domingo, 25 de setembro de 2011

O favor como essência cultural.

Nota: o texto abaixo é uma aula proferida no Curso de Filosofia (graduação) da Unicamp no primeiro semestre de 2011. Ele trata do favor, tal como aquela prática surge no Sobrinho de Rameau diderotiano. Mas para tal fim, recolhi brevemente a história do favor, tanto na sociedade romana, quanto na ordem do Antigo Regime. De passagem, toco no problema aqui, no Brasil. Como sabemos, nossa terra acolheu e fez prosperar o favor, de tal modo que ele é uma fonte inesgotável de poderes e riquezas, na sociedade, no Estado, nos campi (neles sobremodo). Quem tiver paciência e quiser entender as causas do predomínio de Sarney, hoje, e a covardia petista (ou adesão) diante do oligarca maranhense, pode ler com proveito as linhas que seguem. Na exata medida de nossa abjeção, pela prática do favor, podemos dizer que somos todos, mais ou menos inteligentes, sobrinhos de Rameau. Ou de Sarney... RR

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O favor como técnica de controle e dominação encontra-se no plano mais amplo do Sobrinho de Rameau. Os fios que unem a sociedade em que Jean François se move, com suas cambalhotas para agradar os mestres e seus preferidos, foram tecidos na sociedade política conhecida como Ancien Régime. E o tempo da tecitura data, pelo menos, de Felipe o Belo. Mas ela foi acelerada no Renascimento. A ordem dos favores impera na corte e nos elos entre nobres importantes e outros, menos poderosos. Ela segura em redes complexas de nepotismo, apadrinhamentos, interesses, o rei a todos e a cada um dos súditos. Não por acaso, o título monárquico é o de Pai. Projeta-se na ordem pública o que se determina na vida familiar.

Como enuncia Joël Cornette (1) “O reino é organizado como uma família mais ampla de início, na qual as ligações de sangue e proximidade são hegemônicas, onde o rei sempre é percebido sob os traços de pai benevolente, do pater familias, concedendo suas benesses aos seus e sabendo distinguir, entre seus próximos, os que as merecem. Henrique IV, chefe benfeitor de clã, permanece para sempre como o que fez dos franceses ‘irmãos ’, ‘primos’, ‘amigos’, um clã que tem sentido não quando ele está em guerra ou em paz, mas porque está reconciliado (...) Todas as famílias concomitantes e superpostas, de Versalhes até a mais humilde choupana, são dominadas pela família mística: o Pai, o Filho e o Rei da França. Pois a essência divina da monarquia, pensada, difundida, teorizada definitiva e eficazmente a partir da ressacralização de Henrique IV, confere a esta dimensão paterna da monarquia um valor sagrado. Segundo uma propaganda oficial, as famílias terrestres do reino francês apenas transcrevem a família celeste, dos santos, dos anjos, do povo de Deus.”

Ademais, o trabalho do rei é o de prover os seus próximos “construindo uma rede familiar e doméstica que assegure a boa marcha do governo. Para tanto, é preciso achar subsídios. Os monarcas mais atilados elaboraram, com seus conselheiros, sistemas que ligam o ‘doméstico ao administrativo’, a fidelidade à venalidade, o ‘serviço de sua pessoa na administração da coisa pública’. Assim a monarquia criou em permanência a estrutura clientelar com ramos horizontais no espaço geográfico, limitadas apenas pelas fronteiras , com implicações verticais na hierarquia social, descendo até os submetidos à talha e à corvéia”. (2)

A ascensão social e política é feita pelos grupos e indivíduos naquela imensa rede de favores instaurada pelo absolutismo. O rei precisa cooptar os nobres, estes precisam exibir poder ao rei. E ambos os lados precisam de operadores que permitam a fluidez dos interesses, a sua realização sempre dependente dos alvos concorrentes ou paralelos aos dos coletivos familiares ou de “amigos” que os mantinham. A política do “é dando que se recebe” não foi instaurada no Brasil, como se nota. A sociedade e o Estado absolutistas constituíam, diz um historiador, “redes de amizade, de primos, de camaradas de colégio e combate, companheirismo, afinidades diversas, encontros de vizinhos”. Elas eram, para um nobre, “uma rede de interdependência na qual ele se inseria desde o nascimento, onde se casava e que lhe permitia sustentar, ou aumentar, a reputação de sua casa. É um capital que em parte ele herdara de seus parentes, que deveria fazer frutificar, antes de o transmitir por sua vez aos filhos. O gosto das relações, o culto da amizade, contavam tanto quanto o sentido da honra e do devotamento”. (3)

