sábado, 31 de janeiro de 2009

Jornal Zero Hora, Porto Alegre, uma entrevista com Roberto Romano e Emir Sader.

01 de fevereiro de 2009 | N° 15866AlertaVoltar para a edição de hoje

CRISE DIPLOMÁTICA

Intelectuais se alistam para o front

Pensadores e artistas compram briga sobre refúgio a italiano

Num sinal de que os políticos têm dificuldade ou medo de se posicionar em casos polêmicos, o centro do ringue da controvérsia sobre a concessão de refúgio ao italiano Cesare Battisti, 54 anos, foi ocupado por intelectuais da América Latina e da Europa.

Diferentemente de outros casos, o de Battisti produziu alinhamentos que nem sempre seguem filiações ideológicas ou simpatias políticas. Nessa guerra de estrelas, argumentos são expostos em longos documentos, às vezes com centenas de assinaturas.

O bastião dos defensores de Battisti é a França, que deu abrigo ao italiano por mais de 10 anos sob a bênção do presidente François Mitterrand (1916-1995). Entre os amigos franceses do ex-militante, está o filósofo Bernard-Henri Lévy. Em carta ao Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça, Lévy diz ser contrário a qualquer forma de violência na luta política, mas pede um novo julgamento que permita a Battisti “poder fazer face, pessoalmente, ao seu passado e ao seu destino”. Outras duas escritoras francesas, Lucie Abadia e Fred Vargas, também se destacam na defesa do ex-militante.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu o refúgio, recebeu um abaixo-assinado com cerca de 400 signatários, entre eles professores, escritores e representantes de ONGs, como o arquiteto Oscar Niemeyer. “O revanchismo punitivo com relação à década revolucionária de 1970, na Itália, não é democrático e é retrocesso político”, diz o documento.

O fundamento jurídico da campanha pró-Battisti foi fornecido pelo jurista Dalmo Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “Além de só haver como prova as palavras do delator (Pietro Mutti, ex-chefe dos PAC), dois desses crimes foram cometidos no mesmo dia, em horários muito próximos e em lugares muito distantes um do outro, de tal modo que seria impossível que Battisti tivesse participado efetivamente de ambos os crimes”, argumentou.

Os defensores da extradição do ex-guerrilheiro argumentam que, diferentemente de países latino-americanos, a Itália não vivia sob um regime de exceção no momento em que os crimes que levaram às condenações de Battisti foram cometidos e vive ainda hoje sob Estado de direito. Ao conceder o refúgio, Tarso argumentou com “fundado temor de perseguição”, insinuando que o país europeu poderia não ter fornecido ou vir a fornecer garantias individuais ao ex-guerrilheiro.

– Foi esquerdismo do ministro, sem respeitar o Conare e a democracia italiana, que tem todo o direito de se sentir ofendida – diz o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Cúpula do Fórum Social evita se posicionar sobre caso

O historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, ressalta que Tarso colocou em xeque o mesmo Estado que é sempre louvado no Brasil por conta da Operação Mãos Limpas, responsável pela desarticulação da máfia na década de 90.

– Não houve supressão de liberdades e julgamentos sumários na Itália. Tarso deveria voltar aos bancos escolares e aprender um pouco sobre história recente – diz Villa.

Até mesmo o jornalista ítalo-brasileiro Mino Carta, diretor da revista Carta Capital e simpatizante do governo Lula, protestou em artigo contra a decisão de Tarso. Na cúpula do Fórum Social Mundial, que se reúne até este domingo em Belém, no Pará, o assunto é polêmico. Quando o caso veio à tona no dia 10 de janeiro, a programação do Fórum estava pronta, e alguns integrantes do conselho do evento desencorajaram a inclusão do tema no programa oficial por considerá-lo fora do foco dos debates.

– Não é só a direita raivosa da Itália que está reagindo ao refúgio. Nossos parceiros italianos de várias organizações de esquerda têm o maior problema com esse caso. Há um espectro bastante amplo de forças reagindo – diz o sociólogo Cândido Grzybowski, membro do conselho.

Para Villa, o governo Lula quis fazer um aceno para uma “esquerda perdida”:

– As liberdades democráticas devem ser pensadas independentemente de país, governo ou linha política.

leandro.fontoura@zerohora.com.br

LEANDRO FONTOURA

CRISE DIPLOMÁTICA

“Seria mais prudente deixar o STF decidir”

Entrevista: Roberto Romano, filósofo e professor da Unicamp

Doutor em filosofia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, na França, e professor de ética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano afirma que o ministro da Justiça, Tarso Genro, foi influenciado por questões políticas na decisão de conceder refúgio ao ex-ativista de extrema esquerda Cesare Battisti.

Zero Hora – Como o senhor é contrário ao refúgio a Cesare Battisti?

Roberto Romano
– Sou contrário a essa medida. Creio que seria mais prudente deixar o Supremo Tribunal Federal decidir. Não haveria esse desgaste do Executivo, que tem primado por uma política externa bastante complicada, para dizer o mínimo.

ZH – O caso está contaminado por questões políticas?

Romano
– Por todos os lados. Na Itália, há um trabalho muito sério da Justiça e da promotoria, que é perfeitamente fiável para qualquer cidadão do mundo. Mas, nessa grita, é possível reconhecer vozes de movimentos conservadores e muitos ligados ao fascismo. Do lado da esquerda, também há pessoas que se recusam a analisar o contexto histórico e a aceitar a possibilidade de alguém ser condenado por assassinato. Perde quem entra no debate de forma apaixonada.

ZH – Como o senhor analisa a controvérsia em relação ao julgamento na Itália?

Romano
– Quando se diz que Battisti não teve direito à defesa por causa da delação premiada, é preciso lembrar que boa parte da máfia e dos políticos corruptos foram parar na cadeia por causa desse mesmo procedimento. Nenhum deles veio a público dizer que estava sendo perseguido politicamente.

ZH – Os defensores de Battisti dizem que o Brasil tem tradição de oferecer asilo a ex-ditadores como Alfredo Stroessner. Como o senhor analisa isso?

Romano
– Não podemos igualar situações diversas. Esse ditador não foi julgado, fugiu do seu país após ter feito atrocidades. No caso Battisti, houve o processo devido. Por isso, seria muito mais tranquilo para o Brasil se o ministro tivesse encaminhado o assunto para o Supremo. Certamente as instâncias judiciais italianas tomariam mais cuidado ao atacar uma decisão do Judiciário brasileiro.


01 de fevereiro de 2009 | N° 15866AlertaVoltar para a edição de hoje

CRISE DIPLOMÁTICA

“É um direito universal que tem de ser respeitado”

Entrevista: Emir Sader, cientista político

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Emir Sader defende o refúgio a Battisti:

Zero Hora – Por que o senhor é favorável ao refúgio a Cesare Battisti?

Emir Sader
– Porque é um direito universal absoluto que tem de ser respeitado. Quem está contra o refúgio é que tem de alegar. Os três maiores terroristas de direita italianos estão no Exterior, com refúgio. O mais assassino de todos (Delfo Zorzi, que responde a processo por atentado em Brescia, em 1969, que causou oito mortes) está no Japão e recebeu cidadania japonesa. O governo italiano pediu extradição e não deram. O governo ficou quietinho, não fez nenhum escândalo. Por quê? Porque eles diferenciam os terroristas. Querem criminalizar os de esquerda e absolver os de direita.

ZH – Os críticos da decisão do Ministério da Justiça alegam que a Itália era uma democracia e tinha um Judiciário independente.

Sader
– Não interessa. É um direito universal. Não interessa o caráter do regime. Houve direito de refúgio (para Battisti) na França. Toni Negri (filósofo italiano) foi refugiado na França.

ZH – A condenação de Battisti foi confirmada em todas as instâncias judiciais italianas, em cortes francesas e na Corte Europeia de Direitos Humanos. É possível que todas essas instituições tenham errado?

Sader
– Não está em questão o fato de ele ser ou não inocente. É o direito de asilo. Fui asilado no Exterior e não estava em jogo se eu havia cometido algum crime de segurança nacional. Eu tinha o direito. Não estamos julgando a natureza das ações da pessoa.

ZH – Como o senhor analisa as acusações de que Tarso teria agido sob influência de questões políticas?

Sader
– Nada disso. A imprensa brasileira faz o impossível para prejudicar o governo Lula. Qualquer coisa. Se fosse Fernando Henrique Cardoso, não teria nada disso. É uma ditadura privada da mídia. É uma visão provinciana e estreita.

O Blog Pérolas Extra. É um tanto amargo notar que até os, digamos, digamos, não acham graça na coisa.
















Deu na Carta Capital

Caso Battisti - E que esperava o ministro Tarso?

De Mino Carta:

Consta que Cesare Battisti há anos escreve romances policiais. Arrisco que o melhor é sua própria história. Concluída pelo happy ending de filme hollywoodiano, graças ao governo brasileiro, disposto a atender aos apelos da gauche caviar, como se diz em Paris, a dos representantes do chique radical.

Recordo um programa do rádio brasileiro que me encantava a adolescência, contemporâneo da PRK 30 de Lauro Borges e Castro Barbosa, de uma graça hoje inconcebível. Era o contraponto de outro programa, grave e compenetrado, conduzido por um locutor chamado Gastão, a quem cabia entrevistar o doutor Leite de Barros para evocar casos remotos e próximos de crimes memoráveis. A conclusão vinha pela voz de barítono do doutor: "Sim, Gastão, o crime não compensa". A história de Battisti teria de seguir pelo rumo oposto.

