Radicalismo crescente prejudica o debate político no Brasil
Com discursos
extremistas, alguns grupos se manifestam pela internet e provocam
protestos, gerando cautela por parte de especialistas
Defender golpe militar é crime contra o Estado, diz especialista
Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano afirma que o direito à manifestação e à expressão é sagrado. Para ele, ir às ruas questionar a lisura das eleições e até pedir o impeachment do presidente eleito é legítimo dentro do processo democrático. Entretanto, defender um golpe militar como fez um pequeno grupo de manifestantes entre 2,5 mil pessoas em São Paulo é um crime contra o Estado e a Constituição e merece ser punido, completa Romano.“É evidente que isso [pregar a intervenção militar] está muito longe de ser comparado com 1964. Da mesma forma, está distante do discurso ouvido nessas manifestações”, avalia. “Mas não se pode menosprezar episódios como esse, sobretudo num país que já viveu duas ditaduras. Isso dá força para golpistas que desgraçaram o país por anos.”
Na visão de Romano, o mais grave, na verdade, está na inimizade cada vez mais crescente entre PT e PSDB. Ele cita como exemplo a situação da República de Weimar – hoje Alemanha –, onde comunistas e social-democratas se digladiaram intensamente a ponto de se anularem como opção viável para assumir o governo. O resultado foi a ascensão de Adolf Hitler e do nazismo. “No Brasil, isso está tendo reflexos na composição do novo Congresso, com a chegada de mais radicais de extrema direita, a direita não-civilizada e reacionária”, alerta.
Esse acirramento, na avaliação do cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Mário Sérgio Lepre, é reflexo direto do resultado eleitoral, no qual vários estados importantes – como São Paulo, Paraná e Santa Catarina – “disseram um não significativo” ao governo federal. “A impressão de parte da sociedade é que a presidente Dilma ganhou perdendo. Isso gera animosidade, porque, de certa forma, há o sentimento de que o governo já começa velho”, afirma. “Por isso, vemos essas manifestações na rua, que estão amparadas na plena liberdade de expressão. O que não está dado são as motivações concretas que motivariam um processo de impeachment, conforme exige a Constituição.”
Euclides Lucas Garcia
Depoimento
“Defendi o Lula com unhas e dentes há alguns anos”, diz líder de eventoEm Curitiba, o líder de um dos eventos que pedem o impeachment de Dilma Rousseff, Cristiano Roger, também afirma que a iniciativa “nada tem a ver com intervenção militar”. “Se ficar comprovado que ela sabia, junto com o Lula, da corrupção na Petrobras fica mais do que justo pedirmos sua saída”, diz. Roger conta que já foi petista. “Defendi o Lula com unhas e dentes há alguns anos, mas vendo isso [a corrupção na Petrobras] é impossível não se indignar. Enquanto isso o povo não tem saúde, não tem educação, não tem nada”, diz o organizador, que é formado em Pedagogia e já foi candidato a vereador de Curitiba em 2004 pelo PV. Segundo ele, o movimento curitibano defende que o impeachment seja feito pelo Congresso e diz que espera “a adesão do povo”. “Nosso movimento é democrático e pacífico. Queremos moralização na política e mudança.”
Opinião
A legitimidade do direito de manifestaçãoO direito à manifestação é uma forma de exercício da liberdade de expressão. O direito à manifestação de pensamento, mesmo quando expõe crítica contundente, é próprio dos regimes democráticos e está garantido pela Constituição Federal. A maioria dos manifestantes tem pedido auditoria nos resultados do segundo turno eleitoral e o impeachment de Dilma. São manifestações que desagradam aos apoiadores da presidente. Podem até ser precipitadas, como o pedido de impeachment (não há elementos que indiquem que Dilma cometeu crime de responsabilidade), mas são legítimas. Estão garantidas pela Constituição, não implicado em crime ou golpismo. Esse direito, entretanto, não é ilimitado. Não se pode aceitar a defesa de golpe contra o Estado – algo que é proibido pela Lei de Segurança Nacional. E os manifestantes que defendem golpe, esses, sim, estão abusando do direito de liberdade de expressão e se manifestando de forma ilegítima.
