sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Não me lembro de quando é, nem onde saiu o artigo abaixo. Mas ele é muito atual, muito...

Sobre os grupos intelectuais

Roberto Romano

Desde longa data, enfrento patrulhas políticas, religiosas, ideológicas. Numa sociedade onde a covardia dos indivíduos aconselha adesão a este ou aquele grupo (não raro quadrilha), o isolamento de quem não segue as súcias é assustador. Experimento o exílio sempre que um conventículo chega aos palácios. As mesmas línguas que, fora do poder, me tratavam como “professor” referem-se a mim como “aquele sujeito”. Foi assim com o PMDB no Planalto, com o PSDB, com o PT. Falo o que penso. Não escondo meu sentimento quando o arbítrio, a truculência e a má fé se instalam como ordem governamental. O que se passa com os partidos repete-se no trato com a mídia, com as artes, as ciências. Quando precisam de alguém disposto a dizer que o verde é verde e o marrom é marrom, sou procurado (de maneira asfixiante). Passou o problema, somem os pedintes e a gentileza. É o “efeito preservativo” nas relações entre intelectuais e “movimentos”: usado uma vez certo indivíduo como simples meio, ele é “pinchado”, como se diz no português saboroso do caipira.

O rito de excomunhão é igual em todas as seitas. Primeiro, vêm os rosnados, as caras feias, a não resposta ao comezinho “bom dia”. São os sinais precursores do ódio que fermenta contra quem ousa desmentir dogmas e safadezas. Depois, os seus alunos ouvem (sem que tenham solicitado a ninguém) juízos calhordas e covardes sobre sua pessoa (os recados são emitidos justamente para atemorizar), os seus projetos são recusados por detalhes que evidenciam perseguição. Depois, você mesmo tem os seus projetos cortados por colegas anônimos que se escondem sob a máscara burocrática. São múltiplos os recursos da covardia coletivista. Há um trabalho lingüístico para selecionar os que não devem partilhar o banquete do poder. Primeiro, são excluídos os que não usam os jargões das quadrilhas acadêmicas e políticas. Na época em que o PT se dizia de esquerda, era obrigatório usar frases iniciadas com “neo-liberalismo”, “consciência crítica”, “fora FMI”, “fora FHC”, “Covas o exterminador do futuro” e outras frases grosseiras e ressentidas. Se o infeliz não entoasse aquelas jaculatórias, era classificado como reacionário. Se as rezasse, era progressista, honesto, amigo do povo etc. O rebanho usa tais filtros como instrumento de exclusão. Depois, seguem os valores. Se você acredita neles, deve se cuidar porque nada é mais volátil do que a a fala das seitas. Elas são capazes de dizer “sim e não” ao mesmo tempo, dependendo da oportunidade ilustrada pela frase mestra: “isto é bom para nós”. E mesmo que “isto” desgrace o País e a reputação dos julgados “inimigos”.

Lembro-me do suadouro que tentou me passar certa “militante” inquisitorial do PT. Após cometer uma “tese” de doutorado que nem tinha a dimensão de panfleto, a dita cuja passou a intimidar docentes para que fossem tolerantes na banca. No meu caso, ela usou o seguinte truque: pediu-me entrevista e começou afirmando que eu era pessimamente avaliado por colegas e alunos. Todos se perguntariam “qual é a do Romano, é de esquerda ou direita?”. Evidente a armadilha mediocre: caso me intimidasse e respondesse “de esquerda”, deveria aprovar a “tese”. Caso oposto, eu teria admitido uma condição indesejada. Bati a mão na mesa e mandei-a para a porta de saída, não lhe dando o direito de agir de forma tão baixa. Exigi respeito, recusei participar da banca. Outros colegas aceitaram o “convite”, deram nota baixa à candidata e ouviram insultos da mesma após a proclamação do resultado. Hoje, a referida militante não milita, apenas desgraça a vida de alunos, colegas e funcionários, com truculência exemplar. E dá pareceres sigilosos sobre projetos de pesquisa, bolsas etc.

Existe gente assim em todos os círculos. Como dobram a espinha, consideram monstruosas as pessoas que mantêm ereta a coluna vertebral. Como adulam quem manda e caluniam quem não manda, desprezam os não aduladores. Como são covardes e agem com a proteção das matilhas, pensam disssolver os pensamentos alheios com os cortes de recursos, de bolsas etc. Iludem-se. Indivíduos desse naipe existem nas religiões (certos lugares de “santidades” são ninhos de víboras, como disse o Cristo), nas ciências (plágios, roubos de trabalhos, censuras de ordem metodológica ou doutrinária são banais em academias), nos esportes, nas artes, na políticas. Solerte Pascal: toda essa miséria deve-se apenas ao homem. “Odiamos a verdade, e nos escondem a verdade; queremos ser adulados, nos adulam; gostamos de ser enganados e nos enganam”. É o “reino animal do espírito” cheio de leões, infestado de hienas ou cobras. Certa colega me perguntou, após uma conferência: “Como você consegue ser tão independente?”. Resposta rápida : “custa muito!” É um luxo não ter compromissos com as seitas. Por tal motivo, sinto-me livre para criticar os santarrões aposentados do PT. E digam as línguas boçais o que desejarem, com seus adjetivos mesquinhos como “esquerda” ou “direita”. A honradez me basta.
Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp