terça-feira, 25 de novembro de 2014

Jornal do Commercio 24/11/2014. Porque Roberto Romano não é nada otimista com os avanços da Lava Jato e outras.

Brasília-DF Luiz Carlos Azevedo

 Denúncias e evolução


Há muitas questões a serem respondidas na Operação Lava-Jato. Algumas talvez deixem de ser mistério logo. Para outras, que dizem respeito aos efeitos do processo, por óbvio só teremos a resposta daqui a algum tempo. Qual será o valor da empresa depois da descoberta de todos os desvios de que foi vítima? Qual será o prejuízo político e eleitoral para os partidos envolvidos nas acusações?
Essa leva de indagações inclui uma que só daqui a anos será respondida, se é que será. Qual a influência no aprimoramento das instituições do país? O economista Claudio Porto é otimista. "Estamos passando por um processo que pode vir a se mostrar algo da importância da operação Mãos Limpas na Itália", compara.
Depois da prisão de Tommaso Buscetta no Rio de Janeiro, nos anos 1980, houve o desmantelamento da Cosa Nostra, a máfia da Sicília. "É claro que o crime se reorganizou depois, mas não conseguiu ocupar o espaço que tinha antes no país", relembra Porto, presidente da consultoria Macroplan.
Como consequência da Lava-Jato, ele prevê a queda dos preços das obras públicas, expurgadas as propinas, para patamares razoáveis. Isso permitirá ao país expandir a infraestrutura, o que tem imenso potencial de melhorar a produtividade, portanto o crescimento econômico.
É a visão de um otimista. O filósofo Roberto Romano pensa de modo diferente. "Ao condenar (Fernando) Collor no julgamento do Congresso, os parlamentares faziam discursos se dizendo orgulhosos e homenageando a família. Poucos meses depois, estavam fazendo aquelas mesmas maracutaias que atacaram", relembra.
Para Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o problema do Brasil é estrutural, portanto não será resolvido com uma investigação. "A corrupção é um hábito. E como dizia (Jacques) Lacan, um hábito é algo muito difícil de modificar. É feito de valores e contravalores".
As raízes da falta de fronteira entre o público e o privado são históricas. No Brasil Colônia e no Império, os tributos eram integralmente enviados à Corte. O que garantia a construção de pontes e estradas nas áreas rurais eram as contribuições dos fazendeiros. Em contrapartida, quando precisavam de dinheiro, eles achavam natural usar uma parte do que havia sido recolhido, conta o filósofo.
Em uma ponta estão empresários, na outra agentes do Estado, que agem para se beneficiar mutuamente. "Em nenhum país que eu conheço há tantos privilégios para detentores de mandatos como no Brasil. Onde mais um vereador tem direito a carro com motorista? Nos Estados Unidos, os ministros da Suprema Corte vão trabalhar dirigindo os próprios veículos", compara.
Grande parte dos agentes do Estado, de forma ampla, é vinculada a partidos políticos, com mandatos ou nomeados com o apoio dos eleitos. A função deles é garantir benefícios ao partido que está no poder e aos seus membros. Isso não é privilégio de uma legenda, como alguns imaginam. Nem mesmo algo exclusivo do país.
Romano lembra que no início do século passado, era comum o partido Trabalhista e o Conservador trocarem quase todos os nomes nos cargos públicos ao se alternar no governo. Na Alemanha, a República de Weimar fez isso. E, mais tarde, quando os nazistas venceram as eleições, tiraram todo mundo de lá e colocaram seus partidários.
O fato de esses países terem evoluído indica, ao menos, que nós também podemos trilhar esse caminho. "Estamos conseguindo, mas a passos de tartaruga. Não podemos ser ingênuos", avalia Romano.
A solução, lembra, deve ser a mudança da sociedade. Não adianta esperar que uma reforma política resolva isso, ou mesmo a maior eficiência do Judiciário. E o exemplo da Operação Mãos Limpas na Itália? "Ela não impediu que o (Silvio) Berlusconi se tornasse primeiro-ministro", pondera.

Tesouro de origem incógnita
O alerta do filósofo, sem dúvida, faz todo o sentido. Mas é bom lembrar que uma das principais forças de transformação da sociedade é o aumento da renda e a universalização da educação, coisas que avançaram consideravelmente no Brasil nas últimas duas décadas.
Quando se aprende que o dinheiro do Estado não é um tesouro de origem incógnita, mas sim o resultado da soma dos esforços individuais, torna-se mais fácil cobrar o correto emprego dos recursos, tanto do ponto de vista da eficiência quanto da lisura.
Ainda assim, não é fácil confiar na evolução social e política do país. Sobretudo quando lembramos a incapacidade das denúncias, do julgamento e das condenações do Mensalão de inibir os desvios do Petrolão.