O APRENDIZADO. Há uma ficha detalhada da polícia italiana de um jovem cidadão nascido em Cisterna Latina, região do Lazio, em 1954. Aos 18 anos, a 13 de março de 1972, Cesare é preso pela primeira vez por furto agravado. Dois anos depois, a 19 de junho, preso novamente por lesões pessoais agravadas. Preso ainda a 2 de agosto de 1974, por rapina agravada e sequestro de pessoa. Denunciado a 25 de outubro do mesmo ano por desfrutamento de incapaz (por debilidade mental ou menoridade) para a prática de atos libidinosos. Preso em Udine, norte da Península, em 1977, por rapina. Admitamos, não é uma ficha enaltecedora do caráter e das tendências de qualquer um.

A CONVERSÃO. No cárcere de Udine, Battisti conhece Arrigo Cavallina, preso por eversão, que o doutrina a respeito dos objetivos da luta revolucionária. O nosso herói encontra uma grande motivação. Sai da prisão ainda em 1977 e passa a militar no PAC, Proletariados Armados para o Comunismo. Primeira ação revolucionária: a 6 de junho de 1978, Battisti e sua namorada da época, Enrica Migliorati, universitária de 20 anos, assassinam Antonio Santoro, carcereiro na prisão de Udine, na porta de sua casa. Atingido nas costas, quem atira é Battisti. Santoro deixa mulher e três filhos. Por ocasião de um interrogatório, ex-noiva de Battisti, Maria Cecilia B., atualmente professora universitária, declarou: "Na primavera de 1979, Battisti, ao descrever a sensação experimentada ao matar alguém e, sobretudo, ao ver sair o sangue de um homem baleado, referiu-se ao assassínio de Santoro para se declarar um dos seus autores".

O ASSASSINO E O ARREPENDIDO. Seguem-se os demais assassínios que levam à condenação de Battisti, julgado à revelia. A 16 de fevereiro de 1979, do joalheiro Pierluigi Torreggiani (cuja joalheria foi assaltada e depenada em nome de uma "expropriação proletária") e do açougueiro Lino Sabbadin, ambos réus por terem morto a tiros dois assaltantes. A 19 de abril, morre debaixo dos tiros do PAC o agente Andrea Campagna. Pouco mais de dois meses após, Battisti é preso em Milão. Mais dois anos. A 4 de outubro de 1981, um commando terrorista ataca o cárcere de Frosinone, onde Battisti se encontra, e ele evade, em companhia de um camorrista.

AS FUGAS. Battisti foge para a França, depois para o México, enfim volta a Paris em 1990, onde em novembro é preso ao preparar uma rapina. Libertado em abril de 1991, alega sua condição de refugiado político e se vale da chamada Doutrina Mitterrand, que oferece abrigo a este gênero de foragidos, ditos políticos. Caduca a Doutrina com o advento de Chirac, e em 2003 a Itália solicita novamente sua extradição. A 10 de fevereiro de 2004 é preso novamente, um ano após é destinado à prisão domiciliar. Em seguida, a Justiça francesa dá sinal verde para a extradição. É quando ele foge para o Rio de Janeiro, ponto final de criminosos verdadeiros e de ficção, a 21 de agosto de 2004. Para enfim cair nas malhas da polícia brasileira, a 18 de março de 2007. É material para um enredo de cortar o fôlego. Muito instrutiva para entrar nos detalhes a leitura de uma reportagem assinada por Giacomo Amadori na revista Panorama, edição 29/1.

A AFRONTA. De saída, uma pergunta: compete a um ministro da Justiça de um país democrático contestar a sentença passada em julgado do tribunal de outro país democrático? Esta pergunta aqui já foi formulada, mas vale repeti-la, a bem da razão e do direito internacional. Digamos que o processo que condenou Battisti sofra de vícios irreparáveis. Quem é, porém, o ministro da Justiça do Brasil, a não ser aos olhos dos patriotas de ocasião, para afrontar o Estado de um país amigo e democrático que ostenta uma tradição jurídica milenar?

Estabelecida a premissa, outras considerações se avolumam. Os argumentos da decisão brasileira são insustentáveis, em primeiro lugar porque provam a ignorância da história recente da Itália e peremptoriamente negam a capacidade do Estado italiano de proteger seus carcerados. Trata-se de ofensa gravíssima, e ao ser praticada demonstra, além da desinformação, a insensibilidade política e diplomática. Não vale a pena insistir na inconsistência das motivações. Vale, entretanto, registrar que um dos argumentos brandidos alude a um delator sumido debaixo de identidade falsa, que jogou lenha na fogueira para salvar a própria pele. Pois Pietro Mutti, o arrependido, não desapareceu depois de oito anos de cárcere, e hoje é um operário com identidade intacta, disposto a insistir na sua denúncia, como relata Amadori na Panorama.

Já Arrigo Cavallina, aquele que converteu Battisti à causa do PAC, recusou-se ao arrependimento, mas hoje afirma: "A meu respeito, Mutti disse coisas substancialmente verdadeiras, não entendo por que teria de denegrir Battisti. Quando ouço que o Cesare faz o papel de vítima do outro lado do mundo, tenho de sorrir".

Outro argumento demolido pela reportagem de Panorama é o de que Battisti não teve assistência judicial correta. Muito pelo contrário, sempre teve em todas as ocasiões, na Itália e na França, sem contar a qualidade de promotores como Pietro Forno e Armando Spataro. Este define Battisti como "assassino puro".

A REAÇÃO DA ITÁLIA. Aqui não há surpresas. A afronta não foi perpetrada contra um governo, contingente como todos os governos democráticos, e agora entregue a uma figura medíocre, caricata e, segundo CartaCapital, voltada exclusivamente para os seus interesses pessoais de homem mais rico da Itália. Não é por acaso que quem escreveu para o presidente Lula foi o presidente Giorgio Napolitano, ou seja, o representante do Estado em um país de regime parlamentarista. Como temíamos, a crise diplomática fermenta e Roma retira seu embaixador no Brasil, Michele Valensise. Em outros tempos uma decisão deste porte seria prenúncio de guerra, mas hoje é pelo menos muito grave.

De certa forma, um esclarecimento em relação ao revide italiano vem nas declarações do chanceler Franco Frattini, ao afirmar que "Battisti não merece o status de refugiado". E acrescenta que o Brasil "é país amigo da Itália desde sempre", donde o espanto e a repulsa. A Itália não esperava por esta atitude do Brasil, "daí a reação tão grave", esclarece Frattini.

Aprovada, diga-se, de um lado a outro do cenário político italiano. Walter Veltroni, comunista histórico das levas mais recentes e líder do Partido Democrático, de oposição a Berlusconi e herdeiro do PCI, propõe uma "moção comum" do Parlamento "porque, neste caso, o país deve ficar unido".

OS FINALMENTES. Nos próprios corredores do Planalto admite-se a possibilidade de que o Supremo venha a declarar inconstitucional a decisão do ministro da Justiça. Neste caso, a questão teria de ser administrada diretamente pelo presidente da República. Lula seria capaz de voltar atrás? A considerar os eventos que se seguiram ao anúncio da extradição negada, CartaCapital tem sérias dúvidas a respeito.

Um caminho a ser seguido pela Itália, o de recurso à Corte de Haia, já está a ser definido, e o tribunal internacional seria solicitado por "violação dos direitos humanos", fórmula perigosa porque, se aceita, não deixaria de criar sérios embaraços para a política exterior brasileira. A Corte, faz dois anos, manifestou-se a favor da extradição.

Não nos tira o sono o cancelamento da viagem do premier Berlusconi ao Brasil, antes agendada para março próximo. Pesam mais as considerações da The Economist, na sua última edição. Diz o semanário mais influente do mundo que as razões apresentadas "para proteger Battisti" não convencem e define como "anacrônica" a tradição do País de dar asilo a figuras contraditórias como Alfredo Stroessner e Oliverio Medina.

Enfim, toca em um ponto que coincide com o pensamento de CartaCapital: como é possível que o governo abrigue um ex-terrorista, e tanto mais alguém que cometeu seus crimes à sombra de um disfarce ideológico, enquanto teme punir os torturadores do Terror de Estado gerado pela ditadura?

Permanece o mistério: por que o Brasil negou a extradição? Arriscamos um palpite: Battisti serve a uma manobra para recompactar o PT, estilhaçado por refregas internas, recentes e nem tanto, na perspectiva das eleições de 2010.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Citação deste professor no Editorial do Estado de São Paulo, hoje.

30/01/2009


Editorial : Anistia para a Itália

Para o ministro da Justiça, Tarso Genro, "não existe crise entre Brasil e Itália". Mas, mesmo não enxergando qualquer dificuldade diplomática que tenha surgido entre os dois países, mesmo não dando importância alguma ao fato de o embaixador italiano no Brasil ter sido chamado a Roma - o que na linguagem da diplomacia indica grave contrariedade de um país a atitudes tomadas por outro - e mesmo se sentindo inteiramente respaldado pela decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) haverá de tomar, contra a extradição de Cesare Battisti - no que se revela verdadeiro "profeta judicial", capaz de saber por antecipação o que decidirão os membros do Pretório Excelso -, nosso ministro da Justiça dá mostras de ter descoberto a causa original de toda a, digamos, frustração italiana, exacerbada pelo affaire Battisti: é que, ao contrário do que houve no Brasil, a Itália não contou, até agora, com uma lei de anistia (!!!).

Tentando "esfriar a crise" (para ele inexistente), no que obedece à orientação do presidente Lula - para quem a melhor coisa a fazer para superar o entrevero diplomático é adotar, unilateralmente, a postura de "fim de papo" -, Tarso Genro se dispõe a oferecer aos italianos sua reflexão jurídico-sociológica sobre o problema que sofre o país europeu, quanto à forma de lidar com o terrorismo havido em seu território na década de 1970. Disse ele: "Acho que esse, realmente, é um caso doloroso para a sociedade italiana. Como a Itália não teve uma lei de anistia, essas graves questões, dos anos 70, ainda não são cicatrizadas." Que este seja um "caso doloroso" para a sociedade italiana não resta a menor dúvida. Só que parece, no mínimo, uma impertinência uma autoridade governamental de outro país, que contribuiu gratuitamente para agravar essa dor - a não ser que não se considere gratuito o que tem motivação ideológica -, fazer interpretações como as perpetradas pelo ministro Genro.

