Aos estudantes da Universidade Estadual de Maringá
Universidade Estadual de Maringá 2011 foto de Andressa Modolo
Foto: Juliana Ozaí da Silva e a turma de pedagogia 30 de agosto de 2011. Foto de Antonio Ozaí da Silva
blog do ozaí , professor do Departamento de Ciências Sociais, UEM AQUI
Foto: Juliana Ozaí da Silva e a turma de pedagogia 30 de agosto de 2011. Foto de Antonio Ozaí da Silva
“Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até a si próprio…” (Dostoiévski)
“Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam por anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis.”
Bertolt Brecht
Ocupação Manuel Gutierrez 25/08/11 - UEM (Foto: Andressa Modolo)
Eles ocuparam o prédio da reitoria da Universidade Estadual de Maringá em 25.08.2011 e saíram nesta sexta-feira, dia 02 de setembro de 2011. Nestes dias, muito se falou deles. Nas salas dos professores, salas de aulas e corredores da UEM; nas residências, ruas, ônibus, igrejas, shoppings e comércio de Maringá e região; na mídia local e estadual; nos blogs, facebook, etc. Em todos os lugares, eles dividiram opiniões!
Muitos os criticaram, alguns mais exaltados clamaram por repressão. “Baderneiros”, “maconheiros”, “vagabundos”, “vândalos” e outros epítetos foram lançados à face. Ironizaram a pauta de reivindicação, reduzindo-a um ou outro item. Outros críticos, quiçá moderados, quem sabe constrangidos, direcionavam suas farpas aos meios de luta utilizados e ao reiterado argumento da “partidarização” do movimento. O velho discurso da ordem foi brandido, sem a mínima análise crítica do significado desta. O clamor pela restauração da ordem tornou-se histeria na medida em que os dias passavam e os estudantes ousavam ainda mais.
A ousadia dos estudantes forçou o corpo docente a romper o marasmo e a indiferença. Pressionados pelas circunstâncias, muitos tiveram que se posicionar. Nas salas de aula, no campus, a violência simbólica assumiu ares de retórica democrática e o poder professoral revelou-se um fator inibidor do apoio e participação ativa dos alunos no movimento. Posicionar-se é um direito democrático. Não é isto que se questiona, mas sim o agir professoral, ou seja, se o(a) professor(a) exorbita em sua autoridade. Afinal, em sala de aula a relação é de poder!
Não obstante, o Movimento de Ocupação da Reitoria “Manuel Gutierrez” conquistou o apoio ativo de muitos docentes e técnicos – ainda que sejam minoria no campus. O apoio de sindicatos, associações representativas e outras instituições maringaenses também foi importante.
Os estudantes resistiram e deram uma lição de política, de democracia. Eles souberam superar as divergências internas, próprias de um movimento politicamente pluralista, pela prática democrática da autogestão. Organizaram-se em comissões, sem hierarquizações e com a assembléia estudantil como órgão máximo de debate e decisão, a qual todos estavam submetidos, inclusive e principalmente os representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) – Gestão Movimente-se UEM. Eles construíram na prática a unidade que as forças de esquerdas neste país têm se mostrado incapaz de consolidar.
A ironia é que a práxis democrática estudantil teve como locus o símbolo do que em tese representa a comunidade acadêmica, o Conselho Universitário (COU). Foi na sala de reuniões do COU que os estudantes debateram e decidiram os rumos do movimento. De fato, o COU expressa o poder docente (a eleição para os seus membros desconsidera até mesmo o critério da paridade).
Os acadêmicos deram uma demonstração de responsabilidade. Cuidaram do patrimônio público de forma exemplar. Oxalá, todos tivéssemos a mesma consciência em relação à res publica! Eles navegaram na contracorrente de uma certa prática privatista que vê o bem público como se fosse uma dádiva governamental a ser apropriada privadamente, por vias tortuosas ou mesmo sob o verniz burocrático-legal.
Outra lição dos estudantes foi a superação do individualismo. Estamos tão absortos em nossos projetos pessoais, concorrência por editais, cargos burocráticos, etc., que perdemos a dimensão social do nosso trabalho, do que significa ser intelectual, do compromisso da universidade pública com a comunidade e a realidade social que a circunda. Eles agiram por demandas coletivas. As conquistas do movimento contribuem inclusive com o trabalho docente e serão usufruídas pelos futuros estudantes. Eles constroem uma universidade de qualidade de fato
Os espíritos conservadores – às vezes travestidos de liberais ou até mesmo com retórica marxista – horrorizam-se diante da ação real e concreta dos que não apenas estudam a história, mas ousam fazê-la; dos que não se limitam a memorizar textos, conceitos e teorias, mas aceitam o desafio de aprender com a prática e, assim, superar seus próprios mestres. As atitudes dos jovens estudantes desafiam-nos a repensar a nossa práxis docente e a observar com maior acuidade as incoerências existentes entre o discurso e a prática.