O reino, grande família, era movido pelos alvos das famílias. As redes horizontais de parceria e cumplicidade buscavam, todas, ascender na escala do Estado. O meio era encontrar conexões em estratos cada vez mais altos de redes de interesse e favor, até atingir os arredores do trono. Assim, os elos de clientela e fidelidade se tornavam a cada momento mais amplos e complexos. Entre os termos que assinalam os pactos tácitos (o termo é posto no Sobrinho de Rameau) está o que enuncia que alguém “pertence” a um outro, é sua “criatura” ou seu “doméstico”. Todos estes termos servem, perfeitamente, para descrever Jean François e seus concorrentes na busca da ascensão e sobrevivência. Só que tudo mais degradado, mais vil, desprovido da ilusão nobre da honra, da glória, etc. (4)Tais cadeias de solidariedade uniam três tipos de pessoas: o patrão, o cliente, e os “brokers” (os intermediários), ou seja, o corretor. A clientela é algo praticado desde os tempos de Roma. Deixemos um pouco os tempos absolutistas modernos e nos dobremos sobre o clientelismo em Roma. (5)

Como ainda no Antigo Regime, as relações políticas de Roma ocorrem nos círculos complexos das famílias. As coalisões são formadas na base familiar, com as gentes e as familiae. O consulado romano foi possível, com certa estabilidade, com fundamento no trato dos grupos familiares e de sua clientela. A prática da adoção de indivíduos por famílias é uma outra maneira de manter vínculos de força e de poderio político. O costume de adotar, mantido pela sociedade, foi posto em movimento pelos imperadores, mas a partir de uma prática jurídica anterior: as famílias em filho homem como herdeiro, adotavam alguém que passava a usar o seu nome, dando-lhe sobrevivência e coesão. Adotar era um meio de estabelecer alianças entre famílias. (6) Os cargos maiores de Roma eram gratuitos, porque os seus ocupantes eram ricos e poderosos, não sendo próprio à sua dignidade receber para administrar. Receber salários para exercitar o governo é próprio de um regime que deseja fornecer livre acesso ao poder para todos os cidadãos. E Roma era uma aristocracia, não uma democracia. Mesmo sua república não era democrática. Assim, toda a eficácia política, guerreira ou econômica repousa sobre a influência de certos indivíduos de certas famílias no circulo social. Não existe matiz igualitário em Roma: ou a pessoa pertence à uma família poderosa, ou à uma família pobre. Há os que governam, uma elite, e a massa dos que obedecem. Trata-se da relação patres/plebs.

Dessa relação, conflitiva em toda a república e império romanos, surge uma prática de manipulação dominadora exemplar: o patronato e a clientela. Não se trata de algo inédito, inventado em Roma. Já na Grécia existia o patronato, sendo que um conservador como Fustel de Coulanges imagina ser ele “uma prática das mais conformes à natureza humana”. O próprio Fustel analisou tal costume na Gália e nos povos germânicos. (7) Os habitantes das cidades conquistadas por Roma se tornavam clientes do general que os venceu, este recebe o título de patronus. Os escravos libertos por manumissio,(8) entravam para a clientela do patrono. Tais casos não dizem muito para a dominação política, pois os seus partícipes dominados eram escravos. Importante é o ato “pelo qual um cidadão livre se coloca sob a proteção de uma pessoa mais poderosa e mais influente, o seu patronus. Esta forma de clientela se distingue essencialmente da anterior, porque é constituída por uma adesão livremente contraída após entendimento estabelecido entre as duas partes, o que se chama fides.” A clientela é oferecida para todos os que não possuem a plena cidadania. Ela resulta de um pacto solene, no qual o patrão enuncia a fórmula : Ego in fidem te recipio. Ela não traz prejuízos à posição jurídica do cliente, ela é puramente moral, não cai no domínio público. Os clientes, embora não sejam patrícios, podem pertencer a todas as categorias sociais, desde que encontrem apoio de um mais poderoso. A clientela é hereditária, mas pode ser rompida, ou estabelecida com maior número de patronos. Aí, a conciliação da fides a um ou a outros, é mais complicada.

O cimento que faz a fides permanecer, sólida, é o fauor (favor). Favere assume o sentido “ser favorável”, na lingua comum e na política. Ao termo fauere corresponde fautor : “aquele que favorece”. Ele aparece em data mais avançada da república. Favor é o que sustenta o político nas eleições, com aprovação popular. Ele significa o próprio voto (favor) mas não a campanha, que tem por nome officium. O favor se acompanha de sinais externos, em especial de laude, gratulationes, plausus, clamor (a manifestação externa do fauor). Trata-se de um termo também usado no teatro. A partir do teatro, o termo pode ter sido aplicado à política. Pouco a pouco o termo passa a significar “popularidade”. Fauere, por sua vez, significa “trabalhar para o aumento da posição política de alguém”. Se o cliente tem o dever moral de sufragar nas eleições o nome de seu patrono, este último deve proteger o cliente. Mas como, na república, existe a ficção da soberania popular (a monarquia caíra com Tarquínio, o soberbo), o favor do voto tem como nome o eufêmico beneficium. Tal relação pode, se transformar em obsequium (indulgência, cumprimento, complacência), blanditiae (de blandus, lisonjeador, adulador, acariciador), ambitio (na república a busca dos candidatos por votos, para solicitar aos cidadãos individuais os seus votos por meios corretos e legais) . (9)