Manifestante pede o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em ato em São Paulo no último sábado
protestos
Radicalismo crescente prejudica o debate político no Brasil
Com discursos
extremistas, alguns grupos se manifestam pela internet e provocam
protestos, gerando cautela por parte de especialistas
Para o filósofo Roberto Romano, o direito à manifestação e à
expressão é sagrado. No entanto, completa, defender um golpe militar é
um crime contra o Estado e a Constituição (leia mais abaixo).
Para especialistas ouvidos pela reportagem, outro aspecto é que o
radicalismo crescente faz com que debates importantes percam força na
discussão política. Com isso, pautas defendidas por estes grupos, muitas
vezes contrárias a minorias, ganham força.
Pequeno grupo
Renan Santos, de 30 anos, do movimento Brasil Livre que liderou a
manifestação que reuniu 2,5 mil pessoas em São Paulo no último sábado,
afirma que não esperava a presença de grupos pedindo intervenção militar
no ato. “Fizemos um manifesto e vídeos orientando quais são as posições
da passeata, mas infelizmente esse pequeno grupo entrou lá. Desde o
início rechaçamos as posições que eles tinham, mas as pessoas estavam
lá”, conta.
Para evitar o encontro, Santos diz que alterou local do próximo
ato que está preparando no dia 15, que tem quase 5 mil confirmações no
Facebook. Ele afirma não ser filiado a nenhum partido, mas simpatizante
duas legendas da direita liberal em processo de legalização: o Liber e o
Novo. Ambos defendem o Estado mínimo, a livre iniciativa e o direito à
propriedade.
Apesar de afirmar que as pessoas envolvidas no grupo que lidera sejam
oposicionistas ao PT, evita classificá-las como de direita. “O termo é
muito deturpado no Brasil. O nosso movimento envolve pessoas liberais na
economia e conservadores nos costumes e também liberais no campo
econômico e pessoal. Como acreditamos no Estado democrático de direito,
obviamente superamos as diferenças e defendemos a democracia”, afirma.
Segundo Santos, as manifestações não estão sendo organizadas apenas
porque Dilma Rousseff venceu as eleições e sim porque o PT “vem
aparelhando todas as instituições necessárias ao bom funcionamento da
democracia, como a imprensa e o Judiciário.” Santos defende ainda que se
teste as urnas e que se faça auditoria. “Não tem nada de golpista em
querer que elas sejam auditadas, afinal as urnas são a base do processo
democrático.”
Grupos se organizam pelas redes sociais
Há dezenas de páginas nas redes sociais que pedem o impeachment de
Dilma Rousseff (PT). Uma das maiores é do grupo Revoltados Online, com
mais de 218 mil seguidores liderados pelo paulistano Marcello Reis, que
tenta reunir 60 milhões de adesões.
Na página do grupo, o ativista publica vídeos explicando suas ações.
Em um deles – que tem mais de 11 mil curtidas e 55 mil compartilhamentos
– afirma que pretende encaminhar o pedido de impeachment ao “Conselho
Internacional de Segurança”.
Questionado sobre que órgão seria este, Reis explica que se trata do
Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). “Eles podem não
reconhecer o governo brasileiro e pressionar o Congresso a tomar uma
ação”, afirma.
Apesar de se dizer contra a intervenção militar, Reis afirma que não
pode evitar caso apareçam pessoas com cartazes sobre o tema na
manifestação que organiza no dia 15 em São Paulo. Questionado se o grupo
que lidera também pensa assim, o ativista relativiza. “Agora estamos
defendendo a ideia simplesmente do impeachment da presidente da
República e a anulação das eleições. Queremos provar que as urnas foram
fraudadas. Ponto”. O evento tem 135 mil confirmações.