Todavia, talvez a maior lição dos estudantes seja o ousar lutar. A luta é uma escola de política por excelência. Os que lutaram no passado, mas se acomodaram à mesmice ou se encastelam em cargos burocráticos, talvez possam aprender algo. De qualquer forma, o aprendizado que a luta proporciona aos diretamente envolvidos têm efeitos positivos. A direção aperfeiçoou seu aprendizado político. Pedagogicamente, talvez o mais importante tenha sido a educação política das dezenas de jovens, mulheres e homens, que viveram a experiência da luta concreta. Cresceram intelectual e politicamente, tornando-se seres humanos mais conscientes e críticos. Há quem prefira que os estudantes se restrinjam a estudar e tirar nota – este modelo favorece os mais adaptados. No fundo, porque é cômodo, pois acadêmicos politizados e conscientes dos seus direitos desafiam o poder burocrático e professoral.
Ainda há muito a fazer! É preciso, por exemplo, democratizar pra valer não apenas o COU, mas também o espaço da sala de aula. No entanto, os acadêmicos do Movimento de Ocupação da Reitoria “Manuel Gutierrez” deram passos importantes e foram vitoriosos em seus objetivos. Deram-nos lições e estão de parabéns. Nós, professores, podemos nos orgulhar deles e delas!
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Like this:LikeBe the first to like this post. Posted on 03/09/2011 in política, práxis docente, universidade.
8 comentários
. Sobre Antonio Ozaí da Silva
Professor do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e autor de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária (Ijuí: Editora Unijuí, 2008).
View all posts by Antonio Ozaí da Silva » ..8 respostas »
Marta Bellini disse:
05/09/2011 às 9:21 Parabéns pela análise lúcida e poética.
Rose Palmeira disse:
05/09/2011 às 0:17 Professor Ozaí, que alegria saber que nossa juventude está construindo um novo Brasil. Fiquei encantada em ver pai e filha juntos numa bonita e necessária luta, luta pela correção de rumos da nossa universidade que deve ser pública e gratuita, bem administrada e comprometida com a educação que merecemos para construir um novo Brasil livre da corrupção e da irresponsabilidade pública e privada.
Parabéns!
Profa. Ms Rose Palmeira,Fortaleza
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José Maria Theodoro disse:
04/09/2011 às 17:39 O Movimento de Ocupação da Reitoria “Manuel Gutierrez” expõe a questão que, se não é, deveria ser permanente nas universidades: o quanto e de que modo atende às demandas da sociedade, particularmente das camadas sacrificadas pela economia de mercado, por falta de acesso à informação e educação, enfim, a falta de possibilidades e melhores condições de vida. O estranhamento de alguns setores em relação à atitude dos estudantes denuncia um distanciamento entre a universidade e seus princípios que se traduzem por ensino, pesquisa, extensão. Estes pilares dizem respeito a acompanhar as mudanças (democratização), discuti-las e buscar implementá-las de modo que o conjunto da população possa usufruir de benefícios. Seria uma lista bem extensa se fôssemos enumerar aqui as reivindicações que poderiam e deveriam ser feitas para atender a direitos não respeitados no campo da educação, da saúde, moradia, transporte, saneamento, etc., e uma dúvida: Por intermédio de quem ou de quê? Por intermédio de associações de moradores, sindicatos, partidos? Cabe à universidade discussão permanente.
Os estudantes, nessa perspectiva, proporcionaram não uma, mas várias aulas, e o debate extrapolou o espaço físico acadêmico. Alvíssaras!
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Vicente Mourão Landim disse:
04/09/2011 às 12:19 LUTA DE CLASSES
A luta de classes é autêntica quando se expressa nos terrenos econômicos, ideológicos e político. Ela é a força motriz por trás das grandes transformações da sociedade na história.
A sociedade civil brasileira está dividida em entidades de classes por categoria profissional. Isso já é um estágio muito avançado. Porém, as forças antagônicas se infiltraram nas entidades de classes com a política partidária para não permitir a unidade ideológica. Perceba que todas as lutas sociais são reivindicações no terreno econômico e, por melhores salários, com poucas exceções. E, quando as lutas sociais são somente no campo econômico, o capitalismo se torna mais forte, porque ganha consumidores mais fortes e, por isso inflacionam os preços com a finalidade de desorganizar a economia para obter maiores lucros e mais fáceis.
O que vemos no Brasil é uma sociedade mesclada de entidades de classes com partidos políticos…
As entidades de classes sociais organizadas deveriam ser apartidárias, e estar atenta aos interesses sociais sem esperar nenhum reconhecimento.
O objetivo fundamental e institucional das entidades de classes é o conhecimento exato e racional das necessidades da sociedade e lutar por elas. E, isso é fazer política.
Quero apresentar minha solidariedade aos bravos professores, nessa luta desigual. E um alerta: unam-se ideologicamente e apartem-se dos partidos.
Vicente Mourão Landim
04/09/2011
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Rodrigo Candido da SIlva disse:
04/09/2011 às 12:12 Ozaí, seus textos sempre contundentes e emocionantes, transparecem o espírito de luta lá presente na ocupação. Um espírito de luta que não combina com “vandalismo”. “baderna” e violência. Aliás, atitudes violentas e de depredação partiram de esferas institucionais, como foi o caso do corte dos fios para o desligamento da rádio.