Cicero louva a amizade desinteressada, algo que só pode existir entre os boni viri, os integrantes do patronato. Ricos, eles não precisam de nada material para obter dos seus iguais. Mas, recorda Hellegouarc‘h, para o mesmo Cicero um dever dos amigos é ajudar o parceiro na carreira política. O comentador aponta para a contradição entre os princípios elevados da ética e as realidades da ordem prática. “Cicero esteve sempre entre as duas opções e nunca escolheu formalmente entre elas. Ele constata que a virtus não tem muito lugar na atividade pública quando a tomamos em sentido moral estrito e que é difícil acordar moral e política”. Assim, no ideário romano, permanece a amizade em sentido elevado, mas o que se pratica, de fato, é o interesse momentâneo, a amizade breuis et suffragatoria. As amicitiae “se constituem como elemento importante da política; elas são feitas e desfeitas segundo as circunstâncias e necessidades do momento; só o interesse comanda e o sentimento não tem muito a ver com elas. A influência de um personagem é de algum modo proporcional ao número de amigos que ele soube adquirir”. Na ausência de partidos organizados, “o político não tem outro recurso para expandir sua influência a não ser unir-se ao maior número de pessoas possível, as quais lhe trarão por sua vez apoio dos que lhes são apegados”. Há uma distinção, entretanto: os amici pertencem ao patronato, os inferiores formam a clientela. Tal é a teoria, como no caso da amizade em geral, como virtude moral, e como prática efetiva. Assim, era possível colocar no plano dos amigos, pessoas que o mais correto seria colocar no âmbito dos clientes. “Esta extensão súbita e diplomática do número de amigos devia ser particularmente importante na época de campanha eleitoral”. Assim, conclui Hellegouarc’h, “precisamos renunciar a toda distinção entre amicus e cliens. Embora na origem as duas palavras se apliquem a situações muito diferentes, elas se perverteram no uso e se tornaram intercambiáveis segundo as necessidades e as circunstâncias.” (10)

Segundo Rousseau, no Contrato Social, nas antigas repúblicas virtuosas, “cada um tinha vergonha de dar publicamente seu sufrágio a uma opinião injusta ou a um assunto indigno, mas quando o povo se corrompeu e seu voto foi comprado, foi conveniente que o segredo fosse instituído para conter os compradores pela desconfiança e fornecer aos salafrários (´fripons´) o meio de não serem traidores”. (11) Ao comentar os comícios, Rousseau diz que as leis de eleições dos chefes não eram os únicos pontos submetidos ao seu julgamento. O povo romano, diz ele, tendo usurpado as mais importantes funções do governo, pode-se dizer que a sorte da Europa era regulada por aquelas assembléias. “Esta variedade de objetos dava lugar a diversas formas que tomavam tais assembléias, segundo as matéria sobre as quais ele deveria se pronunciar. Para julgar essas diversas formas, basta compará-las. Rômulo, ao instituir as curias, desejava conter o senado pelo povo e o povo pelo senado, dominando igualmente sobre todos. Ele deu, portanto, ao povo, assim, toda autoridade do número para equilibrar (balancer) a da potência e das riquezas que ele deixava aos patrícios. Mas, segundo o espírito da monarquia, ele no entanto deixou mais vantagem aos patrícios por influência de seus clientes na pluralidade dos votos. Esta instituição admirável dos patrões e clientes foi uma obra prima de política e humanidade, sem a qual o patriciado, tão contrário ao espírito da república, não teria podido subsistir. Roma apenas teve a honra de dar ao mundo este belo exemplo, do qual não resultará jamais abuso e que, no entanto, jamais foi seguido”. (12) Quanto ao fato de que a clientela serviu aos patronos ricos, Rousseau tem plena razão histórica. Se tal invenção foi algo excelente, em termos políticos e de humanidade, pode-se imaginar se o filósofo ironizava cruelmente, ou se foi atacado, quando escrevia as linhas acima, por um súbito ataque de realismo. Como a segunda opção é improvável...

Voltemos ao Antigo Regime francês, espaço de clientela e de favores. Em troca da proteção e benesses recebidas, o cliente deve servir ao seu patrão “com docilidade e lealdade, ajudá-lo a conseguir seu alvo, por exemplo, lhe fornecendo informações, o servindo com a pena ou espada, adotando suas inclinações, ambições, e às vezes seguindo-o na adversidade”. O patrão “ajuda seu cliente, se for preciso o veste, o alimenta, hospeda, lhe procura emprego, empresta ou dá o dinheiro para comprar um cargo, o empurra na ascensão social, o defende contra seus adversários. As vezes ele organiza seu casamento, educa ou casa seus filhos. Tal patrão, se não for uma pessoa rica, pelo menos é alguém influente, capaz de intervir em favor de seu protegido o recomendando aos mais poderosos do que ele”. (13)

