Roberto Romano
é professor de Ética da Unicamp
Igreja: erros e acertos são atribuídos ao Pontífice
Analistas deixam de sublinhar o peso das grandes matrizes éticas. É verdade que as doutrinas expostas pelas grandes religiões se emaranham com alvos geopolíticos, econômicos e bélicos. Assistimos o recrudescimento das lutas civis e de tensões entre países.
A imprensa expõe o uso da força contra os direitos humanos em prol de
governos. Escravidão, tortura, exílios, formam a pauta que leva
multidões às praças e ruas. Os fatos são terríveis, e pouco notado é o
esforço de autoridades religiosas e civis para atenuar a barbárie.
A
Igreja Católica, a primeira instituição planetária da história, carrega
em si as tensas realidades dos povos. Pioneira no uso da burocracia
para administrar milhões de fiéis, ela forjou uma força diplomática
eficaz que ajudou a diminuir a taxa de loucura nos fatos políticos,
guerreiros, econômicos. O pontificado existe para dirimir polêmicas no
corpo eclesiástico e para o representar diante das sociedades e poderes
laicos. Quase sempre os erros e acertos da Igreja são atribuídos ao
Pontífice. As contradições católicas sob regimes totalitários se
concentram em Pio XII, cuja biografia é marcada pelo debate sobre a
colaboração com os governos de Hitler e de Mussolini, ou pela ajuda às
vítimas do antissemitismo. Décadas após sua morte, historiadores
procuram textos e gestos num sentido ou noutro durante o seu
pontificado.
Eugênio Pacelli recolhe juízos negativos sobre a
forma de reger a Igreja. João XXIII tem a simpatia universal. As
encíclicas “Mater et Magistra” e “Pacem in Terris” são consideradas
civilizatórias. Existe o intermédio em tais apreciações. Paulo VI foi
chamado “Papa hamletiano”. Se abriu trilhas para a defesa da justiça
social e da paz, ele deixou a encíclica “Humani Generis”, na qual não
apenas condena os métodos contraceptivos como reforça o controle dos
fiéis pela hierarquia, o que abriu a estrada para o pontificado de João
Paulo II. Aquele pontífice recebeu aplausos por sua estratégia na
derrocada final da URSS, mas recebeu críticas pelo acolhimento dado a
mestres da tirania como Augusto Pinochet. Vale a pena reler a excelente
análise de Carl Bernstein e Marco Politi (“Sua Santidade”).
“A
Igreja é mesmo divina. Caso oposto, os homens já a teriam destruído”. O
dito de um agnóstico do século XIX é válido. A instituição teve
dirigentes como Julio II, homem de guerra, mas que ajudou as artes e a
ciência. Ela também contou com Alexandre VI, o simoníaco que a jogou no
lodaçal. Devem ser recordados Leão XIII e outros que trouxeram coisas
novas ao arcaico edifício religioso. Desafia, pois, esperar o contorno
que Francisco dará ao pontificado. Na Argentina os sinais de sua ação
foram equívocos. Existem dúvidas sobre sua atividade no período mais
negro daquele país, a última ditadura. Por outro lado, com base no saber
de sua ordem, a jesuíta, ele move uma política de aproximação com os
injustiçados, os banidos do mundo econômico e político, os sem
esperança. Sua visita ao Brasil, no intervalo de manifestações populares
contra os governos que muito propagam mas pouco fazem em prol do bem
comum, é das mais benéficas. Esperemos que ele conduza uma Igreja
comprometida com a justiça e a amizade entre os povos. Pelo que vimos,
Francisco suscita anseios de paz e caridade, algo que o aproxima
bastante de João XXIII, o Papa bom.