Cada vez se torna mais claro que a concessão de refúgio ao criminoso italiano Cesare Battisti se deu por motivação "partidária e ideológica", como a avaliou o professor Roberto Romano: "Neste episódio, como tem sido a norma no governo Lula, o Brasil abriu mão de sua tradição diplomática. O Itamaraty sempre teve pauta independente do presidente, sobretudo de sua ideologia. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional."

Com efeito, se houvesse uma preocupação apenas técnico-jurídica em tratar do caso de um condenado de país estrangeiro (uma plena democracia, sempre é bom lembrar), que cometeu quatro homicídios entre 1978 e 1979, que já estava preso por delito comum quando foi cooptado pelo movimento Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), e em razão dos assassinatos recebeu pena de prisão perpétua, o Ministério da Justiça brasileiro deveria atentar para a decisão insuspeita da Corte Europeia de Direitos Humanos (de Estrasburgo) que validou de modo inquestionável aquela condenação, por decisão unânime, prolatada em 12 de dezembro de 2006 - confirmando ter sido respeitado o devido processo legal, a defesa regular do réu, por advogados, assim como seu conhecimento de todos os procedimentos judiciais (mesmo sendo revel).

Não se contentando em recusar qualquer hipótese de rever a decisão tomada de conceder status de refugiado a Cesare Battisti (o que lhe é de direito), o ministro Genro vai além: quase chega a aconselhar aos italianos que façam uma lei de anistia (como fizemos), no que compara o sistema de governo italiano pós-fascismo ao da ditadura militar (que tivemos). Por outro lado, referindo-se a essa sua polêmica decisão, assevera: "Agora, o Supremo vai decidir quais os efeitos dessa decisão, mas não é o caso de examinar o mérito, e, sim, a constitucionalidade da norma que outorga ao ministro o direito de conceder refúgio e interrompe o processo de extradição." Quer dizer, o ministro Genro já delimita a órbita de atuação do STF, no caso, desqualificando-o para um eventual julgamento de mérito. Percebe-se, assim, que a generosidade dos doutos ensinamentos do jurista Tarso Genro não se restringe a aconselhamentos de lege ferenda a uma democracia europeia (à qual propõe uma lei de anistia), mas estende-se à mais alta corte de Justiça de nosso País, instruindo-a sobre como e o que deve julgar...

E NA MESMA REVISTA PANORAMA...

Panorama.it canale Italia


Battisti: “Ecco i nomi degli assassini”

“Non sono responsabile per nessuna delle morti di cui sono accusato e so che il dolore che hanno causato è immenso ancora oggi”: dal carcere di Papuda, vicino Brasilia, dove è detenuto, Cesare Battisti si dichiara innocente e, in una lettera resa nota dai suoi avvocati, fa i nomi di quelli che indica come responsabili degli omicidi per i quali è stato condannato in Italia. La lettera (quattro pagine, scritta a mano in portoghese, con qualche errore di grammatica e qualche cancellatura) ha la data odierna e porta la firma dello stesso ex terrorista, sia in corsivo sia in stampatello.

La lettera. Il testo si apre in questo modo: ‘’Amici giornalisti, sono sicuro che comprendete la mia difficile situazione che sto vivendo da quando ho saputo della concessione dell’asilo politico in Brasile e sono rimasto agli arresti'’. Nella lettera l’ex terrorista afferma che i responsabili degli omicidi per i quali è stato condannato sarebbero quattro suoi ex compagni dei Pac (Proletari armati per il comunismo), con lui condannati, mentre lui stesso sarebbe innocente. Il colpo che ferì e rese invalido il figlio del gioielliere Torregiani, sempre secondo Battisti, sarebbe partito invece dall’arma del padre del ragazzo. Dopo aver ribadito i principali punti della linea difensiva adottata dai suoi legali, l’ex terrorista afferma che “è provata la responsabilità degli omicidi, specialmente quello del gioielliere Pier Luigi Torregiani”, del quale - scrive - “sappiamo dalle autorità italiane che gli autori sono le seguenti persone: Memeo, Fatone, Masala e Grimaldi, tutti collaboratori di giustizia, ‘pentiti’, e che la pallottola che colpì il figlio del gioielliere Torregiani proveniva dalla pistola di suo padre”. I quattro chiamati in causa da Battisti sono Gabriele Grimaldi, Sebastiano Masala, Giuseppe Memeo e Sante Fatone, processati con lui per omicidio a banda armata. “La persona che mi ha accusato è stata torturata”, scrive ancora Battisti, senza farne il nome. Nella lettera, l’ex membro dei Pac ringrazia ‘’lo sforzo del senatore (Eduardo) Suplicy, della mia amica Fred Vargas e dei miei avvocati per avermi messo in contatto con la stampa”. Battisti esprime infine sentimenti di “ansietà, tensione e nervosismo” a causa - spiega - della “difficile situazione che sto vivendo dal momento che ho saputo della concessione dell’asilo politico in Brasile e continuo agli arresti”. “Spero che la mia situazione venga compresa” conclude Battisti nella lettera “e che io possa vivere in liberta, con la mia famiglia gli ultimi anni della mia vita”.

Gli accusati. I quattro, in particolare - in qualità di componenti dei Pac, i Proletari armati per il comunismo - sono stati definitivamente condannati quali responsabili dei quattro omicidi attribuiti a Battisti e ai Pac: quelli del gioielliere Pierluigi Torregiani e del macellaio Lino Sabbadin, avvenuto nello stesso giorno, il 16 febbraio 1979, il primo a Milano ed il secondo a Mestre (Venezia) e quelli del maresciallo degli agenti di custodia Antonio Santoro, ucciso a Udine il 6 giugno 1978, e dell’agente della Digos Andrea Campagna, assassinato a Milano il 19 aprile 1978. Torregiani e Sabbadin furono condannati a morte dai Pac perché entrambi, reagendo a tentativi di rapina, avevano ucciso due banditi.

Grimaldi, Memeo, Masala e Fatone (quest’ultimo gravemente ferito alla testa in uno scontro a fuoco con i carabinieri il 15 giugno 1984) sono stati condannati a pene variabili dopo una lunga vicenda processuale: hanno poi ottenuto la semilibertà, essendosi alcuni pentiti (in particolare Fatone), altri dissociati dalla lotta armata.

La sentenza dell’omicidio Torregiani. Nel verdetto è fornita anche una ricostruzione del delitto e del ruolo svolto da alcuni degli imputati citati oggi dall’ex terrorista che si trova in Brasile. “Alle ore 15 del 16 febbraio 1979″ si legge nella sentenza “mentre a piedi in compagnia dei due figli minori si dirigeva verso il proprio negozio, Pierluigi Torregiani cade vittima di un agguato. Due giovani (Memeo e Grimaldi) che lo precedevano, voltandosi improvvisamente, sparano due colpi contro di lui; il giubbotto antiproiettile, attutendo l’impatto, gli consente di difendersi a sua volta. Viene nuovamente colpito, questa volta al femore, e crolla a terra. Spara ancora contro gli aggressori, ma un proiettile colpisce il figlio, ferendolo gravemente; il gioielliere viene infine colpito alla testa. Trasportato all’ospedale, vi arriverà cadavere; il figlio resterà paraplegico ed incapace di camminare” per le conseguenze di un colpo di pistola partito dall’arma del padre nel tentativo di difendersi, circostanza ribadita da Battisti.

NOTÍCIAS COMO ESTA DEVEM SER LIDAS, SEMPRE QUE IDIOTAS ITALIANOS, EM RESPOSTA À IDIOTIA BRASILEIRA, FALAM BOÇALIDADES SOBRE "O" BRASIL. É BOM RECORDAR A PRUDENTE LIÇÃO: EM IDEOLOGIA E POLÍTICA, NÃO EXISTEM LOBO MAU OU CHAPEUZINHO VERMELHO. QUEM SE COMPRAZ EM ESCULHAMBAR A NOSSA GENTE, DEVERIA TER UM POUCO DE DESCONFIANÇA SOBRE OUTROS POVOS. O que diriam os italianos se um deputado brasileiro, tão idiota quanto o que disse ser o Brasil conhecido por suas dançarinas (ou seja, prostitutas) e não por seus juristas (recordo aos que tem orgasmos com tais ditos, figuras eminentes como Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e o conservador, mas culto e íntegro Miguel Reale, entre muitos juristas que pagaram com suas vidas o saber que tentaram aplicar contra um Estado de exceção, o militar) que "a Itália é mais conhecida por seus ladrões de orgãos do que por seus políticos honestos" ? RR


PANORAMA

Maroni: in Italia traffico di organi di minori

Roberto Maroni

“Abbiamo delle evidenze di traffici” di organi “di minori che sono presenti e sono stati rintracciati in Italia’”. Lo ha detto il ministro dell’Interno, Roberto Maroni, intervenendo all’assemblea annuale dell’Unicef a Roma.
Maroni ha parlato dei mezzi di contrasto del fenomeno: “uno dei mezzi più efficaci che useremo adesso sarà l’attuazione di un accordo internazionale, quello di Prum, che istituisce in Italia la banca dati nazionali del Dna, come anche negli altri paesi europei. Potremo contrastare meglio il fenomeno con questi strumenti”.
Parlando poi dei giovanissimi immigrati sbarcati a Lampedus, il ministro ha aggiunto: “Tutti i minori che sono sbarcati a Lampedusa sono già stati prelevati e portati nelle comunità”.
Il ministro ha spiegato che tra ministero dell’Interno e Comuni italiani c’è “una collaborazione molto efficace per assegnare questi minori a comunità familiari che li tengono, accudiscono, e li fanno crescere. Nessuno di loro - ha concluso - viene espulso e vengono tutti accolti con grande ospitalità dalle famiglie italiane”.