A ausência de reciprocidade traz ruptura, traição, acusações de ingratidão. Agora o terceiro elemento : o corretor, ou broker. Ele é uma espécie de patrão pela metade, que põe sua própria clientela para servir um outro, mais poderoso. Ele facilita as negociações. “O patrão principal precisa desses ‘cafetões’ –entremetteurs– numerosos e eficazes para ampliar sua influência, assegurar o apoio de meios ou redes que ele não pode abordar diretamente. O corretor tem sua vantagem em fazer frutificar seu próprio capital de relações, monetarizando em preço alto seu papel de mediação e buscando por sua vez assegurar para si mesmo o monopólio do mercadejo (courtage), o que o patrão nem sempre tem interesse em conceder”. (14)

Essas relações de favor e de influência são essenciais na sociedade do antigo regime. Elas permitem entender o funcionamento do poder num sistema estatal incompletamente institucionalizado, como a França do período, formando a “monarquia administrativa”. Note-se o leve tom de etnocentrismo na análise de Petitfils. A França “foi” assim no Antigo Regime. Outras culturas, “incompletamente institucionalizadas” de hoje, sofrem os mesmos males do clientelismo. É possível perguntar se na França e nos demais países “completamente institucionalizados”, o favor e as relações de clientelismo foram abolidas. O autor, na sua exposição, cita para os dias de agora François-Xavier Guerra, cuja tese de doutoramento defendida na França se intitula Le Mexique. De l ‘ancien régime à la révolution (15) Ele também cita Steffen Schmidt (Friends, Followers and Factions: a reader in political Clientelism). (16) Poder-se-ia pensar que as relações de favor do Antigo Regime seriam persistências anacrônicas do feudalismo.

Antes de François-Xavier Guerra discutir a ordem mexicana, no Brasil Maria Sylvia Carvalho Franco tematizou, para compreender a lógica que norteia a sociedade e a política nacional, as relações de favor, de “amizade” e de compadrio . Em Homens Livres na Ordem Escravocrata, a autora conceitualiza a partir de textos históricos e depoimentos, a rede de relações tecida entre poderosos fazendeiros, sitiantes mais pobres e os dominados no baixo da escala social. O grande proprietário, diz ela, manteve relações aparentemente horizontais com o sitiante. Ela começa pelo depoimento de um integrante de família rica em Resende, nascido em 1870. “Não havia desigualdade entre fazendeiros e sitiantes; havia mesmo amizade. Se um deles chegava à nossa porta, vinha para a mesa almoçar conosco”. (17) Aqui temos a noção de amiticia, imperante na sociedade romana e que, nela, apresentava uma polissemia imensa, a ponto de se precisar suspender a busca de sua designação “correta”. A ambigüidade da palavra entra na prática do político romano, do nobre francês, do fazendeiro brasileiro. Como prova da “igualdade” com o sitiante, era dito que eles e grande proprietários eram compadres.

Assim como a amicitiae romana, ou do antigo regime, a prática do compadrio suspende, de maneira imaginária, a diferença de nível e de riqueza. A autora cita Antonio Cândido (18) :“Os vínculos estabelecidos entre padrinho e afilhado eram tão ou mais fortes que os de consangüinidade : não apenas o padrinho era obrigado a tomar o lugar do pai, sempre que necessário, mas tinhas que ajudar seu afilhado em várias ocasiões (...) o afilhado, por sua vez, ajudava o padrinho em tudo o que este necessitava, e freqüentemente tomava o nome da família”. No compadrio, ressalta o fato de um dos lados, o mais poderoso, “se apresenta como um patrocínio do superior e uma decorrente submissão do inferior.”. A criança pobre deve ser “encaminhada na vida”, com ajuda do mais forte. A autora cita Coldman (19) : “Como naturalmente o padrinho deseja cumprir sua promessa com a menor despesa possível, o que de melhor pode fazer senão prover o jovem, tão logo tenha idade adequada, com um emprego público? E se o governo não tem o suficiente número de cargos à sua disposição, como poderia a influência do Duque, Marquês, Barão, Comendador, ser mantida mais facilmente que criando novos cargos e novos funcionários?”. A autora lembra o que significa, no Brasil, o termo “apadrinhar”. Poderíamos dizer a mais, que em nossa terra, “quem tem padrinho, não morre pagão”, ou seja, sempre alcança os empregos públicos ou privados, quando funciona a rede de favores recíprocos.

