terça-feira, 23 de julho de 2013

O Globo 23/07/2013

Roberto Romano é professor de Ética da Unicamp

Igreja: erros e acertos são atribuídos ao Pontífice

Analistas deixam de sublinhar o peso das grandes matrizes éticas. É verdade que as doutrinas expostas pelas grandes religiões se emaranham com alvos geopolíticos, econômicos e bélicos. Assistimos o recrudescimento das lutas civis e de tensões entre países.

A imprensa expõe o uso da força contra os direitos humanos em prol de governos. Escravidão, tortura, exílios, formam a pauta que leva multidões às praças e ruas. Os fatos são terríveis, e pouco notado é o esforço de autoridades religiosas e civis para atenuar a barbárie.

A Igreja Católica, a primeira instituição planetária da história, carrega em si as tensas realidades dos povos. Pioneira no uso da burocracia para administrar milhões de fiéis, ela forjou uma força diplomática eficaz que ajudou a diminuir a taxa de loucura nos fatos políticos, guerreiros, econômicos. O pontificado existe para dirimir polêmicas no corpo eclesiástico e para o representar diante das sociedades e poderes laicos. Quase sempre os erros e acertos da Igreja são atribuídos ao Pontífice. As contradições católicas sob regimes totalitários se concentram em Pio XII, cuja biografia é marcada pelo debate sobre a colaboração com os governos de Hitler e de Mussolini, ou pela ajuda às vítimas do antissemitismo. Décadas após sua morte, historiadores procuram textos e gestos num sentido ou noutro durante o seu pontificado.

Eugênio Pacelli recolhe juízos negativos sobre a forma de reger a Igreja. João XXIII tem a simpatia universal. As encíclicas “Mater et Magistra” e “Pacem in Terris” são consideradas civilizatórias. Existe o intermédio em tais apreciações. Paulo VI foi chamado “Papa hamletiano”. Se abriu trilhas para a defesa da justiça social e da paz, ele deixou a encíclica “Humani Generis”, na qual não apenas condena os métodos contraceptivos como reforça o controle dos fiéis pela hierarquia, o que abriu a estrada para o pontificado de João Paulo II. Aquele pontífice recebeu aplausos por sua estratégia na derrocada final da URSS, mas recebeu críticas pelo acolhimento dado a mestres da tirania como Augusto Pinochet. Vale a pena reler a excelente análise de Carl Bernstein e Marco Politi (“Sua Santidade”).

“A Igreja é mesmo divina. Caso oposto, os homens já a teriam destruído”. O dito de um agnóstico do século XIX é válido. A instituição teve dirigentes como Julio II, homem de guerra, mas que ajudou as artes e a ciência. Ela também contou com Alexandre VI, o simoníaco que a jogou no lodaçal. Devem ser recordados Leão XIII e outros que trouxeram coisas novas ao arcaico edifício religioso. Desafia, pois, esperar o contorno que Francisco dará ao pontificado. Na Argentina os sinais de sua ação foram equívocos. Existem dúvidas sobre sua atividade no período mais negro daquele país, a última ditadura. Por outro lado, com base no saber de sua ordem, a jesuíta, ele move uma política de aproximação com os injustiçados, os banidos do mundo econômico e político, os sem esperança. Sua visita ao Brasil, no intervalo de manifestações populares contra os governos que muito propagam mas pouco fazem em prol do bem comum, é das mais benéficas. Esperemos que ele conduza uma Igreja comprometida com a justiça e a amizade entre os povos. Pelo que vimos, Francisco suscita anseios de paz e caridade, algo que o aproxima bastante de João XXIII, o Papa bom.

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