segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Correio Braziliense, 01/09/2104


Recuos e indefinições marcam campanha de Marina Silva à Presidência Mudança no programa de governo para agradar a evangélicos, retirando tema sobre união homossexual, é apenas um dos pontos de incoerência na adaptação da candidata às novas alianças e à possibilidade de ir ao segundo turno


Paulo de Tarso Lyra - Correio Braziliense

Publicação: 01/09/2014 06:30 Atualização: 01/09/2014 08:14

 (Arte/CB/D.A Press)


Passadas duas semanas desde o início do horário eleitoral e após o primeiro debate televisivo — o segundo será na tarde de hoje —, os três principais presidenciáveis ainda escorregam, em níveis variáveis, nos discursos e nas promessas feitas aos eleitores nos campos econômico, político e social. Marina Silva (PSB) é a que mais sofre para adequar o discurso. Caiu em contradição, por exemplo, menos de 24 horas após lançar o programa de governo socialista. Na sexta, ela anunciou políticas amplas para favorecer o público homossexual. No dia seguinte, pressionada por lideranças evangélicas, como o pastor Silas Malafaia, que bateu nela duramente, recuou. E irritou os ativistas gays e os defensores da existência de um Estado rigorosamente laico. Marina, na tentativa de contornar a polêmica, disse que o texto lançado “não era o que havia sido acordado” — a justificativa, além de não evitar o desgaste, expõe como a trajetória dela na campanha eleitoral está recheada de idas, vindas, recuos e adequações pontuais ou meramente eleitorais.

Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de Campinas (Unicamp), analisa que a candidata socialista está rearrumando o discurso em vários sentidos. Mas identifica uma fragilidade maior: a necessidade de composição partidária num eventual governo do PSB. “Eu espero que, se for eleita, ela consiga efetivar um governo que não fique ilhado, como aconteceu com Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello”, comenta.

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O autor do livro Igreja contra Estado ressalta que Marina já está tomando doses altíssimas de “uma bebida” chamada realismo. “Não dou dois meses, num eventual governo dela, para ocorrer uma coalização e a entrada de outras legendas, até mesmo as que ela combate”, afirmou. “A fragilidade dela não tem relação com a questão religiosa, mas vem da posição de uma candidata que, se eleita, precisará do apoio dos tucanos e dos petistas para governar.”

Outras incoerências — ou discrepâncias — que têm sido atribuídas à ex-seringueira de Xapuri dizem respeito à adequação do discurso às circunstâncias. Marina foi uma intransigente crítica da construção das usinas de Santo Antonio, Jirau e Belo Monte — todas no Rio Madeira, em Rondônia. No entanto, o tema quase que desapareceu das palestras oficiais de campanhas — nas quais aborda, aliás, a necessidade de o Brasil “produzir mais energia”. Também combateu a soja transgênica, mas o seu vice, o gaúcho Beto Albuquerque, era ativo defensor, no Congresso, dos produtos geneticamente modificados e até teve campanha financiada pelo agronegócio.

 
Ao contrário dos principais rivais, Marina não tem experiência administrativa — justamente o alvo das críticas de petistas e de tucanos. “Por isso, ela opta por um viés político, de motivação da sociedade”, disse a chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Helcimara Teles.

Enquanto Marina adotou o discurso do “novo” sem conseguir explicar o que é essa novidade, os principais rivais encontram outras dificuldades. Por estar no poder há quatro anos, Dilma Rousseff (PT) tem mais condições de apresentar números do governo, mas não consegue mostrar como corrigirá a rota de um país que caminha para a recessão. Aécio Neves (PSDB) critica o atual modelo de gestão da economia e promete ampliar os programas sociais, entretanto, não apontou de onde viriam os recursos para turbinar essas iniciativas.

Debate econômico

Aécio e Dilma sentem-se mais à vontade do que Marina para entabular um debate econômico, embora tenham visões distintas do atual momento vivido pelo país. Os tucanos afirmam que a nação está quebrada, que a atual gestão não soube preservar o legado da estabilidade econômica deixado por Fernando Henrique Cardoso e que é fundamental uma troca de comando para que o Brasil retome o rumo do desenvolvimento. “Se o seu dinheiro, eleitor, está comprando as mesmas coisas que comprava no passado, parabéns, Dilma merece um novo mandato. Mas se você acha que não, como eu acredito que você pensa, então está na hora de mudar”, sentenciou Aécio durante o debate presidencial da TV Bandeirantes na semana passada.