“Ampliando-se as trocas do compadrio para situações sociais, compreende-se como deriva dele toda uma intrincada rede de dívidas e obrigações, infindáveis porque sempre renovadas em cada uma de suas amortizações, num processo que se regenera em cada um dos momentos em que se consome”. (20) A igualdade fictícia, trazida pelos ritos sagrados e pela “amizade” interessada, mostra sua face de dominação em momentos de apuro financeiro. O patrono ajuda o sitiante, este devolve em apoio político. Diz um rico, em depoimento anotado pela autora: “se os sitiantes da redondeza estavam em dificuldades ou queriam comprar um pedaço de terra, emprestavam dinheiro de meu pai; em compensação, esta gente sempre o acompanhava, eram seus eleitores ou seus cabos, pois ele era o chefe conservador da zona (...) Não havia compra de voto. Não havia concorrência entre os chefes políticos: não adiantava, quem era conservador era conservador e quem era liberal era liberal”. Deduz a autora: “a dependência” em que os protegidos estavam, “tornava inelutável a fidelidade correspondente. Sua adesão em troca dos benefícios recebidos é tão automática, que nem sequer são tomadas medidas que assegurem seu voto; tampouco se cogita de providências para atrair eleitores cuja fidelidade está definida para com o lado contrário. Umas seriam desnecessárias, e outras inúteis”.

Presos à política local ou no máximo regional, os dominados não perceberam o alcance de eventos como a Independência do Brasil e similares. “Estado, na consciência desses homens se confundia com a pessoa do príncipe e governo se identificava com seus atos e decisões, ou com a de seus representantes”. Assim, a consciência política dos setores livres e pobres não vai além da pessoa que lidera o elo entre os dois extremos da cadeia de domínio. A visão institucional do Estado e de seus interesses nacionais ou internacionais falta a tais setores. Os nexos entre patrono e cliente são definidos: “a lealdade inclui o reconhecimento do benefício recebido, o sentimento de gratidão por ele, e o imperativo de sua retribuição equivalente”. Mas “o fabricar de lealdades e fidelidades através de um processo cumulativo de recíprocos encargos e favores promovia, sucessivamente, a eliminação completa da possibilidade de um existir autônomo”. O poder, então, é impossível de ser concebido “senão mediante o prisma formado pela encarnação do poder: este transfigura a realidade social, convertendo-a nas formas objetivadas da existência daquele que é ideado como superior, e plasma as categorias através das quais ela é conhecida, confinando-as a imagens que não podem transcender essa mesma situação vital particular, personificada e alheia”. Isto mostra o peso do comportamento mecanizado do dependente e sua incapacidade para apreender a organização e a dinâmica da política em nível institucional. Atitude similar, de “amizade” ocorre entre patronos e agregados. O morador ficava nas terras do patrono se fosse amigo. “Agregado ou camarada, a anulação de sua vontade se revela na simples incapacidade de tomar uma decisão autônoma”. Uma testemunha, no caso de rapto de jovem, diz que o réu “lhe fora pedir para ter guardada em sua casa a menor e ele respondera que não o podia fazer sem o consentimento de seu patrão, porque era agregado”. Sua recusa, adianta a autora, “tem a ver menos com o risco de transgredir a lei, que de incorrer na desaprovação do fazendeiro”.

O favor permeia, assim, os elos entre patronos e gente livre, mas pobre no Brasil. E se atentarmos para o fato de sermos uma sociedade desigual por excelência, a ficção da igualdade jurídica e política se esvai rapidamente. No mesmo passo, guardamos as práticas políticas do Antigo Regime, como por exemplo a diferenciação entre operadores do Estado e “pessoas comuns”, simples pagadores de impostos, sem maiores direitos e poderes. Os cargos dos “amigos” e apadrinhados continuam em uso, na troca de favores entre oligarcas que tentam se aproximar do poder, na corte. (21) Os mesmos padrinhos tentam, por meio dos seus clientes, alicerçar alianças com seus pares oligárquicos, tudo segundo a receita absolutista.

As relações de amizade, no mundo moderno, seguem o padrão explicitado em Roma: amizade ligada a interesses de ascensão social ou política, breuis et suffragatoria. Voltemos ao Sobrinho de Rameau. Em primeiro lugar, ele cumpre o papel de broker entre personagens ricos e suas vítimas que devem sucumbir ao desejo “amoroso”. Mas ele, como diz um comentador, é apenas um “masca dinheiro, um pobre doador de lições, sem clientela e sem reputação” (Charles Asselineau, em prefácio ao Sobrinho de Rameau). (22) Sem clientela e sem reputação, o Jean François serve apenas no âmbito interno de seu patrão, ele não possui a utilidade e o estatuto de um “amigo”. Seus ofícios entram no rol das coisas abjetas, como o de cativar mocinhas para a lubricidade de personagens ricos e inescrupulosos. (23)

