A marcha contra a corrupção realizada no último dia 7 de setembro, que reuniu 25 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, promete ser a primeira de muitas. Ato semelhante está agendado para o dia 20 de setembro, no Rio de Janeiro, e já conta com quase 30 mil confirmações na rede social Facebook. O dia 12 de outubro, feriado nacional, também será movimentado, com manifestações previstas em diversas cidades, como Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis, São Paulo e Recife. O intenso protesto de repúdio à corrupção é um dos assuntos abordados por Roberto Romano na entrevista concedida ao Contas Abertas. O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em ética, afirmou que a preocupação constante é resolver o que muitas vezes parece ser natural. Romano apontou algumas das raízes do problema e expôs panorama elucidativo da questão ética no Brasil. Confira a entrevista na íntegra. Contas Abertas (CA) - Em entrevista ao jornal Zero Hora, o senhor afirmou que falta civilidade ao brasileiro e que a população não sabe respeitar o bem público. Esse fato é um dos geradores da corrupção? Roberto Romano - Isso não é fato gerador da corrupção, isso é coessencial à corrupção. Na medida em que não temos costumes cívicos ou educação no trânsito, por exemplo, não temos ideia do que é respeito ao direito do outro. Sentimo-nos impotentes quando nossos direitos são violentados. No Brasil, se opor a quem fura fila, é considerado desagradável, é ser encrenqueiro. O “bom mocismo” que ultrapassa essas atitudes é, na verdade, falta de percepção do direito alheio e do direito próprio. Como sociedade, estamos desarmados para o procedimento do corrupto que fazemos em escala menor, ou seja, da própria população. Neste sentido, existem dois tipos de corruptos: o que não tem ideia do que significa direito; e, os hipócritas que aceitam determinado tratamento porque agem igual. A maioria acha correto alguém desviar recursos públicos para frequentar ambientes de luxo e utilizar dinheiro para enriquecimento pessoal. CA – Fala-se muito que o congresso é corrupto porque a população é corrupta. Qual a opinião do senhor? Roberto Romano - A sociedade brasileira não é totalmente corrompida, não é por isso que temos políticos corruptos. Há manchas extremamente fortes em segmentos da sociedade que se acostumaram a corromper e serem corrompidos, que não chegaram à vida pública segundo parâmetros da cidadania. Acabar com a corrupção é uma tarefa árdua, mas que pode ser vencida. CA - Falam muito também na relação entre a pobreza com a corrupção e a falta de ética e vice-versa. Repetem muito que a pobreza permite que essas pessoas sejam eleitas. O senhor concorda? Roberto Romano - Esse é um problema institucional. A professora Maria Silvia Carvalho Franco, em um dos seus livros, apresenta uma explicação perfeitamente racional acerca do assunto. O Estado brasileiro mantém até hoje a super concentração de recursos e poderes na esfera federal. Essas verbas só são distribuídas para chefes oligárquicos regionais ou municipais que conseguem barganhar com o Poder Executivo Federal. A professora mostra que isso vem desde a fundação do nosso Estado. No século XIX, cidades paulistas que pagavam impostos elevados para o poder central, ficavam 100 anos sem escola, cemitério, hospital, estrada e outros equipamentos urbanos. Então os vereadores e os prefeitos, via de regra fazendeiros ricos, emprestavam dinheiro do próprio bolso para obras. Isso parecia um favor imenso para a população. Muito rapidamente essa situação se inverte. Começa-se a pensar que quando o município precisa, ele empresta, então, mete-se a mão no cofre público. Essa situação continua até hoje. O político que consegue levar obras para sua cidade, é eleito e reeleito quantas vezes quiser. CA – Como se dá esse processo? Roberto Romano - Existe uma espécie de cumplicidade entre os eleitores da cidade e o esquema. O eleitor condena a corrupção de Brasília, mas só vota no