguma dose de sorte. Ou seja, é incerto. Requer fundamentalmente, porém, algo que tem andado escasso: firmeza de propósitos, valores, determinação para fazer o correto e não apenas o que seja conveniente.
Vale então reiterar: nada do que foi proposto aqui teve a pretensão de fazer crer que não haverá perdas, ou que sacrifícios não precisarão ser feitos.
O Brasil sempre foi um país em que a riqueza e o bem-estar existem para ser apropriados por detentores de poderes econômicos em compadrio com detentores dos poderes de Estado (ter Paulo Maluf virado ficha-limpa foi apenas um evento recente). Transformar o Brasil num país em prol da totalidade da sua população não tem como ser um processo asséptico e indolor. Assim, mais que falar em perdas ou sacrifícios cabe entender que se trata de uma verdadeira travessia. O que está agora em jogo por meio das escolhas de alguns dos agentes do governo e do Estado é muito mais que o destino deles (governo e Estado), é o destino do Brasil enquanto nação, é a definição de que país iremos ser. Ser ou não ser esse Brasil, eis a questão. Uma nação que se faz senhora do seu próprio destino assume, conscientemente, que empreender a travessia custa preços a serem pagos.
Estará o destino do Brasil em risco por uma canetada? Os defensores do status quo dizem que sim, caso a canetada seja dada. Nós (me permito usar o plural) dizemos que sim, caso ela não seja.


Ruben Bauer Naveira tem 52 anos, é pai de dois filhos, tricolor de coração e cidadão brasileiro, e agradece a Antonio Sales de Melo e Fabiano Barros da Rocha pela crítica e revisão deste artigo.



[1] Ver http://globotv.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/t/todos-os-videos/v/procuradores-falam-da-importancia-de-que-os-envolvidos-em-esquema-continuem-presos/3825910/ ; a fala do procurador Dallagnol está a partir de 1’27”.