Logo no início do texto, antes mesmo de dizer o nome do Sobrinho, Jean François, o autor diz que ele “tinha se introduzido, não sei como, em algumas casas honestas nas quais tinha seus talheres, mas à condição de não falar sem autorização. Ele se calava e comia com raiva”. Pouco depois, falando de seu tio músico, o sobrinho diz que ele “é um filósofo em sua espécie. Ele só pensa em si mesmo”. E gente assim, “não sabem o que significa ser cidadão, pai, mãe, irmão, parentes, amigo”. Jean François entra nas casas “honestas”, nelas come, mas não fala, ou seja, é destituído do elemento essencial da sociabilidade, a linguagem, onde se estabelecem os vínculos de amizade, parentesco, de política, etc. Já o filósofo, e seu tio é um, está liberado daqueles elos sociais. A receita de bem viver assumida neste ponto é a sabedoria de Rabelais cumprir o dever, sempre falar bem do prior, “deixar o mundo seguir segundo a sua fantasia”. As condições subalternas têm uma sabedoria : ou nada falar, ou falar bem dos patrões. Não existe ilusão de igualdade na perspectiva do Sobrinho. E o poder da fala se concentra na mentira dos poderosos : “eu estava um dia à mesa com um ministro do rei de França, que tem espirito para quatro; ele nos demonstrou claro como um e um fazem dois, que nada era mais útil aos povos do que a mentira, nada mais prejudicial do que a verdade”. Quem possui o poder de falar, mente, sobretudo se está no topo da hierarquia política. Estamos em plena sátira à razão de Estado, algo que suscita a ira diderotiana. Na raison d‘État se estabelece a heterogeneidade entre o mundo dos governados e o universo dos dirigentes. Como diz um comentador do problema, na aurora do Estado moderno “a verdade do Estado é mentira para o súdito. Não existe mais espaço político homogêneo da verdade; o adágio é invertido: não mais fiat veritas et pereat mundus, mas fiat mundus et pereat veritas. As artes de governar acompanham e ampliam um movimento político profundo, o da ruptura radical (…) que separa o soberano dos governados. O lugar do segredo como instituição política só é inteligível no horizonte desenhado por esta ruptura (…) à medida que se constitui o poder moderno. Segredo encontra sua origem no verbo latino secernere, que significa separar, apartar”. (24 )

Diderot, numa Carta intitulada “Sobre o Exame do Ensaio sobre os Preconceitos”, escrito por Frederico da Prússia, o rei que iniciou sua carreira “filosófica” com um livro contra Maquiavel, defende o autor do Ensaio, D’ Holbach. Este, no seu escrito, aconselhava os príncipes a renunciar aos preconceitos da nobreza e da glória militar, abolir os privilégios reconhecendo o mérito verdadeiro realçado por uma educação pública de qualidade, e assegurando0 que deve-se dizer sempre a verdade ao povo (25) Ora, Frederico é o rei que chegou a propor à Academia de Berlim , em 1777, “se pode ser útil enganar o povo ?”. (26) No dia 23 de outubro de 1777, na sessão primeira da Academia de Berlim (Nouveaux Mémoires de l ‘Academie de Prusse, VIII, 46) Formey leu uma carta de Frederico na qual o rei perguntava “se é útil enganar o povo ?”. Em 1778 a Academia mudou a pergunta para “É útil para o povo ser enganado, seja que os induzamos em novos erros ou mantenhamos aqueles nos quais ele lavora ?”. Foram dadas 33 respostas, 20 pela negativa, 13 afirmativas, 4 foram tidas como boas para a primeira categoria, 7 para a segunda. Duas foram premiadas, a do alemão Becker na primeira categoria, a do matemático francês F. de Castillon na segunda. (27)


Segundo d’ Holbach, lido por Diderot, o homem ama a verdade. Diderot considera, como idéia favorita, que “não existe nenhum exemplo de que verdade tenha sido prejudicial nem para o presente, nem para o futuro” (28) É o que o filósofo diz ao Sobrinho : “apesar do ministro sublime que citastes, acredito que se a mentira pode servir um momento, ela é necessariamente prejudicial em longo prazo, e que ao contrário a verdade serve necessariamente em longo prazo, embora ela possa prejudicar no momento”. Mesmo movimento no Sonho de D’ Alembert : “Bordeau: pensais que a mentira tem suas vantagens e a verdade os seus inconvenientes. Senhorita de Lespinasse –Sim. Bordeau : Eu também. Mas as vantagens da mentira duram um momento e as da verdade são eternas; mas as sequências incômodas da verdade, quando ela as tem, passam rápido, e as da mentira só acabam com ela. Examinai os efeitos da mentira na cabeça do homem e seus efeitos na sua conduta; na sua cabeça, ou a mentira se ligou de tal modo à verdade, e a cabeça é falsa; ou ela é bem e consequentemente ligada à mentiram e a cabeça é errônea. Ora, qual conduta poderíeis esperar de uma cabeça ou inconseqüente em seus raciocínios, ou consequente em seus erros ? –Lespinasse – O último desses vícios, menos desprezível, e talvez a ser mais temido do que o primeiro”. (29)