candidato que trouxe obras e não se pergunta o que aquele candidato precisou fazer para viabilizar o investimento. É uma espécie de hipocrisia social impulsionada e abençoada pelo sistema não federativo de arrecadação e distribuição de recursos no Brasil. É institucional, é própria da estrutura do Estado. CA - Então a vigilância dos agentes públicos por parte da população ou organizações é uma das saídas desse circulo vicioso? Roberto Romano - Eu acredito que sim. O Ministério Público está aparelhado para realizar a vigilância, mas não consegue devassar os segredos das licitações, das manipulações de recursos nas imensas tratativas que o Poder Executivo faz com os oligarcas, com os donos do Congresso, para aprovar projetos. Além disso, existe um defeito, introduzido na Constituição de 88, pra sanar o problema de decreto-lei, que é a medida provisória. O Executivo está legislando. Ele coloca toda uma ação econômica em medidas provisórias que podem ser vetadas pelo Congresso. É uma oportunidade imensa de acontecer a máxima do “é dando que se recebe”. CA - O problema é endêmico? Roberto Romano - O problema é de ordem legal, de ordem institucional e de costume. Não podemos esquecer que os elementos entram no mesmo momento quando ocorre um fato corrupto. O sistema brasileiro é corrupto nos três aspectos. Sendo um sistema, consequentemente, apresenta dois aspectos que são importantes: é sincrônico (acontece tudo ao mesmo tempo) e diacrônico (uma coisa acontece depois da outra). Dessa forma, o Ministério Público, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a imprensa, descobrem um fato depois do outro, ou seja, utilizam o aspecto diacrônico. Contudo, no momento que aparece novo escândalo e todas as atenções se voltam para ele, outros fatos delituosos estão acontecendo [sincronismo]. CA – É possível reverter a situação? Roberto Romano - Se não ocorrer modificação da estrutura institucional do Estado brasileiro, não vamos conseguir diminuir o processo corrupto. Não chegamos ao sistema como todo, lidamos com resultados, com exemplos. A consequência é a impressão de absoluta inevitabilidade do processo corrupto. A concentração de recursos ocasiona a evidente distribuição por muitas mãos ou pela ineficiente burocracia. Alguém que consegue driblar a burocracia, paga pedágio e recebe parte do pedágio também. É necessário ter uma visão sistêmica entre o nexo de estrutura concentracionária de poder que leva a corrupção. CA – As recentes manifestações contra a corrupção realizadas e as próximas que estão planejadas mostram que o sentimento de inevitabilidade da corrupção está mudando? Roberto Romano - Com certeza é indicação de mudança. Desde a revolução da informática, há circulação de informações inéditas no Brasil. O que nossos políticos não perceberam até agora é que as mídias sociais, como o twitter e facebook, não servem para fazer cabeça de rebanho eleitoral. Por mais que escrevam e falem, os políticos não conseguem doutrinar multidões anônimas, como o ocorrido nas marchas. Há multidões cada vez mais ponderáveis que tem acesso a informações. Você não tem mais aquele âmbito do segredo. É fantástico. Quantas ações similares ou piores do que a feita pela Jaqueline Roriz já ocorreram? Hoje, por meio eletrônico, temos uma arma de mobilização social contra isso. E tem outro fato. Quando existem quadrilhas, mesmo de políticos, há concorrência e há pessoas que foram preteridas. Nunca se tem certeza de que o fato delinquente vai cair no esquecimento e no segredo. Alguém vai filmar, vai gravar e vai denunciar e isso cai no plano público. As manifestações contra corrupção, junto com o Ficha Limpa, são demonstrações ainda muito frágeis de que a cidadania pode modificar o sistema. Mas para isso, o pior caminho é o do moralismo. Esse é o caminho da seita. É preciso estudar meios de efetivamente atenuar a corrupção mudando as instituições e a pratica social, mas não podemos pregar sermão em terra vazia. Acompanhe o Contas Abertas no |