Le evidenze del traffico si spiegano secondo Maroni con l’analisi incrociata dei dati sui ragazzi extracomunitari scomparsi dopo esser arrivati a Lampedusa e le segnalazioni relative al traffico d’organi inviate dai paesi d’origine alla polizia italiana tramite Interpol. La traccia del traffico d’organi, ha aggiunto Maroni, è rintracciabile “negli esposti provenienti da diversi paesi del mondo che nel corso degli anni, e anche nel 2008, sono stati portati all’attenzione della polizia italiana, che ha iniziato un’attività di indagine”. Evidenze, inoltre, che “si incrociano con un dato che è assolutamente negativo e molto preoccupante e che riguarda i minori extracomunitari che spariscono ogni anno in Italia”. Il titolare del Viminale cita il dato relativo al 2008: “su 1.320 minori approdati a Lampedusa l’anno scorso, ovviamente portati da qualcuno, circa 400 sono spariti. Di loro non abbiamo più notizie. Incrociando questo dato con alcuni esposti sul traffico di organi, arrivati dai paesi d’origine di questi minori, possiamo ritenere che il fenomeno tocchi anche il nostro paese”.
Per questo Maroni ha ribadito che solo con la banca dati del Dna si può affrontare e risolvere il problema. “Oggi gli strumenti a disposizione non ci consentono di accertare se effettivamente la scomparsa di questi minori sia da mettere in relazione ad un traffico di organi” spiega il ministro “Saremo in grado di farlo appena il Parlamento approverà il trattato di Prum, già approvato al Senato: l’istituzione della banca dati del dna ci consentirà di prelevare il codice genetico ai minori in modo da poter incrociare i dati con certezza e proteggerli meglio”.

La rete trapiantologica italiana è “sicura ed estranea al fenomeno del traffico di organi, ma è stata allertata” alla luce di traffici connessi a paesi extraeuropei. Questa la risposta del direttore del Centro nazionale trapianti (Cnt), Alessandro Nanni Costa alle affermazioni del ministro Maroni. “Nessun organo con provenienza sconosciuta può entrare nella rete trapiantologica italiana”. “Tutti gli organi prelevati nelle rianimazioni italiane e utilizzati nei centri trapianto hanno un percorso dal donatore al ricevente chiaramente definito e immediatamente rintracciabile”. La rete è stata però allertata, ha aggiunto il direttore del Cnt, proprio alla luce del fenomeno del traffico di organi a a livello internazionale: “Abbiamo avvisato i centri trapianto di mettersi in contatto immediatamente con le autorità competeneti e il Cnt qualora si presentassero pazienti richiedenti cure con organi già trapiantati in stati fuori dall’Europa e di provenienza incerta”.

Resposta canalha a uma política idiota.

Comentário: é a isto que eu chamo atitude racista e canalha. Trata-se de um mentecapto da pior espécie. Infelizmente devo usar tais termos chulos, dada a grosseria do emitente da "opinião". É a este ponto que somos levados pelo governo (suposto) do PT, com suas ignaras intervenções na diplomacia e na ordem interna. Sua Excelência nos levou ao bate boca com desqualificados e fascistas, quando tentou dar lições jurídicas ao Judiciário italiano.

Mas o idiota da Itália (à altura dos idiotas brasileiros) não menciona que Sua Excelência cita, como base de seu juízo, um jurista muito em voga na Itália e na Europa, ou seja, Carl Schmitt. De qualquer modo, os brasileiros honestos não merecem receber preconceitos de indivíduos desqualificados éticamente que, de outras culturas, só recolhem o que fazem. É bom recordar que senhores italianos tem o costume exótico de usar crianças em turismo sexual, não apenas no Brasil mas no mundo. É daí, com certeza, que vem a idéia torta de que um país de quase 200 milhões de pessoas só tem samba, Lula e Kaká para oferecer ao mundo.

Sem nenhum sentimento de xenofobia ou anti italianismo recordo aos que adoram debochar do Brasil que, segundo pesquisa efetivada por uma agência séria (aliás, sem similar no resto do país), a Fapesp, a produção científica e técnica do Brasil (se considerado o espaço que vai da Bahia até o Rio Grande do Sul) é similar à da Itália, Austria, e outros países europeus. Quem ignora isto, no Brasil ou na Itália, é tão apedeuta quanto os quadros políticos dirigentes que desgraçam o nosso país. Boçais, no Brasil ou na Itália, se valem e se equivalem.

Roberto Romano

Folha on line


30/01/2009 - 19h05
'O Brasil é conhecido por suas dançarinas, e não por seus juristas', diz deputado italiano

Em Roma
O deputado Ettore Pirovano, do partido conservador Liga Norte, ironizou o trabalho de juristas brasileiros nesta sexta-feira ao comentar o refúgio político concedido ao ex-militante de esquerda Cesare Battisti.

Pirovano criticou duramente o ministro da Justiça, Tarso Genro, por suas declarações à imprensa brasileira de que a Itália ainda vive fechada em seus "anos de chumbo".

"Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas. Portanto, antes de pretender nos dar lições de Direito, o ministro da Justiça brasileiro faria bem se pensasse nisso não uma, mas mil vezes", disparou o deputado governista.

Pirovano lembrou também que ainda vivem no Brasil ex-agentes do regime nazista, e questionou se para eles também vale a regra usada para dar o refúgio a Battisti. Para o deputado da Liga Norte, "cada nação deve pensar em como administrou internamente os próprios critérios de justiça e liberdade".

Pivô de uma grave crise diplomática entre Brasil e Itália, Cesare Battisti foi condenado em seu país à prisão perpétua por quatro assassinatos cometidos, de acordo com a Justiça italiana, entre 1978 e 1979, quando era membro da organização Proletários Armados Pelo Comunismo (PAC).

No último dia 13 de janeiro, o italiano -- que alega inocência -- recebeu do ministro Genro o status de refugiado político, o que impede sua extradição.

Um parecer final sobre o caso será dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro. No começo da semana, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, recomendou à corte a extinção do processo.

Ontem, o ministo Cezar Peluso, do STF, autorizou a Itália a se posicionar sobre o caso. O país terá cinco dias para atender à solicitação.

Ainda na Veja

Brasil
O que ainda não se sabia sobre ele

O terrorista Cesare Battisti teve, sim, amplo direito de defesa e foi delatado por mais de uma pessoa. Tarso Genro concedeu-lhe refúgio ignorando esses fatos, mas os fatos são teimosos


Laura Diniz

Jackes de Marthon/AFP

MATOU E FOI VISTO
A revista italiana Panorama entrevistou Mutti. Ele contou que Battisti matou pessoas. "Eu e ele éramos os únicos operativos do grupo"



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Nesta reportagem
Quadro: As sete derrotas de Battisti

Na Carta ao Leitor de sua última edição, VEJA deu crédito a Tarso Genro, ministro da Justiça, que, depois de "estudo cuidadoso" dos processos italianos, disse não ter encontrado neles provas concretas que colocassem Cesare Battisti na cena dos quatro homicídios pelos quais ele havia sido condenado à prisão perpétua em seu país. Battisti, agraciado por Genro com o status de refugiado político no Brasil, foi um dos líderes do grupo extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), desbaratado há mais de vinte anos pela Justiça italiana graças à delação premiada de Pietro Mutti, um de seus fundadores. A reportagem de VEJA refez na semana passada o mesmo estudo que Tarso Genro garantiu ter feito. Além de ler os autos de cinco tribunais internacionais, a revista entrevistou magistrados italianos diretamente responsáveis pela investigação dos crimes de Battisti. Os resultados obtidos desmentem em sua essência todos os argumentos do ministro da Justiça brasileiro. Havia a possibilidade de Tarso estar certo, mas agora há a certeza de que ele está errado.

Ao contrário do que sustentou Tarso Genro, Battisti teve amplo direito de defesa e as provas contra ele vieram de testemunhos de diversas pessoas, e não apenas da delação premiada de Mutti. O ministro brasileiro colocou em suspeição as confissões de Mutti por duas razões. Primeiro, por entender que ele se beneficiou delas ao pôr toda a culpa sobre os ombros de Battisti. Segundo, porque Mutti estaria vivendo sob identidade falsa e não poderia ser encontrado para eventualmente inocentar Battisti no caso de o processo ser reaberto. Os fatos desmentem Tarso Genro em ambos os casos. Primeiro, Mutti cumpriu oito anos de cadeia por sua parceria terrorista com Battisti e nada teria a ganhar incriminando injustamente o colega, já que delatou o grupo todo. Segundo, Mutti não mudou de identidade e pode ser facilmente encontrado – como efetivamente o foi na semana passada por repórteres da revista italiana Panorama, que, depois de saberem da decisão e dos argumentos do ministro brasileiro, também foram atrás do ex-terrorista para elucidar o caso.

Ficou claro como cristal que:

Battisti teve direito a ampla defesa. O histórico da defesa é narrado em minúcias no documento em que a Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, justifica a decisão de extraditar o terrorista para a Itália.

A condenação de Battisti não se deu com base em um único testemunho. "Numerosos terroristas confirmaram as declarações de Mutti, assim como outras testemunhas", afirmou a VEJA o procurador da República de Milão Armando Spataro. A revista Panorama reproduz o depoimento de uma dessas testemunhas. Maria Cecília B, ex-namorada do terrorista, relatou às autoridades italianas: "Na primavera de 1979, Battisti, ao descrever-me a experiência de matar uma pessoa, fez referência ao homicídio de Santoro (o agente penitenciário Antonio Santoro) indicando a si mesmo como um dos autores". Em documento da Justiça italiana obtido por VEJA, testemunhas oculares relatam a presença de Battisti em dois dos homicídios.

Mutti, o delator premiado, não mudou de identidade nem está desaparecido. Entrevistado por Panorama, relatou como ele e Battisti mataram um agente penitenciário.

