São Paulo – A eleição de Eduardo Cunha (PMDB) para a presidência da Câmara dos Deputados na noite deste domingo delega pela sétima vez desde a redemocratização o comando da Casa para o partido. 

Mais do que o prestígio que a cadeira oferece, a presidência da Câmara é fundamental para o provável próximo passo do PMDB: lançar uma candidatura própria em 2018.

“O PMDB já está mostrando sinais de cansaço neste papel de ser coadjuvante na presidência da República sem nunca ocupá-la”, afirma Roberto Romano, professor emérito de filosofia política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo ele, a batuta da Câmara seria essencial para garantir a unidade ao partido - que tende a rachar no Senado. Para se ter uma ideia da disputa interna, este ano, dois candidatos do PMDB se candidataram à presidência da Casa.

Por outro lado, a vitória de Cunha sinaliza um movimento de independência do PMDB com relação ao partido do governo federal. A disputa pela presidência da Câmara colocou um fim ao acordo entre o partido e o PT que determinava um revezamento das siglas no cargo. Pela primeira vez, desde meados do governo Lula, o PMDB terá dois mandatos consecutivos. 

O professor avalia que uma eventual candidatura peemedebista ao Planalto teria um saldo positivo para a sigla - independente do resultado das urnas. “Se o PT ganhar, o PMDB continua sendo o grande partido no Congresso. Se vencer, ele ganha a presidência da República”, disse em entrevista a EXAME.com.

Enquanto a disputa presidencial de 2018 não chega, o fato é que Dilma Rousseff terá (mais) um desafio e tanto para os próximos dois anos.  Em discurso na noite de ontem, Eduardo Cunha afirmou que vai fazer valer a ideia de uma Câmara não submissa aos desejos do governo federal.

Veja trechos da entrevista de Roberto Romano: 

EXAME.com: Por que a presidência da Câmara é tão importante para o PMDB?

Roberto Romano: O PMDB é quase que o único partido que, desde o período da ditadura militar, espalhou suas bases pelos municípios. Isso permite que ele tenha diretórios e alianças em praticamente todo território nacional. Com isso, nos últimos anos, o partido manteve um crescimento ou uma estabilidade no seu número de deputados e senadores  - o que o torna o grande partido brasileiro.

Por outro lado, o PMDB é uma federação de oligarquias. Ele tem idiossincrasias devido as relações de poder regionais. Assim, esta força que o mantém grande é abalada frequentemente pelas disputas entre os líderes dessas oligarquias.

O ponto nodal dessas disputas não está na Câmara dos Deputados, mas no Senado Federal. A disputa pelo Senado é quase sempre um motivo de briga interna dentro do PMDB. Assim, a Câmara é uma garantia de unidade do partido.

O PMDB não quer a presidência apenas por uma questão de prestígio. Na verdade, é uma garantia de que, tendo o controle da mesa da Câmara, ele terá sempre condições de reestabelecer a unidade que está sempre ameaçada no Senado.

EXAME.com: Isso explica a disputa acirrada de Renan Calheiros com o seu colega de partido Luiz Henrique  pela chefia da Casa?

Roberto Romano: No Senado,  este caráter de oligarquias sempre foi resolvido com muita disputa ou jogo sujo – uma denúncia contra o presidente do Senado sempre tem um dedinho de um oligarca regional do PMDB. A novidade é que, neste caso, foi uma tentativa de trazer para o debate público essas divisões que ocorrem dentro do partido.

EXAME.com: Por que o partido quis quebrar o acordo de revezamento com o PT?

Roberto Romano: O PMDB já está mostrando sinais de cansaço neste papel de ser coadjuvante na presidência da República sem nunca ocupar a presidência. O partido está cansado de carregar o piano e não ter o poder.

Eu acho que o PMDB está se preparado para uma possível candidatura à presidência da República [em 2018]. Com isso, esses acordos parlamentares [com o PT] deixam de ter significado. E isso [ocorre] em um momento em que o PT está fragilizado.

EXAME.com: E quem seria o peemedebista mais cotado para uma possível candidatura à presidência em 2018?

Roberto Romano: Há muitas lideranças e muitas novas. Por exemplo, o Eduardo Paes [atual prefeito do Rio de Janeiro]. Ele é um candidato jovem que não foi tragado pelo fisiologismo explícito que grassa em determinados aspectos do partido.

O fato de ele ser do Rio de Janeiro é um ponto de união já que os grandes acertos passam necessariamente pelo estado. Então, a aposta nele poderia ser estratégica e tática.

Mas, olha, eu não tenho bola de cristal. A tendência é que o PMDB está cansado de servir como instrumento do PT ou do PSDB sem ter uma fatia decisiva do poder.

EXAME.com: Mas o PMDB já tem a sua fatia de poder, não? Ninguém consegue governar sem o apoio da sigla.

Roberto Romano: Embora o poder executivo seja um gigante com pé de barro por que precisa da voz da base aliada, não existe poder no Brasil sem o Executivo.

Então, é uma coisa incongruente. O maior partido do Brasil, aquele que tem presença em todos os municípios, cuja representação no Congresso é estável ou crescente, desde 1989, não tem representante da presidência da República salvo o vice-presidente, que é um cargo absolutamente simbólico.

De qualquer modo, o PMDB ganha. Se o PT ganhar [nas eleições de 2018], ele continua sendo o grande partido no Congresso. Se vencer, ele ganha a presidência da República. 

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