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Uma noite vergonhosa |
01/09/2011 |
Padre Antônio Vieira, nascido em Lisboa, em 1608, e falecido em Salvador, em 1697, disse: “Nessa terra conjuga-se o verbo roubar em todos os tempos, modos e lugares”. Ele falava da colônia do Brasil.
Hoje, passados muitos séculos, estamos diante de uma decisão que é o primeiro teste de cada um que está aqui exercendo este mandato: pela primeira vez nesta Legislatura de 7 meses, cumpridos apenas 12,5% do seu período, estamos em uma encruzilhada em que se testa a ética republicana. É disso que se trata. Nós estamos aqui revogando ou não, simbolicamente, o art. 14 da Constituição, que estabelece que a elegibilidade depende, sim, da vida pregressa, ilibada, da probidade, da moralidade. A defesa não defende, pois não consegue defender o indefensável. Daqui a pouco, as televisões do Brasil vão exibir cenas de corrupção explícita. E a defesa vem e diz que isso não é a questão, que não devemos entrar no mérito, apenas no período em que isso aconteceu. Está em nossas mãos e consciências institucionalizar ou não a corrupção eleitoral descarada. Ela é grave, bem além de qualquer medida de tempo. A conduta pública vale permanentemente. Um outro argumento da defesa é intimidatório: Cuidado, a Deputada em questão pode ser qualquer Deputado amanhã. Suponho que esse tipo de episódio não aconteceu com nenhum dos que estão aqui. Devemos dizer SIM ao profundo, atento e digno relatório do Deputado Carlos Sampaio, aprovado por 11 votos contra 3, no Conselho de Ética da Casa. Nós vamos dizer que não temos medo. Não nos intimidamos. Seria um acovardamento, um apequenamento desta Casa aceitar esse tipo de indução a um voto temeroso. Porque, na verdade, como diz o eminente jurista José Eduardo Martins Cardozo, no relatório de 49 páginas — dos quais a defesa só escolheu uma ou duas — , “fatos novos intervenientes, que mostram que a vontade do eleitor no pleito poderia ser diferente, fatos novos que revelam que situações ocultas e graves que vieram a lume só mais recentemente são, sim, objeto de um processo de cassação, independentemente do seu período”. Está aqui, para quem quiser ler. O voto secreto secreta conluio, arranjo obscuro, corrupção, podridão. Voto secreto de representante do povo é covardia contra a sociedade: pode acobertar burla, roubo e fraude contra ela. Por isso nós, do PSOL, fazemos questão sempre, por dever para com os nossos eleitores, como destacou o Deputado Reguffe, de deixar clara a nossa posição. O PSOL entende que o que está em jogo é a credibilidade da política e desta jovem Legislatura. Para o PSOL, o voto “sim” ao relatório do Deputado Carlos Sampaio – fundamentado e contundente, com muito respaldo jurídico e político - significa “sim” a um padrão transparente de prática política, “sim” à lisura no processo eleitoral, “sim” ao direito à informação dos eleitores e não à corrupção eleitoral, que não pode ser banalizada. “Sim” à compreensão de que fatos pretéritos que não sejam do conhecimento do eleitorado e que possibilitem um voto desinformado, devem sim, se graves e relevantes para a vida política — não estamos falando de qualquer outro tipo de delito menor da história pessoal de ninguém —, ser considerados para um processo de cassação. O voto sim do PSOL é um voto com a Procuradoria-Geral da República, com a Justiça, com o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, com a maioria dos oradores que veio à tribuna para denunciar uma postura que macula o Parlamento como um todo e esta ainda jovem Legislatura – que pode se fossilizar rapidamente. Todos temos um patrimônio — que não é material: a nossa trajetória de vida, a nossa honradez. Ela está em jogo. Que ninguém se esconda! PT, PCdoB, PDT e PSB não se posicionaram sobre Jaqueline Roriz, não se dignaram a colocar sua orientação no painel: omissão cúmplice. Triste ver como essas siglas ficaram minúsculas... A PEC fim do voto secreto já foi aprovada na Câmara dos Deputados em primeiro turno, há 5 anos. Depois sentaram em cima. Retomemos essa luta! Consola a indignação, ainda pouco organizada, de muitos. E a sabedoria de Clarice Lispector: “o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo”. Ainda não chegou essa hora. Resistamos, coletivamente. |