A polêmica está longe de terminar. O presidente Lula já disse à Itália que o Brasil não vai recuar da decisão. O governo italiano avisou que vai usar todos os recursos jurídicos para conseguir a extradição. No mês que vem, quando termina o recesso do Judiciário, os ministros do Supremo Tribunal Federal terão de responder a uma pergunta fundamental para o desfecho do caso: pode o Executivo definir se um crime é ou não político, como fez Tarso? A resposta a essa questão é crucial, uma vez que, pela lei brasileira, quem comete crime político tem direito a refúgio e não pode ser extraditado. Assim, se o STF decidir que não cabe ao Executivo, ou seja, a Tarso Genro, decidir sobre a natureza dos crimes de Battisti, a consequência da ação do ministro – a concessão do refúgio – perderá validade. Nesse caso, a decisão de abrigar ou não o terrorista no país ficará a cargo do STF. Estará em melhores mãos.

Na Veja desta semana

Brasil
O MANUAL DA GUERRILHA

Como roubar, fraudar cadastros do governo e até fabricar bombas e trincheiras – está tudo na
cartilha secreta do MST apreendida pela polícia


Otávio Cabral

Beto Figueirôa/JC Imagem/AE
LAÇOS DE SANGUE A invasão de uma fazenda pelo MST (acima) e a marcha de soldados das Farc: guerrilheiros colombianos estão entre os sem-terra

Scott Dalton/AP


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Nesta reportagem
Quadro: A teoria e a prática

A fazenda Estância do Céu era uma típica propriedade dos pampas gaúchos. Localizada em São Gabriel, a 320 quilômetros de Porto Alegre, seus 5 000 hectares eram ocupados por 10 000 bois e 6 000 carneiros que pastavam entre plantações de arroz e soja. O cenário, de tão bucólico, parecia um cartão-postal. Tudo mudou na fria e ensolarada manhã do dia 14 de abril passado. Por volta das 7 horas, 800 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, invadiram a propriedade aos gritos. "Nós ganhamos. Ganhamos dos porcos. A fazenda é nossa." Armados com foices, facões, estilingues, bombas, rojões, lanças, machados, paus e escudos, os sem-terra transformaram a Estância do Céu em um inferno. Alimentos e produtos agrícolas foram saqueados. As telhas da sede da fazenda foram roubadas. Os sem-terra picharam paredes, arrancaram portas e janelas e espalharam fezes pelo chão. Bombas caseiras foram escondidas em trincheiras. Animais de estimação, abatidos a golpes de lança, foram jogados em poços de água potável. Quatro dias depois, quando a polícia finalmente conseguiu retirar os sem-terra da fazenda, só sobravam ruínas.

A barbárie, embora não seja exatamente uma novidade na trajetória do MST, é um retrato muito atual do movimento, que festejou seu aniversário de 25 anos na semana passada. Suas ações recentes, repletas de explosão e fúria, já deixaram evidente que a organização não é mais o agrupamento romântico que invadia fazendas apenas para pressionar governos a repartir a terra. Agora, documentos internos do MST, apreendidos por autoridades gaúchas nos últimos seis anos e obtidos por VEJA, afastam definitivamente a hipótese de a selvageria ser obra apenas daquele tipo de catarse que, às vezes, animaliza as turbas. O modo de agir do MST, muito parecido com o de grupos terroristas, é uma estratégia. A papelada – cadernos, agendas e textos esparsos que somam mais de 400 páginas – é uma mistura de diário e manual da guerrilha. Parece até uma versão rural, porém rudimentar, do texto O Manual do Guerrilheiro Urbano, escrito por Carlos Marighella e bússola para os grupos que combateram o regime militar (1964-1985). Os documentos explicam por que as ações criminosas do movimento seguem sempre um mesmo padrão.

O registro mais revelador sobre a face guerrilheira do MST é formado por quatro cadernos apreendidos pela polícia com os invasores da Estância do Céu em maio passado. As 69 páginas, todas manuscritas, revelam uma rotina militarizada – e bandida. "Muita arma no acampamento", escreveu Adriana Cavalheiro, gaúcha de cerca de 40 anos, uma das líderes da invasão, ligada aos dirigentes do MST Mozart Dietrich e Edson Borba. Em outro trecho, em forma de manual, o texto orienta os militantes sobre como agir diante da chegada da polícia. "Mais pedra, ferros nas trincheiras (...) Zinco como escudo (...) Bombas tem um pessoal que é preparado. Manter a linha, o controle de horas e 800 ml", anotou a militante, descrevendo a fórmula das bombas artesanais, produzidas com garrafas de plástico e líquido inflamável. O manual orienta os militantes a consumir o que é roubado para evitar a prisão em flagrante. Também dá instruções (veja trechos) sobre como fraudar o cadastro do governo para receber dinheiro público. Há até dicas sobre políticos que devem ser acionados em caso de emergência. Basta chamar o deputado federal Adão Pretto e o ex-deputado estadual Frei Sérgio. Ganha um barraco de lona preta quem souber o partido da dupla.

Em seus capítulos não contemplados pelo Código Penal, o manual expõe uma organização claramente assentada sobre um tripé leninista, com doutrinação política, centralismo duro e vida clandestina. Além de teorias esquerdistas, repletas de homenagens a Che Guevara e Zumbi dos Palmares, há relatos de espionagem e tribunais de disciplina. Uma militante, que precisou de "licença" de um mês para fazer uma cirurgia, só foi autorizada a realizar o tratamento com a condição de que ele fosse feito num único dia. Brigas, investigações internas e punições também explicitam o rígido e desumano controle exercido sobre suas fileiras. "Assim como nas favelas controladas pelo narcotráfico, o MST atua como polícia e juiz ao impor e fiscalizar seu código de conduta", afirma o filósofo Denis Rosenfield. Exagero? Talvez não. Dos 800 invasores que depredaram a fazenda Estância do Céu, por exemplo, 673 já foram identificados. Nada menos que 168 tinham passagem pela polícia. Havia antecedentes de furto, roubo e até estupro. "O MST é formado por alguns desvalidos, vários aproveitadores e muitos bandidos", diz o promotor Gilberto Thums, do Ministério Público gaúcho. "Eles usam táticas de guerrilha rural para tomar territórios escolhidos pelos líderes."

Embora raramente sejam expostos à luz, manuais de guerrilha são lidos como best-sellers nos acampamentos. Também no Rio Grande do Sul, berço e laboratório do MST, a polícia apreendeu três documentos que registram o lastro teórico de sua configuração de guerra. O mais recente, apreendido em julho passado, orienta os militantes a "se engajar na derrubada de inimigos estratégicos". Os inimigos, claro, não se resumem aos gatinhos das fazendas ocupadas pelo MST. O objetivo é a "derrota da burguesia", o "controle do estado" e a "implantação do socialismo". O documento lista exemplos de como "interromper as comunicações do inimigo" e "incendiar as proximidades para tornar o ambiente irrespirável". Pode não ser obra do acaso. Há dois anos, um membro das Farc foi descoberto pela polícia em meio aos sem-terra gaúchos. A combinação entre teoria e prática deixa poucas dúvidas sobre os propósitos do MST. O movimento, que seduziu a intelectualidade nos anos 80 e caiu nas graças do povão na década seguinte, está marchando para a guerrilha rural. Diz o filósofo Roberto Romano: "O MST está se filiando à tradição leninista de tomada violenta do poder por meio de uma organização centralizada e autoritária".

Fotos Antonio Scorza/AFP e Dida Sampaio/AE
O CHEFÃO E O PRESIDENTE O comandante-em-chefe do MST, João Pedro Stedile, e o presidente Lula com um boné do movimento: simpatia recíproca, alianças, muitos cargos no Incra para os sem-terra e trégua nos ataques ao governo

A estratégia da guerrilha é um sucesso recente nos pampas graças a sua eficácia. As invasões e os acampamentos têm funcionado em muitos casos. Em novembro passado, após cinco anos de guerra com o MST, o fazendeiro Alfredo Southall resolveu vender a Estância do Céu ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). "Cansei da batalha. Joguei a toalha", desabafa. Suas terras serão transformadas em um assentamento para 600 famílias. O fazendeiro gaúcho Paulo Guerra teve sua fazenda invadida seis vezes desde 2004. Os invasores destruíram uma usina hidrelétrica e 300 quilômetros de cercas. Também queimaram dois caminhões, dois tratores e onze casas, além de abaterem 300 bois. "Minha família se dedica à fazenda há 100 anos. Podemos perder tudo, mas não vamos entregar nosso patrimônio ao MST", diz. Nos últimos dois anos, mais de 600 processos já foram abertos contra militantes do movimento. Uma ação judicial pede que o MST seja colocado na ilegalidade. Enquanto ela não é julgada, porém, os promotores têm conseguido impedir seus integrantes de circular em algumas regiões. "Não se trata de remover acampamentos. A intenção é desmontar bases usadas para cometer reiterados atos criminosos", justifica o promotor Luis Felipe Tesheiner.

O MST passa atualmente por uma curiosa transmutação política. Desde a chegada ao poder de Lula e do PT, aliados históricos do movimento, a sigla abrandou os ataques ao governo federal. A trégua, que beneficia a ambos, permitiu que os sem-terra apadrinhassem vinte dos trinta superintendentes regionais do Incra. É um comportamento muito diferente de quando o MST liderou as manifestações "Fora, FHC" e invadiu a fazenda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002. O terrorismo agora é praticado preferencialmente no quintal de governadores de oposição a Lula, como a gaúcha Yeda Crusius e o paulista José Serra. A reputação do MST acompanha sua guinada violenta. Dez anos atrás, a maioria dos brasileiros simpatizava com a sigla. Agora, a selvageria, aliada à extraordinária mobilidade que levou 14 milhões de pessoas a ascender socialmente nos últimos anos, mudou a imagem do movimento. Pesquisa do Ibope realizada no ano passado mostra que metade dos entrevistados é contra os sem-terra. O MST, hoje, é visto como sinônimo de violência. "As pessoas descobriram que é possível melhorar de vida sem que para isso seja necessário fazer uma revolução", diz o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro. Às vezes é preciso tempo para enxergar o óbvio.