Dilma reconhece que o país atravessa um momento de vulnerabilidade — sobretudo após o anúncio, na última sexta-feira, de nova retração do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre deste ano. Mas, ao contrário dos tucanos, a equipe econômica atribui a recessão à crise internacional e à paralisia na economia do país durante a Copa do Mundo. Por não assumir ser parte integrante do problema, Dilma teria, na opinião de analistas ouvidos pelo Correio, condições de defender a própria reeleição. “É aquela velha história do capitão de um barco que está afundando. Dilma vai dizer que, no atual momento, é muito mais arriscado trocar o timoneiro”, ponderou Helcimara.

O debate econômico forçou Marina a entrar na discussão. Nas últimas semanas, a socialista — que repaginou o visual, tirando os óculos e adotando modelitos mais executivos, como o terninho em substituição ao xale — passou a defender a autonomia do Banco Central e tenta construir pontes de diálogo com o agronegócio, antes avesso a qualquer interação com a “guerrilheira ambiental”, como chegou a ser classificada pelo setor produtivo.

Entretanto, o discurso econômico de Marina divulgado no programa de governo foi ironizado no sábado pelo PSDB, que disse estar lisonjeado, pois algumas propostas da candidata teriam sido copiadas dos tucanos. “O programa dela, na verdade, reforça nossas ideias do ponto de vista econômico. Eu me senti imensamente homenageado. Reproduz ponto de vista de gestão, pegando exemplos de Minas Gerais, como a remuneração variável para os servidores públicos da educação”, disse Aécio Neves.
Colaborou João Valadares

OBSTÁCULOS
Confira algumas dificuldades enfrentadas pelos presidenciáveis para formatar um discurso que cative o eleitor

Marina Silva
»  Iniciou a trajetória política como uma ambientalista radical. Com a perspectiva de poder, abriu canais de diálogo com o agronegócio. O problema é que os apoiadores ligados à questão ambiental estão descontentes com a mudança de postura e o setor produtivo ainda não se convenceu do discurso.

»  Ao incluir, no programa de governo apresentado na sexta-feira, reivindicações do público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), irritou os evangélicos. Ao retirar pontos sobre o tema no dia seguinte, desapontou os ativistas dos direitos homossexuais. Ao justificar a manobra, alegando “equívoco” na formulação do documento, demonstrou insegurança em relação às próprias propostas.

»  Acena para uma nova configuração política, mas não explica como vai governar sem uma base de sustentação no Congresso e sem quadros técnicos para preencher os ministérios e demais órgãos da administração federal.

Aécio Neves
»  Nas últimas semanas, prometeu aumentar os repasses aos programas sociais, propostas que geram impacto fiscal, sem, contudo, apontar fontes de recursos para as novas benesses.

Dilma Rousseff
»  Aposta em um discurso com viés econômico, mas não consegue explicar de forma convincente por que a inflação está beirando o teto da meta e o crescimento econômico é pífio.

“A fragilidade de Marina não tem relação com a questão religiosa, mas vem da posição de uma candidata que, se eleita, precisará do apoio dos tucanos e dos petistas para governar”
Roberto Romano, cientista político

Albuquerque: campanha cometeu um erro

Após o recuo da candidata do PSB à Presidência da República, Marina Silva, que suprimiu do programa de governo o trecho em que assegurava o apoio a propostas legislativas em defesa do casamento de pessoas do mesmo sexo, o candidato a vice na chapa, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), admitiu ontem que a campanha cometeu um erro. “O equívoco foi uma campanha presidencial assumir compromissos com projetos de lei no Congresso, o que é uma invasão de competência. Então, não há recuo nos nossos compromissos com o movimento LGBT, com a defesa dos direitos civis desses companheiros, que, como todos os brasileiros, têm direitos assegurados”, disse, em Porto Alegre, onde participou de um corpo a corpo com eleitores.