RODRIGUES
DE ABREU E A PRIMAVERA
J. R. Guedes de Oliveira
A data de 27 de setembro lembra o
nascimento do poeta Rodrigues de Abreu, em 1897. O dia 22, desse mês, é o
início da Primavera. Portanto, o criador da Casa Destelhada nascia em plena
maravilha que é dessa estação, das flores.
Uma história de vida, de luta e de
sofrimento, vividos pelos seus 30 anos de existência (não mais), tendo uma
produção literária das mais seletas e das mais requisitadas por quem gosta e
ama o lirismo e para quem aprecia a verdadeira poesia, vivida nela, como uma Casa
Destelhada.
Rodrigues de Abreu sofreu influência,
conforme ele mesmo descreveu, de quatro poetas: Nobre, Kurt Hamsun, Whitman e
Bilac. E teve, como convívio, outros tantos mais da nobreza poética e literária
do seu tempo, entre Manoel Bandeira, Mário de Andrade, Carlos Drummond de
Andrade, Amadeu Amaral e por ai se segue uma infinidade de autores e
intelectuais de quinta grandeza, como ele.
Viveu, em Capivari, uma verdadeira
“via crucis” e só mesmo teve uma vida melhor, com apoio moral, financeiro e o
prestígio da sociedade de Bauru, cidade que adotou como sua. Contudo, não
deixou, nunca, de pensar em sua terra natal e lembrar, sempre, dos seus diletos
amigos e companheiros.
Do carnaval de 1922 a final de
novembro de 1927, Bauru lhe rendeu, em todos os dias e em todas as horas, o
tributo de principal intelectual da cidade e orgulho de sua geração. Basta
chegar na “Cidade sem Limites” e notar o quanto é reverenciado, entre nome de
biblioteca, escolas, praças, centro de estudos, etc.
Mas o que nos conduz a homenagear o poeta da
tristeza e da sensibilidade maior é, simplesmente, reproduzir o seu poema “As
Cinco Estâncias da Primavera”:
I
Apareceram as flores. Primavera!
Aleluia! Aleluia!
As paisagens vão ficar
mais alegre.
Os campos vão ficar mais
alegres.
As abelhas e os outros
insetos
vão certamente ficar
mais alegres.
Porque todos os animais,
pequenos e grandes,
todas coisas, todas as
criaturas
são tocadas de imensa
alegria,
quando aparecem as
primeiras flores!
II
A minha alma está azul, semeada de
flores vivíssimas.
Para a minha alma é que
Deus fez as flores se abrirem na terra!
Para a minha alma é que todas as coisas e criaturas se alegram!
Para a minha alma Deus dá a este mísero corpo
a alegria física de andar como abelha – bêbado e tonto
e como os bichos pesados – simples e
idiota!
Porque somente para a alegria das
almas dos homens,
é que o bom Deus põe neste mundo uma
nova estação de alegria.
III
Agora, eu piso na terra mais
levemente
Porque ela está produzindo beleza.
A terra, na Primavera, como um
artista quando concebe,
Naturalmente está frágil, doente,
sentida...
Com ternura, eu olho as flores e as
plantas
E sinto o perfume que sobe das
flores.
Desejo ser bom e perfeito, como o
senhor São Francisco de Assis,
Para poder conversar e entender os
lobos e as aves.
E deito-me alegre na terra nua;
revolvo as barbas na terra nua:
e amimo a terra, brandamente, com as
mãos, exclamando:
“Minha amiga! Minha amiga!”
Porque é verdadeiro amigo de alguém,
O que lhe alegra e lhe pacifica o
espírito triste.
IV
Tão intensamente eu olho estas flores, que hão
de mudar-se
/para minha retina!
Tão fortemente aspiro os perfumes
que hão de eles ficar nesta mísera
carne!
O veludo dos musgos, dos troncos, das
relvas,
há de ficar adormecendo o meu tato!
De tal jeito procuro entender os
entes e as coisas,
que em meus ouvidos há de ficar o
rumor do piso do inseto!
Ah! bebo tanto desta alegria, para
andar o resto da vida,
idiotamente embriagado!
Com certeza, andarei, na presença de
Deus, o resto da vida,
alegre, simples e idiota!
V
Pois quando as flores
morrerem será bem menor a alegria...
(Todos os animais, pequenos e
grandes,
todas as coisas e todas as criaturas
serão
tocadas de melancolia,
quando morrerem as últimas flores,
quando surgirem os primeiros frutos).
Mas, então, ó meu Amo, ó meu Amo,
eu vos sereis sempre grato!
Em mim continuará a alegria que
andais entornando na terra:
a minha alma será sempre azul,
semeada de flores vivíssimas,
que se abrirão, se renovarão
prodigiosamente!
O poeta Rodrigues de Abreu foi, na
verdade, o grande romântico que Capivari viu nascer e que Bauru lhe acolheu
como um filho dileto. Ambas as cidades devem e precisam cultivar, sempre, a sua
memória, como parte integrante do que ele representou na literatura,
particularmente, na poesia.
Passado 117 anos do seu nascimento,
em Capivari, lá para as bandas da Fazenda Picadão, ainda ressoa o seu grito de
harmonia e de culto ao belo e a forma.
J.R. Guedes de Oliveira,
E-mail:
guedes.idt@terra.com.br