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No Blog It's About Nothing, uma realidade insofismável:

Um amigo meu sempre costuma dizer: "Não adianta, sempre vai existir idiota no mundo!". O triste é que eles andam em bandos e se confraternizam. Mas o fato de ser financiado com dinheiro público, ou seja, o nosso dinheiro, é de embrulhar o estômago.

De Paulo Araújo, vem o texto de Sua Excia. o Ministro da Justiça, concedendo acolhida ao Sr. Cesare Battisti. Analisarei o escrito mais tarde.

Referência: Processo nº. 08000.011373/2008-83
Procedência: Conare
Assunto: Recurso. Negativa. Condição de Refugiado. Carência de Pressupostos.
Interessado: CESARE BATTISTI



I. Relatório

1. Cuida-se de recurso interposto em favor do nacional italiano CESARE BATTISTI, com fulcro no art. 29, da Lei nº. 9.474/97, em face da Decisão proferida pelo Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, que lhe negou o reconhecimento da condição de refugiado ante a carência das hipóteses previstas no art. 1º do mesmo permissivo legal.

2. Alega o Recorrente, em apertada síntese, que integrou Organização político-partidária na Itália durante os chamados “anos de chumbo”, e que é perseguido pelas autoridades daquele país em razão das opiniões políticas disseminadas à época, as quais fundamentaram, inclusive, pedido de extradição em seu desfavor para que seja submetido ao cumprimento de sentenças proferidas em processos que julga eivados de ilegalidade e que resultaram em condenação a prisão perpétua por crimes que assegura não ter cometido.

3. Junta documentos.

4. É o relatório, passo à decisão.


II. Decisão

5. O pedido de reconsideração é tempestivo.

6. Compulsando os documentos constantes dos autos, restou verificado constar processo de extradição passiva executória em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, por meio do qual o Governo da República da Itália colima a entrega do Recorrente para cumprimento de pena perpétua decorrente de duas sentenças criminais naquele país, o qual se encontra suspenso na forma da Lei até final decisão deste processo.

7. A lei nº. 9.474/97, que define mecanismos para a
implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, dispõe em seu art. 1º acerca das
condições em que poderá ser reconhecida a condição de refugiado a um cidadão
estrangeiro, verbis:

Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

8. Por sua vez, o Estado requerente não ofereceu oposição à alegada conotação política aventada quanto aos fatos pelos quais seu nacional é reclamado. Ao contrário, consignou expressamente em sentença que, nos diversos crimes listados, agiu o Recorrente “com a finalidade de subverter a ordem do Estado”, afirmando ainda que os panfletos e as ações criminosas de sua lavra objetivavam “subverter as instituições e a fazer com que o proletariado tomasse o poder” .

9. Vê-se, portanto, que no caso ora em análise impõe-se uma inquietante e crucial questão central: o Recorrente possui fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas? Teria o Recorrente, ademais, cometido crimes políticos, ou sofrido perseguição política que resultasse na constatação de ilícitos criminais por ele não perpetrados?

10. Há que se definir os elementos subjetivo e objetivo do temor a que alude o art. 1º, I, da Lei nº. 9.474/97, o primeiro relativo ao foro íntimo do Recorrente e o segundo relacionado com as razões concretas que justifiquem aquele temor.

11. Para que sejam verificados esses elementos, é necessário, em primeiro lugar, tomar como referência o contexto de turbulência política à época dos supostos delitos em que o Recorrente teria incorrido.

12. A repressão legítima, pelo Estado italiano, à militância de esquerda, que pretendeu, pelas armas, derrubar o regime durante os chamados “anos de chumbo” das décadas de 1970 e 1980, traduz-se por fatos públicos e notórios, sobre os quais não existe qualquer contencioso. É de acentuada convulsão social o momento histórico no qual o recorrente foi condenado pela Justiça italiana, como autor e co-autor de homicídios ocorridos entre junho de 1978 e abril de 1979.

13. Durante esse período, a sociedade italiana e o Estado de Direito na Itália foram assediados por um conjunto de movimentos políticos, ações armadas e mobilizações sociais que pretendiam, alguns deles, a instalação de um novo regime político-social. Na esteira do desmantelamento das políticas da era social-democrata então em declínio1, formaram-se organizações revolucionárias de ação direta que operavam em zonas “cinzentas”, na estreita faixa entre a ação política insurrecional de caráter armado e a ação marginal do “banditismo social”.

14. Como é possível e necessário nos Estados Democráticos de Direito, o Estado italiano reagiu. E o fez não só aplicando normas jurídicas em vigor à época, mas também criando “exceções”, por meio de leis de defesa do Estado, que reduziram prerrogativas de defesa dos acusados de subversão e/ou ações violentas, inclusive com a instituição da delação premiada, da qual se serviu o principal denunciante do Recorrente.

15. Nos momentos de extrema tensão social e política é comum e previsível que passem a funcionar, mesmo no Estado de Direito, aparatos ilegais e/ou paralelos do Estado, comandados por pessoas que se erigem à condição de justiceiros “de fato”, como se representassem o bem público, o que por vezes configura uma forte crise de legalidade: “a lei perde (...) o primado político no sistema”2. Nesses casos, a judicialização da política, paradoxalmente, atinge

1
OUTHWAITE, William; et.al. Dicionário Pensamento Social do Século XX : Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1996. p. 59 relata: “mais bem-sucedido de desenvolvimento econômico capitalista, nos anos 50 e 60, esteve associado a uma grande expansão das atividades econômicas do estado, envolvendo em muitos países a ampliação da propriedade pública e do planejamento econômico, visando mitigar as conseqüências danosas – tanto econômicas quanto sociais – de uma economia de livre empresa e livre mercado inadequadamente regulamentada.”
2
“Mas a crise da lei depende também de outras razões, mais estreitamente jurídicas. A primeira delas, o nascimento das constituições rígidas, das constituições como leis não modificáveis. Uma lei superior, portanto, que as leis comuns devem juridicamente respeitar. Decorre daí um controle de constitucionalidade sobre o conteúdo da demais leis, o que explicita ainda mais a garantia da superioridade da constituição. A lei perde, assim, o primado político no sistema, a despeito de que se mantém ainda como o ato normativo politicamente central para o desenvolvimento do ordenamento. E as constituições confiam às leis outros atos garantias democráticas sem que o regime democrático seja colocado em dúvida. Norberto Bobbio reportou-se a esta situação em texto clássico:

“Chamo de ‘criptogoverno’ o conjunto das ações realizadas por forças políticas eversivas que agem na sombra em articulação com os serviços secretos, ou com parte deles, ou pelo menos por eles não obstaculizadas. O primeiro episódio deste gênero na recente história da Itália foi inegavelmente o massacre da Praça Fontana. Não obstante o longo processo judiciário em várias fases e em várias direções, o mistério não foi revelado, a verdade não foi descoberta, as trevas não foram dissipadas. Apesar disto, não nos encontramos na esfera do inconhecível; embora não saibamos quem foi, sabemos com certeza que alguém foi. Não faço conjecturas, não avanço nenhuma hipótese.”3

16. Situações de emergência como a italiana – no caso, a luta contra a fúria assassina que redundou no assassinato de Aldo Moro – motivam uma preocupação candente com o funcionamento dos aparatos repressivos. É fundamental, porém, que jamais seja aceita a derrogação dos fundamentos jurídicos que socorrem os direitos humanos.4 No caso italiano, as possibilidades para que os abusos ocorressem estavam dadas pelo próprio ordenamento jurídico forjado nos “anos de chumbo”:

“A magistratura italiana foi então dotada de todo um arsenal de poderes de polícia e de leis de exceção: a invenção de novos delitos como a ‘associação criminal terrorista e de subversão da ordem constitucional’ (artigo 270 bis do Código Penal) veio se somar e redobrar as numerosas infrações já existentes – ‘associação subversiva’, ‘quadrilha armada’, ‘insurreição armada contra os poderes do Estado’ etc. Ora, esta dilatação da qualificação penal dos fatos garantia toda uma estratégia de ‘arrastão judiciário’ a permitir o encarceramento com base em simples hipóteses, e isto

normativos igualmente primários: atos do governo, atos dos entes autônomos, atos de competência reservada, dentre outros”. BILANCIA, Francesco. In LEAL, Rogério Gesta. Administração Pública Compartida no Brasil e na Itália: Reflexões Preliminares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008, p. 75. HABERMAS, Jürgen. Era das Transições. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, esp. p.153 ss., quando o autor discute a questão do Estado Democrático de Direito.
3
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: Uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 104.
4
Cf. DWORKIN, Ronald, Taking rights seriously, Cambridge: Harvard University Press, 1977, p. 205: “The institution of rights is therefore crucial, because it represents the majority’s promise to the minorities that their dignity and equality will be respected. When the divisions among the groups are most violent, then this gesture, if law is to work, must be most sincere”. para detenções preventivas, permitidas pelo artigo 10 do decreto-lei de 15 de setembro de 1979 por uma duração máxima de dez anos e oito meses.”5

17. É público e incontroverso, igualmente, que os mecanismos de funcionamento da exceção operaram, na Itália, também fora das regras da própria excepcionalidade prevista em lei. Tragicamente, também no Estado requerente, no período dos fatos pertinentes para a consideração da condição de refugiado, ocorreram aqueles momentos da História em que o “poder oculto” aparece nas sombras e nos porões, e então supera e excede a própria exceção legal. Nessas situações, é possível verificar flagrantes ilegitimidades em casos concretos, pois a emergência de um poder escondido “é tanto mais potente quanto menos se deixa ver”6.