O verbete Raison d’ État da Encyclopédie determina os limites da verdade e da mentira do governante para com os governados: é preciso saber “se a raison d' état autoriza o soberano a fazer sofrer algum dano a um particular, quando se trata do bem do Estado”. É fácil responder: “se prestarmos atenção que, ao formar a sociedade, a intenção e a vontade de cada indivíduo deve ter sido sacrificar seus próprios interesses aos de todos, sem o que a sociedade não poderia subsistir. É certo que o todo é preferível à sua parte; entretanto nessas ocasiões, sempre incômodas, o soberano se recordará que deve uma justiça para todos os seus governados, dos quais ele é igualmente o pai; ele não dará por razões de Estado motivos frívolos ou corrompidos que o empenhariam para a satisfação de suas paixões pessoais ou as dos seus favoritos; mas ele gemerá diante da necessidade que o obriga a sacrificar alguns dos membros para a salvação real de toda a sociedade”. A mentira é o alicerce de todas as religiões, sobretudo do cristianismo (verbete cristianismo, XIV, 145). Montaigne, que é considerado por Diderot, é por ele condenado por considerar que existe mentira útil (Carta a Falconet, setembro de 1766).

Quanto à política do favor, o próprio Diderot dela não escapava na vida real. Basta recordar suas relações com Catarina 2, e outros elos sociais e políticos que lhe renderam bons recursos financeiros. Um personagem que aparece no Sobrinho, no entanto, mostra plenamente a efetividade do clientelismo e dos patrocínios políticos.

Trata-se de Palissot de Montenoi (1730-1814). Diderot o descreve como cínico, parasita, enganador. Em primeiro lugar, ele se instala no círculo “devoto” na corte do rei Stanislas da Polônia. Alí, encontra “proteção” em todos os sentidos. Frederico da Prússia, sendo péssimo escritor mas adulado por intelectuais, o conde de Stainville, mais tarde Duque de Choiseul e primeiro ministro, o aluga, ou aluga sua pena para criticar Frederico. Mais tarde, Palissot se beneficia dos favores de Choiseul, em 1755 ele consegue a Receita Geral dos Tabacos de Avinhão. Vítima de um desonesto, o mesmo Choiseul lhe perdoa uma dívida. Quando Diderot estava no máximo de tensão, pois periclitava a Enciclopédia, ele escreve as “Cartinhas sobre os grandes filósofos”, onde opõe Locke, Condillac, Voltaire aos enciclopedistas, sobretudo Diderot. Palissot, adulador de Luis XV e Luis XVI, adulará a Revolução, na sua parte mais extremista. Recebe uma cadeira no Conselho dos Anciãos e depois um cargo de administrador da Biblioteca Mazarino. (30)
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1 La monarchie, entre Renaissance et Révolution, 1515-1792, Histoire de la France Politique-2, (Paris, Seuil, 2000), página 518.
2 Cornette, op. cit. página 519.
3 Petitfils, Jean/Christian : Louis XIV (Paris, Perrin, 2002), página 49.
4 Petitfils, op. cit. página 50. Daqui para a frente, será feita uma paráfrase deste livro, salvo quando indicado explícitamente, as idéias e análises são dele.
5 Usarei o rigoroso livro de Hellegouarc’h , J.: Le vocabulaire latin des relations et des partis sous la République (Paris, Les Belles Lettres, 1963).
6 Hellegouarc’h, op. cit. página 13.
7 Cf. Coulanges, Fustel : Histoire des institutions politiques de l ‘ancienne France, vol. V, Les origines du système féodal (Paris, Hachette, 1907), página 193. Hellegouarc ’h, página 17.
8 Existem tres formas legais de libertação dos escravos: a per vindictam, que imita as legis actiones, e as formalidades da reivindicação entram nas mesmas formulas requeridas para os bens móveis ou imóveis. Escravo e dono comparecem diante do praetor. O dono, livre, pede a liberdade do escravo. O dono toca o escravo com uma vara (vindicta ou fistuca) dizendo: “Quero que este homem fique livre segundo o jure Quiritium (acessível apenas aos cidadãos de Roma, oposto ao direito acessível a todos, o dominium ex jure gentium)”. O magistrado pode exercer tal ato, em maior ou menor grau de sua jurisdição. Depois o escravo pode ser livre pelo censo: no censo, o dono diz que ele é livre. E finalmente, por testamento. (Cf. Manumissio, no Dicionário de Saglio e Daremberg.
9 Toda a passagem acima é extraída de Hellegouarc ‘h. op. cot. cf. páginas 178-179.
10 Hellegouarc’h, op. cit. páginas 48- 56. O autor desenvolve um estudo longo e minucioso de todas as palavras ligadas à amiticia, desde o termo comites (os acompanhantes e auxiliares de um político), de onde vem comitê em nossa lingua, até necessitudo, que permeia relações prática e de favor, unida à familiaritas.
11 Contrat social, Livro IV, capítulo IV. In Oeuvres complètes, Paris, L´Intégrale, 1971, T. 2, p.570.
12 Cf. Du Contrat Social ou Principes du Droit Politique (Paris, Bureaux de la Publication, 1865), página 163.
13 Petitfils, op. cit. página 50.
14 idem, ibid. página 51.
15 (Paris, Harmattan).
16 Berkeley, 1977. Poderiam ser acrescentados pelo autor outros títulos como Clapham, Christopher : Private Patronage and Public Power: political clientelism in the modern State (London, France Pinter, 1982) e também Einsentadt, S.N. e L. Roniger: Patrons, Clients, and Friends: interpersonal relations and the structure of trust in society (Cambridge, University Press, 1984). E também Boissevain, Jeremy: Friends of friends: networks, manipulators and coalitions (Oxford, Basil Blackwell, 1974).
17 Homens Livres ... (São Paulo, IEB, 1969), página 80.
18 Antonio Cândido de Mello e Souza: “The brazilian family” in A. Marchand e I. Lynn Smith, Brazil portrait of half a continent (New York, Dryden Press, 1951), página 289.
19 Coldman, John: Them months in Brazil (Edinburgh, R. Grant & Son, MDCCCLXX), página 52.
20 Carvalho Franco, op. cit. página 81.
21 13/04/2011 13:40 : “Não concursados dominam 30% dos cargos de confiança no governo” O retrato da máquina pública no início do governo Dilma Rousseff revela a existência de 6.689 funcionários não concursados nos cargos de confiança da Presidência e dos ministérios - o equivalente a quase um terço do total de postos preenchidos por nomeações. Destes, quase 500 estão nas duas faixas salariais mais altas do funcionalismo. Dilma herdou da gestão Luiz Inácio Lula da Silva uma estrutura burocrática que permite a nomeação de cerca de 21,7 mil pessoas para cargos de confiança - os chamados DAS, exercidos por quem tem função de chefia ou direção e pela elite dos assessores da presidente, de ministros e de secretários. Em fevereiro deste ano, 31% desses cargos eram ocupados por não concursados, e 64% por servidores de carreira, segundo dados do Portal da Transparência do governo federal. Há ainda uma pequena parcela de servidores cedidos por órgãos de outras esferas - do Legislativo, de governos estaduais e de prefeituras municipais, por exemplo.” Cada Minuto, Alagoas. 15/02/2009 - 09h01 E na Folha On Line : “Cargos de confiança crescem 32% no país em cinco anos”. “Os cargos de confiança em Estados, municípios e no governo federal aumentaram 32% em cinco anos, saltando de 470 mil no início de 2004, para 621 mil pessoas agora (...) Os dados oficiais sobre as administrações diretas foram compilados pela Folha. Os cargos de confiança são os chamados comissionados, que podem ser ocupados por servidores de carreira ou por pessoas de fora do serviço público. A fatia ocupada pelos comissionados no total de servidores na ativa também aumentou nos últimos cinco anos. Nos Estados, a fatia aumentou de 5% para 6% -- eram 115 mil em 2004 contra 158,8 mil agora (alta de 37,4%). No caso dos municípios, os comissionados passaram de 7,9% do total de servidores em 2004 para 8,8% em 2008. No governo federal, os cargos de confiança passaram de 17.609, no começo de 2004, para 20.656 (subida de 17,3%). O crescimento do total de civis ativos foi de 7,67%, chegando 537,4 mil, segundo o Planejamento. A fatia ocupada pelos comissionados oscilou de 3,5% para 3,8%.”