Os estudantes ousaram lutar, e com isso, na resistencia, no espírito democrático, na esperança de fazer de suas lutas a realidade de uma universidade melhor, e colocar uma barreira nesse espírito privatista que gradualmente vem tomando corpo na universidade e em outras instituições públicas.
Sua atitude, tanto em manifestações por texto, quanto a sua presença na ocupação, foi de fundamental importância.
Após alguns meses, achei que a questão da ocupação foi um bom motivo para reativar meu blog
Coloquei algo lá também
http://rcandidoblog.blogspot.com/2011/09/ocupacao-da-reitoria-primavera-da-uem.html
Abraços.
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Pedro disse:
04/09/2011 às 9:20 Antonio
Muito bom dia
Excelente texto. Cumprimentos. (Extensivos aos que ousaram participar do Movimento).
Precisamos que as manifestações tomem corpo a exemplo da Grécia, Espanha e recentemente no Chile, Em muitos locais do Brasil movimentos semelhantes ao dos Estudantes e Funcionários da UEM estão em curso, o que além de um alento é uma esperança. No que tange aos que participam dos Movimentos com finalidades eleitoreiras o melhor enfrentamento é o que foi dado na Ação Direta na condução de todas as ações e decisões mantendo o eixo da participação de todos.
Seguimos irmanados nas lutas sociais.
Abraços
Pedro
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Francisco Bendl disse:
04/09/2011 às 3:24 Inegavelmente que são nas Universidades que se formam líderes para o futuro, políticos que vão comandar um município ou estado ou país.
Aprende-se democracia; a debater assuntos pertinentes às questões acadêmicas, mas que também repercutirão na sociedade como um todo; aceita-se o diálogo; a entender pensamentos diferentes; o início de tentativas de conciliação; convicções; simpatizantes, enfim, os primeiros passos são dados nas Universidades e geralmente esses questionamentos acabam em conflitos, que também exigem sensibilidade – outro aprendizado – quando os lados antagônicos precisam ceder para atingir seus objetivos.
Uma pena que esses exercícios práticos de vida social e política terminem no próprio campus, haja vista que ao chegar à política verdadeira, aquela que elege os representantes das câmaras, assembléias e congresso nacional, a realidade é completamente diferente!
O ensino universitário é deixado de lado e passa a se praticar a mentira, a corrupção, o apadrinhamento político, os desvios de verbas, os interesses partidários, a manutenção do poder, questões que não foram discutidas e nem mencionadas na Universidade de Maringá, de modo que essas novas mentalidades levassem consigo quando assumissem um cargo eletivo, que precisam ser simplesmente honestos!
Dito isso, parabéns aos alunos que mostraram disposição para o enfrentamento em busca de seus interesses e melhoria do ensino, mas tomara que a sinceridade e a transparência de seus gestos sejam as características desses futuros líderes que um dia terão as rédeas de um governo nas mãos e ajam exatamente desta forma, e não contrários ao bem comum.
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João Dos Reis disse:
04/09/2011 às 0:51 Caros Amigos não é bom ver a necessidade de alunos exigirem seus direitos? É terrível ler nos periódicos do mundo desempregados desassistidos pelo Estado Britânico serem chamados de vândalos e serem tratados como tal, quando grande parte dos programas sociais ingleses foram cortados para que o Estado honre seus débitos em bônus da rainha. Nos entristecem os gestores – do reitor aos chefes de departamento – das universidades públicas brasileiras defenderem um projeto educacional que não é nosso, dos quais tampouco participamos de sua construção. É triste ver a morbidez da Instituição Universitária Brasileira chegar a este ponto e vermos solitariamente funcionários e alunos atuarem politicamente e os professores não se movimentarem politicamente, pois estão correndo atrás de suas carreiras em vez do conteúdo acadêmico de nossos trabalhos. Por que? Há muitas explicações sem dúvida e muitos debates, contudo sempre fico com um gosto amargo na boca quando penso que talvez a hipótese de que a política tornou-se uma atividade econômica seja a mais provável. Esta hipótese ganha força com o silêncio do intelectuais e com a voracidade dos jovens professores que correm atrás de suas carreiras como os jovens executivos que tomam ritalina e acabam de entrar no mercado de trabalho nas corporações mundiais que tomaram o lugar de milhões de empresas brasileiras privadas ou estatais vendidas a preço de banana. Fico desolado em ver como a transgressão do ato de refletir, criticar e socializar a crítica para fomentar um debate sempre acabe em desqualificação de quem iniciou este legítimo e necessário movimento. Sinto vergonha quando vejo nossos alunos e nossos colegas funcionários fazerem o que nós deveríamos ter começado há muito tempo. João dos Reis Silva Júnior
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Cícero \wellington disse:
03/09/2011 às 23:21 Hoje , de repente me ví absorvido pela leitura deste texto, e relembrei meu tempo de líder estudantil aqui na Bahia, quando me ví obrigado a lutar por interesses comuns numa faculdade privada, onde fui aluno. Precisamos de pessoas que realmente ousem lutar, lutar organizadamente, defendendo interesses comuns. Qém dera encostrássemos mais pessoas com esse objetivo em vários setores de nossa sociedade.