18. Isso é professado em nome da preservação do Estado contra os insurgentes, que não é menos ilegítima do que as ações sanguinárias dos insurgentes contra a ordem. Também me valho da lição de Bobbio: “Quem decidiu ingressar num grupo terrorista é obrigado a cair na clandestinidade, coloca o disfarce e pratica a mesma arte da falsidade tantas vezes descrita como uma das estratagemas do príncipe. Mesmo ele respeita escrupulosamente a máxima segundo a qual o poder é tanto mais eficaz quanto mais sabe, vê e conhece sem se deixar ver.”7

19. Por outro lado, entre os teóricos do Direito que não crêem na democracia liberal, Carl Schmitt, afirma: “Na necessidade suprema o direito supremo prova o seu valor [bewährt sich] e manifesta-se o grau mais elevado da

5
MUCCHIELLI, Jacques. “Article 41-bis et prisons italiennes”. In ARTIÈRES, Philippi, LASCOUMES, Pierre (org.), Gouverner, enfermer – la prison, un modèle indépassable? Paris: Presses de Sciences Po, 2004, p. 246. Tradução livre de “La magistrature italienne s’est ainsi dotée de tout un arsenal de pouvoirs de police et de lois d’excepcion: invention de nouveaux délits telle l’‘association criminelle terroriste et de subversion da l’ordre constitutionnel’ (article 270 bis du Códe pénal) venant s’ajouter et redoubler les nombreuses infractions déjà existantes – ‘association subversive’, ‘bande armée’, ‘insurrection armée contre les pouvoirs de l’État’, etc. Cette dilatation de la qualification pénale des faits assure alors tout une stratégie de ‘rafle judiciaire’ permettant d’incarcérer sur la base de simples hypothèses, et ce pour une detention préventive, permise par l’article 10 du décret-loi du 15 septembre 1979, d’une durée maximale de dix ans et huit mois.” Na seqüência, o autor apresenta exemplo extremamente semelhante ao que se passou com o Recorrente: “Un exemple typique de ces pratiques est l’inculpation conjointe pour bande armée et pour le port des armes censées appartenir, par une déduction tout particulière, à la dite ‘bande’ ou les inculpations pour ‘concours psychique’ ou ‘moral’.”
6
BOBBIO, Norberto; VIROLI, Maurizio, Direitos e deveres na República: os grandes temas da política e da cidadania. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 105.
7
BOBBIO, Norberto. Op. cit. (nota 3). p. 105.

realização judicantemente vingativa desse direito. Todo o direito tem a sua origem no direito do povo à vida. Toda a lei do Estado, toda a sentença judicial contém apenas tanto direito quanto lhe aflui dessa fonte. O resto não é direito, mas um ‘tecido de normas positivas coercitivas’, do qual um criminoso hábil zomba”8.

Ou seja, para Schmitt, as conquistas jurídicas humanistas das luzes não valem, porque delas o delinqüente inteligente pode zombar. Para Bobbio, no entanto, quanto mais exceção, menos Democracia e menos Direito.

20. Determinadas medidas de exceção adotadas pela Itália nos “anos de chumbo”, por sinal, ressoam ainda hoje nas organizações internacionais que lidam com direitos humanos. A condenação a determinados procedimentos e penas motivou, de um lado, relatórios da Anistia Internacional 9 e do Comitê europeu para a prevenção da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes10 e, de outro, a concessão de asilo político a ativistas italianos em diversos países, inclusive não europeus.

21. Outros evadidos da Itália por motivos políticos vinculados à situação do país na década de 1970 e início dos anos 1980, mesmo período da fuga do Recorrente, não foram extraditados para o país pelo Supremo Tribunal Federal. Note-se, nesse sentido, a Extradição nº 694, na qual a condenação italiana, como no caso do Recorrente, apontava o objetivo do extraditando de “subverter violentamente a ordem econômico e social do Estado italiano, de promover uma insurreição armada e suscitar a guerra civil no território do estado, de atentar contra a vida e a
incolumidade das pessoas para fins de terrorismo e de eversão da ordem democrática.”11

22. A preocupação com os limites do poder de “exceção” deve ocorrer – mesmo nos seus momentos mais duros – tanto no que se refere às normas de ordem material, como naquelas de ordem processual. Todas as normas, sejam

8
SCHMITT, Carl. O führer protege o Direito. In MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do Direito. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 221.
9
Cf. documentos da Anistia Internacional constantes das fls. 88-91 dos autos de solicitação de refúgio.
10
Cf. CPT/Inf (2007) 26. Rapport au Gouvernement de l’Italie relatif à la visite effectuée en Italie par le Comité européen pour la prévention de la torture et des peines ou traitements inhumains ou dégradants (CPT) du 16 au 23 juin 2006. Estrasburgo: Conselho da Europa, 2007, disponível em .
11
O voto condutor da decisão apresenta a constatação límpida de que houve no caso crime político: “não há dúvida de que se tratava de insubmissão à ordem econômica e social do Estado italiano, por razões políticas, inspiradas na militância do paciente e de seu grupo.” Voto do relator, Min. Sidney Sanches, p. 35 (item 21). excepcionais ou não, carregam, no sistema de direito orgânico à democracia, o permanente apelo à “razoabilidade” e à “proporcionalidade”12. É fundamental, portanto, que aos que desobedecem a lei sejam estendidas todas as garantias da
ordem jurídica democrática13.

23. O Recorrente sentiu diretamente os efeitos da legislação de exceção italiana. As acusações sobrepostas a que respondeu foram possibilitadas pelos procedimentos e tipos penais singulares desenvolvidos pelo Estado requerente, em grande parte aplicáveis por força do envolvimento do Recorrente no grupo conhecido como PAC (Proletários Armados para o Comunismo).

24. Após fugir da Itália em 1981, o Recorrente foi condenado pela Justiça do país, como autor e co-autor de homicídios ocorridos entre junho de 1978 e abril de 1979. Vislumbra o Recorrente, no caso, falta de oportunidades para que desenvolvesse sua ampla defesa. Nesse sentido, é de se notar que as acusações não buscam esteio em provas periciais, fundamentando-se precipuamente em uma testemunha de acusação implicada pelos próprios fatos delituosos, qual seja, o delator premiado Pietro Mutti.

25. Poderia argüir-se que as acusações que pesam sobre o Recorrente dizem respeito à violação da lei penal comum, não fosse o fato de que tais acusações constituem, em alguns casos, a “justificativa” jurídica do Estado requerente, sem a qual as chances de entrega do nacional requerido ficaram indubitavelmente prejudicadas14.

12
“A necessidade, a razoabilidade, a proporcionalidade a proibição do excesso e do abuso devem servir de escudo para limitar o absolutismo, como se vê na atual legislação pátria sobre a custódia cautelar em casos de extradição” (MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coord.), Tratado luso-brasileiro da dignidade humana, São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 573). “A proporcionalidade consiste em uma estrutura formal de relação meio-fim, a razoabilidade traduz uma condição material para aplicação individual da justiça. Daí porque a doutrina alemã, em especial, atribui significado normativo autônomo ao dever de razoabilidade. IN: ALBRECHT, apud BARROS, Suzana de Toledo. O principio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília, Jurídica, 1996. p. 69”.
13
DWORKIN, Ronald, Taking rights seriously, Cambridge: Harvard University Press, 1977, p.222: “The simple Draconian propositions, that crime must be punished, and that he who misjudges the law must take the consequences, have an extraordinary hold on the professional as well as the popular imagination. But the rule of law is more complex and more intelligent than that and it is important that it survive.”
14
A esse respeito convém trazer à baila que “O asilo territorial, que não deve ser confundido com o
diplomático, pode ser definido como a proteção dada por um Estado, em seu território, a uma pessoa cuja vida ou liberdade se acha ameaçada pelas autoridades de seu país por estar sendo acusada de haver violado a sua lei penal, ou, o que é mais freqüente, tê-lo deixado para se livrar de perseguição política.” , SILVA, G.E. do Nascimento e, Manual de Direito Internacional Editora Saraiva, 15ª Edição, 2002, p. 376.

26. É sintomático, nesse sentido, que as decisões condenatórias, ao arrolar os tipos penais que o Recorrente teria praticado, apontem serem todas integrantes de “um só projeto criminoso, instigado publicamente para a prática dos crimes de associação subversiva constituída em quadrilha armada, de insurreição armada contra os poderes do Estado, de guerra civil e de qualquer maneira, por terem feito propaganda no território nacional para a subversão violenta do sistema econômico e social do próprio País”15

27. Segundo o Recorrente, a natureza política de seus crimes é não apenas evidente como confirmada pela maneira de o Estado requerente haver conduzido os processos criminais e os pedidos de extradição. Corroboram essa perspectiva as qualificações dadas a seus atos pelos processos de condenação em primeira instância e o fato de ser preso na Divisione investigazioni generali operazioni speciali, onde se lotavam os presos políticos dos “anos de chumbo”.