22 (Paris, Poulet/ Malassis Ed., 1862), página IV.
23 Para análises do personagem encarnado no “pobre diabo”, nas quais inclusive são feitas críticas ao radicalismo de Diderot na caracterização de seus inimigos jornalistas naquela categoria, cf. Duranton, Henri (org) : Le pauvre Diable. Destins de l ‘homme de lettres au XVIIIe siècle, Colloque international Saint-Étienne/2005 (Publications de l ’Université de Saint- Étienne, 2006). Jean Sgard nota, naquele volume, na pagina 62, que os “grandes senhores ou financistas asseguram para si uma clientela de artistas e de escritores que contribuem para seu estatuto e sua glória”. Não é este o caso de Jean François.
24 Cf. Jean-Pierre Chrétien-Goni: “Institutio Arcanae”, in Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: Le pouvoir de la raison d´état. Paris, PUF, 1992, p. 137.
25 Cf. Versini, L. : Introduction à la Lettre de M. Denis Diderot sur l ‘Examen de l ’Essai sur les préjugés in Oeuvres,T. III (Paris, Robert Laffont, 1995), página 163.
26 Cf. Hegel, G.W. F. : Principes de la philosophie du droit (Paris, Vrin, 1975), § 317, página 319 (Trad. Robert Derathé).
27 Cf. Le Neveu de Rameau, Jean Fabre (Genève, Droz, 1977), nota 33, páginas 128-129,
28 Diderot, Lettre...página 167.
29 Rêve de D’ Alembert, in Oeuvres, T. I, (Paris, Robert Laffont, 1994), página 665.
30 Fabre, páginas 145-149.