Os salários da USP
Para o Tribunal de Contas do Estado (TCE),
alguns professores da Universidade de São Paulo (USP), com décadas de
carreira dedicada à educação superior, são marajás do serviço público. É
o que se depreende da recente decisão daquela corte que rejeitou as
contas da USP no exercício de 2011.
O voto do TCE
arrola 167 professores que, na interpretação do tribunal, recebiam
vencimentos acima do teto constitucional - que, no caso dos servidores
paulistas, é o salário do governador do Estado. Entre eles estão o atual
reitor, Marco Antonio Zago, e seu antecessor, João Grandino Rodas. Em
2011, enquanto o governador ganhava R$ 18,7 mil, Zago, por exemplo,
recebia R$ 23,6 mil. Os outros professores citados auferiam uma
diferença mais ou menos semelhante a essa - e, segundo o TCE, o número
de funcionários com salários acima do teto pode ser maior, porque o
levantamento foi feito por amostragem.
Diante disso, o
tribunal ordenou que a USP "congele" os vencimentos desses professores e
que se evitem reajustes futuros para que o teto seja respeitado.
O
teto salarial foi criado para evitar que funcionários públicos se
aproveitassem de brechas legais para somar benefícios obscenos a seus
salários. O estigma criado por esses servidores oportunistas acabou
contaminando a imagem de todo o funcionalismo, razão pela qual
mecanismos para coibir tal prática foram incluídos na Constituição, por
meio de uma emenda de 2003.
Essa emenda diz que a
remuneração de todos os servidores, "incluídas as vantagens pessoais ou
de qualquer outra natureza", não poderão superar o salário da autoridade
máxima em cada Poder ou unidade administrativa. Para se adequar ao que
prevê a lei, a USP informa que, em 2012, cortou benefícios concedidos a
partir de 2003 e que faziam os salários superarem o teto constitucional.
No entanto, a universidade considera, com razão, que os professores que
antes de 2003 tinham vencimentos superiores ao teto por causa de
adicionais típicos da carreira não poderiam ser punidos, pois se tratava
de direito adquirido.
Além da distorção apontada pela
universidade, é forçoso questionar o próprio fundamento da lei. Ela
existe para coibir abusos de funcionários poderosos, entre eles os
eleitos, que podem manipular reajustes e aumentos salariais com
facilidade. Diferentes deles são os funcionários de carreira, que têm
por base o mérito, como os professores, cuja profissão lhes exige
constante aperfeiçoamento e produtividade de nível internacional. Seus
salários são limitados a um teto que não tem rigorosamente nada a ver
com sua atividade, e tal situação certamente os empurrará para a
iniciativa privada e para universidades estrangeiras, provocando uma
temida fuga de cérebros.
Ademais, o voto do TCE equipara os
acadêmicos, servidores de carreira sem outros benefícios senão os que
constam em seu contracheque, a funcionários públicos que ocupam
temporariamente cargos eletivos. Estes, como é o caso do governador,
praticamente não dependem de seu salário para viver, pois têm toda uma
estrutura fornecida pelo Estado para suprir todas as suas necessidades,
com sobras.
O absurdo vai além. Se for de uma instituição
federal, o acadêmico não pode ganhar mais que o presidente da República;
se ele pertencer a uma universidade estadual, o teto será o salário do
governador - e isso significa que serão 27 tetos salariais diferentes,
um para cada unidade da Federação; caso seja professor de uma
instituição municipal, o limite é o determinado pelos vencimentos do
prefeito - e então serão 5.570 tetos diversos, referentes a cada
município. Ou seja, na mesma função, o servidor poderá ser enquadrado em
1 de cerca de 5.600 regimes diferentes.
No momento em que o
Brasil mais precisa valorizar a carreira acadêmica, a cruzada
moralizadora contra a corrupção, embora em muitos casos necessária, não
distingue oportunismo de mérito profissional, reduzindo o poder de
atrair bons quadros para as universidades e impedindo que professores
sejam adequadamente remunerados.