28. O Recorrente junta aos autos carta de Francesco Cossiga, influente político italiano nos anos 1970, que participou ativamente da elaboração das leis de emergência italianas16. Hoje Senador da República italiana, Cossiga atesta que os “subversivos de esquerda” passaram a ser tratados, na Itália dos “anos de chumbo”, como “simples terroristas e talvez absolutamente como ‘criminosos comuns’.” O missivista assevera, contudo, a impropriedade desta classificação
impingida ao Recorrente:

“Vocês todos, de esquerda e de direita eram ‘revolucionários impotentes’: em particular vocês subversivos de esquerda que acreditavam com actos de terrorismo, não certamente de poder ‘fazer’, mas pelo menos ‘escorvar’ a revolução, conforme os ensinamentos de Lenin, que condenava em via de princípio o ‘terrorismo’, mas que justificava ou melhor achava útil e ‘legítimos’

15
Primeiro Tribunal do Júri de Apelação de Milão. Sentença 17/90 – nº 86/89 e 50/85 do Registro Geral, de 13/12/1988. Item 49 (antes 50). Expressão idêntica à sublinhada acima encontra-se no item 114 (antes 123) dos mesmos autos.
16
Cossiga, porém, foi ignorado, mesmo quando exerceu a presidência do Conselho italiano, ao alertar para os perigos da manutenção destas medidas e defender uma anistia ampla para os perseguidos nos “anos de chumbo”. Cf. MUCCHIELLI, Jacques. “Article 41-bis et prisons italiennes”. In ARTIÈRES, Philippi, LASCOUMES, Pierre (org.), Gouverner, enfermer – la prison, un modèle indépassable? Paris: Presses de Sciences Po, 2004, p. 247.

dum ponto de vista do marxismo-leninismo, os atos de terrorismo só se ‘propedêuticos’ a revolução e capazes de conduzi-la. Os crimes que a subversão de esquerda e a eversão de direita
cumpriram, são certamente crimes, mas não certamente ‘crimes comuns’, porém ‘crimes políticos’.”17

29. A respeito da criminalidade política e de sua caracterização em face dos instrumentos de cooperação internacional, observe-se o ensinamento de Francisco Rezek, Direito Internacional Público, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 214-215: “Asilo político é o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures – geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país patrial – por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crime que, relacionados com a segurança do Estado, não configuram quebra do direito penal comum. Sabemos que no domínio da criminalidade comum – isto é, no quadro dos atos humanos que parecem reprováveis em toda parte, independentemente da diversidade de regimes políticos – os estados se ajudam mutuamente, e a extradição é um dos instrumentos desse esforço cooperativo. Tal regra não vale no caso da criminalidade política, onde o objetivo da afronta não é um bem jurídico universalmente reconhecido, mas uma forma de autoridade assentada sobre ideologia ou metodologia capaz de suscitar confronto além dos limites da oposição regular num Estado democrático.” .

30. Não resta a menor dúvida, independentemente da avaliação de que os crimes imputados ao recorrente sejam considerados de caráter político ou não – aliás inaceitáveis, em qualquer hipótese, do ponto de vista do humanismo democrático – de que é fato irrefutável a participação política do Recorrente, o seu envolvimento político insurrecional e a pretensão, sua e de seu grupo, de instituir um poder soberano “fora do ordenamento”18. Ou seja, de constituí-lo pela via revolucionária através da afronta política e militar ao Estado de Direito

17
Carta vertida para o português, constante da fls. 55 dos autos de solicitação de refúgio.
18
BOBBIO, Norberto et.al, Dicionário de Política, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 1986, p. 1185: “Na prática, por um lado, o moderno Estado de direito procurou sempre limitar ao máximo, quando não eliminar, a possibilidade da existência de alguém que decida acerca do Estado de exceção e que possua poderes excepcionais (a moderna figura do estado de sítio é uma ditadura confiada, isto é, um poder constituído), enquanto, por outro lado, historicamente, o Estado de exceção tem sido proclamado por quem não possuía habilitação para tanto, e que se tornou soberano somente na medida em que conseguiu restabelecer a unidade e a coesão política.” italiano, aliás, motivos estes que levaram o presidente Mitterrand a acolher o recorrente e vários militantes da extrema esquerda italianos na mesma situação.

31. Aspecto muito importante aqui, para examinar a pertinência de concessão do refúgio, é que o Recorrente esteve abrigado em solo francês por razões políticas aceitas por decisão soberana do chefe de Estado daquele país. Aliás, na oportunidade o presidente François Mitterrand acolheu os “subversivos” sob a condição categórica de que fizessem a renúncia formal à luta armada.

32. Não é singelo o fato de que o Recorrente tenha feito expressa opção por renunciar aos meios não pacíficos de manifestação política. Hannah Arendt alerta que “se a mente é incapaz de fazer a paz e de induzir a reconciliação, ela se vê de imediato empenhada no tipo de combate que lhe é próprio”19 – e por isso mesmo a autora ressalta a dimensão política dos juízos retrospectivos. Entre o passado e o futuro, o homem conta apenas com si mesmo para ceder ou resistir aos impulsos de amor e ódio, fúria ou compaixão, impulsos que se confundem quando
destino e motivações, desejos e princípios são mesclados.

33. Após a renúncia à luta armada, o Recorrente permaneceu na França, por um período de mais de uma década. Constituiu família, casando-se e tendo duas filhas, vivendo pacificamente como zelador e escritor. O Recorrente, em suas próprias palavras, teria permanecido na França se pudesse, onde inclusive formulou pedido de naturalização e gozava de um asilo político informal.

34. A situação do Recorrente foi alterada durante o governo do presidente Jacques Chirac. O abrigo do recorrente, no território francês, foi desconstituído e então anulado por razões eminentemente políticas. A mudança de posição do Estado francês, que havia lhe conferido guarida como militante político de extrema esquerda, foi o motor único de seu deslocamento para o Brasil. A extradição do Recorrente à Itália, que primeiro havia sido negada na França por razões políticas, foi posteriormente concedida pelas mesmas razões.

35. O Brasil, em vista desses acontecimentos políticos (mormente a mudança de governo na França), passou a ser “depositário” de um cidadão, de fato expulso de um território por decisão política, que se contrapôs à decisão anterior, a qual havia o reconhecido como perseguido político20.

19
ARENDT, Hannah, Entre o passado e o futuro. 2a ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 34.
20
VERDÚ, Pablo Lucas, La Constitución Abierta y sus «enemigos», Madrid: Beramar, 1993, p. 91: “De todo lo expuesto cabe deducir que la apertura impregna a casi todos textos constitucionales democráticos. A mi

36. Por motivos políticos o Recorrente envolveu-se em organizações ilegais criminalmente perseguidas no Estado requerente. Por motivos políticos foi abrigado na França e também por motivos políticos, originários de decisão política do Estado Francês, decidiu, mais tarde, voltar a fugir. Enxergou o Recorrente, ainda, razões políticas para os reiterados pedidos de extradição Itália- França, bem como para a concessão da extradição, que, conforme o Recorrente, estariam vinculadas à situação eleitoral francesa. O elemento subjetivo do “fundado temor de perseguição” necessário para o reconhecimento da condição de refugiado está, portanto, claramente configurado.

37. À luz do que foi brevemente relatado, percebe-se do conteúdo das acusações de violação da ordem jurídica italiana e das movimentações políticas que ora deram estabilidade, ora movimentação e preocupação ao Recorrente, o elemento subjetivo, baseado em fatos objetivos, do “fundado temor de perseguição”, necessário para o reconhecimento da condição de
refugiado.

38. A título de esclarecimento, aponta-se a qualidade política da decisão sobre o refúgio. Segundo Francisco Rezek, Direto Internacional Público, São Paulo: Renovar, 2º vol., 15ª ed. 2004, verbis:

“A qualificação de tais indivíduos como refugiados, isto é, pessoas que não são criminosos comuns, é ato soberano do Estado que concede o asilo. Cabe somente a ele a qualificação. É com ela que terá início ou não o asilo.”

39. É bom que reste claro que o caráter humanitário, que também é princípio da proteção internacional da pessoa humana, perpassa o refúgio, implicando o princípio in dubio pro reo: na dúvida, a decisão de reconhecimento deverá inclinar-se a favor do solicitante do refúgio.


entender esto significa varias cosas a) La apertura constitucional evidencia que una Constitución no está sola porque la interdependencia internacional se ha incrementado notablemente, en los últimos tiempos aunque debe incrementarse. La recepción de contenidos internacionales en los documentos fundamentales; la referencia a los mismos para la interpretación de los derechos humanos (art. 10,2 C.E.); la incorporación Del derecho comunitario en los ordenamientos europeos, lo corroboran. Ya no cabe hablar de soledad de la Constitución, y considerarla como un Universo cerrado y excluyente sino de un pluriverso basado en el pluralismo interno, internacional y comunitario.”
40. Nesse diapasão, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 4º a política de relações internacionais a ser observada no País:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...)
X - concessão de asilo político.

41. As normas internacionais que o Brasil está obrigado a observar consignam, ainda, no capítulo da proteção da pessoa humana, que o pedido de refúgio deve ser julgado pela Autoridade com atenção detida e serena ao caráter protetivo da medida. Nesse contexto, transcrevo o art. XIV da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que inspirou os princípios das convenções supervenientes, bem como a Declaração sobre asilo territorial aprovada pela Assembléia da ONU, respectivamente:

Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar gozar asilo em outros países.

Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.

42. Por fim, assinala-se que não há impedimentos jurídicos para o reconhecimento do caráter de refugiado do Recorrente. Embora se reporte a diversos ilícitos que teriam sido praticados pelo Recorrente, em nenhum momento o Estado requerente noticia a condenação do mesmo por crimes impeditivos do reconhecimento da condição de refugiado, estabelecidos no art. 3º, inc. III, da Lei nº. 9.474/97, o que importa no afastamento das vedações estabelecidas no citado
comando legal:

Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que: (...)

III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;

43. Concluo entendendo, também, que o contexto em que ocorreram os delitos de homicídio imputados ao recorrente, as condições nas quais se desenrolaram os seus processos, a sua potencial impossibilidade de ampla defesa face à radicalização da situação política na Itália, no mínimo, geram uma profunda dúvida sobre se o recorrente teve direito ao devido processo legal.

44. Por conseqüência, há duvida razoável sobre os fatos que, segundo o Recorrente, fundamentam seu temor de perseguição.

45. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para reconhecer a condição de REFUGIADO a CESARE BATTISTI, nos termos do art. 1º, inc. I, da Lei nº. 9.474/97.

46. Notifique-se ao CONARE, para ciência do solicitante, ao Departamento de Polícia Federal e à Secretaria Nacional de Justiça, para as providências devidas, bem assim ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, para as providências cabíveis.

Brasília 13 de janeiro de 2009.


TARSO GENRO
Ministro de Estado da Justiça