quarta-feira, 24 de julho de 2013

Correio Braziliense, entrevista Frei Betto, Roberto Romano e outros analistas.

 Senado Federal - Portal de Notícias.
Data: 23/07/2013 Fonte: Correio Braziliense - 6
Imprimir

A primeira prova de fogo

FRANCISCO NO BRASIL
 
Segundo especialistas, líder religioso tem a chance de ampliar a agenda católica de justiça social com o cenário de insatisfações dos brasileiros diante das condições de vida nas cidades 

JOÃO VALADARES
A onda de insatisfação que tomou conta das ruas do Brasil em junho será aproveitada pelo papa Francisco para consolidar a imagem de um líder conciliador e, sobretudo, atento aos problemas do povo. O terreno é pantanoso, mas, na avaliação de cientistas políticos, religiosos e teólogos ouvidos pelo Correio, é a oportunidade ideal para o pontífice fortalecer mundialmente a nova agenda da Igreja Católica, pautada nas ações do papa João XXIII, que priorizam os mais pobres e o compromisso cristão com a justiça social.

O escritor e religioso Frei Betto, adepto da Teologia da Libertação, disse não ter dúvidas de que, no domingo, quando deixar o Brasil, o papa vai sair bem maior. “É impossível ele sair diminuído. Ele veio ao encontro das manifestações dos jovens e essa imagem será consolidada. Ele sinaliza para uma Igreja Católica bem mais perto dos pobres. Já chegou enorme ao Brasil, abraçando o povo e com o vidro do Fiatzinho aberto”, ressaltou. Frei Betto acredita que, durante a passagem do líder religioso pelo país, setores conservadores da Igreja Católica podem se sentir pouco à vontade. “Ele quer uma Igreja mais aberta e pode causar alguns constrangimentos”, declarou.

O professor de ética e filosofia da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano diz que a visita é um teste importante para o Santo Padre, uma verdadeira prova de fogo. “Ele chegou num momento de crise generalizada. Aqui, você não sabe quem manda e quem obedece. Temos um Poder Executivo que está legislando, um Congresso que boicota a presidente e um Judiciário em tensão permanente com os outros poderes”, pondera.

Romano acredita que o líder da Igreja Católica vai usar a turbulência das ruas para ir de encontro às massas. “Todo papa procura um modelo de atuação. No caso do papa Francisco, ele explicitamente colocou  João XXIII como o modelo a ser seguido. A visão que ele tem de autoridade é oposta a de João Paulo II. O papa já sinalizou no sentido de quebrar a estrutura burocrática e abrir os diálogos”, ressalta. O professor acredita no poder diplomático da religião católica. “Ele está fazendo um imenso trabalho de diplomacia maior do que boa parte dos esforços da Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil é uma prova de que de fato ele tem condições de liderança mundial. É fundamental. O papa Francisco tem o reconhecimento das grandes massas. Se for necessária uma espécie de chamada para essas massas, ele terá sucesso”, avalia.

A experiência do pontífice como cardeal-presbítero de Buenos Aires, capital da Argentina, país onde crises políticas são recorrentes, é ressaltada como um ponto positivo para a leitura da situação brasileira. “Ele não saiu do mosteiro direto para o Vaticano. Conhece bem crises políticas violentas. O pontífice considera que a elite governante brasileira é profundamente egoísta. Antes de chegar ao Brasil, já anunciou o espetáculo”, afirma Romano. Por isso, na visão do professor, é improvável que a visita seja negativa para o Vaticano. “Não vejo possibilidade de ele sair diminuído ou menor. Ele tem saberes e conhecimento. Agora, temos que olhar o lado brasileiro. Até que ponto os nossos governantes estarão à altura dessa visita?”, questiona.

O professor de interpretação bíblica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Frei Isidoro Mazzarolo, salientou que o clima de revolta popular no Brasil servirá como caldo para engrossar o sentimento de uma Igreja que aponta para uma dimensão bem menos conservadora. “As manifestações sociais e até uma turbulência social na qual o Brasil viveu antes da visita representam um momento propício para o papa enfatizar a insatisfação social como um direito do povo. As reivindicações são motivos para o pontífice tornar o seu desejo de enfatizar as questões sócio-políticas como uma dimensão do Evangelho.”


Vivência

O religioso também ressalta a experiência latino-americana de Francisco. “Este fato vai marcar sem dúvida a posição dele como alguém que conhece essa dimensão de uma igreja que sofre não só pela corrupção política dos países, mas por um contexto de opressão internacional que o terceiro mundo sofre em relação ao países desenvolvidos”, defende.

A professora de sociologia da religião da Universidade de New Hampshire of the Holy Cross (EUA) Michelle Dillon ressalta que o papa precisa contagiar os bispos com o mesmo espírito. “A ênfase de Francisco na preocupação com os pobres e com as igualdades econômica e social pode encorajar alguns jovens a participar ativamente na igreja. Mas, para isso acontecer, a ênfase na justiça social não deve ser apenas mencionada em discursos pontuais, mas ser sustentada tanto pelo papa quanto pelos bispos locais e nacionais”, afirma.

Francisco é o primeiro papa nascido no continente americano e o primeiro não europeu. Ele tornou-se arcebispo de Buenos Aires em 1998 e cardeal-presbítero em 2001. Colaborou Étore Medeiros.

Órgãos relacionados:

  • Congresso Nacional