sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Do amigo Alvaro Caputo.

Aulinha para a vanguarda do atraso

Clovis Rossi na Folha.com

Sami Nair, filósofo argelino nacionalizado francês, hoje professor da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha), ficou chocado ao ser apresentado em Buenos Aires à arcaica esquerda latino-americana. É aquela que chamo de "esquerda por default", só aperta o "enter". Não raciocina, mas age por velhos instintos, sem parar para pensar.

É a turma que adota a indigente mentalidade de que o inimigo de meu inimigo é meu amigo, por mais ignóbil e boçal que seja. Como o inimigo para esse pessoal é sempre os Estados Unidos, tudo o que os Estados Unidos tocam é errado, sempre, e os que são contra os EUA são necessariamente do bem.

Se esse grupinho vivesse nos anos 40, acharia que um certo Adolf Hitler no fundo não era um mau sujeito, posto que entrou em guerra contra os Estados Unidos.

Sami relata, em "El País", que foi a Buenos Aires para um seminário organizado por algumas entidades que se acham a quintessência da vanguarda revolucionária.

No debate sobre a chamada Primavera Árabe, o filósofo e alguns de seus companheiros europeus ficaram "muito surpreendidos de ver nossos amigos latino-americanos (por sorte, não todos) defender posturas que estamos acostumados a ler mais pela pena dos aduladores das ditaduras no mundo árabe".

Conta ainda Nair que ele e alguns companheiros, "porque defendíamos as revoluções democráticas árabes éramos acusados de ingenuidade e (...) quase de complacência em relação ao imperialismo ocidental".

Detalhe: entre os acusados estavam Ignacio Ramonet e Bernard Cassen, dois dos ícones do "Monde Diplomatique", que pode ser tudo o que se quiser, menos pró-EUA ou pró-imperialismo.

O filósofo franco-argelino comentou também algo parecido ao que até cansei de escrever na "Folha": "O fato de que a Otan estivesse implicada nos bombardeios na Líbia desacreditava de antemão nossas tentativas de fazer compreender a legitimidade da revolta contra a tirania de Gaddafi".

Ou, posto de outra forma: há uma porção de gente que se acha de esquerda ou nacionalista que critica a ação da Otan na Líbia mas não consegue explicar como, sem ela, se impediria o massacre de Benghazi, iminente quando houve a intervenção, de resto aprovada pelo Conselho de Segurança, como requer a legalidade internacional.

Ou seja, para essa gente, ditadores como Gaddafi têm todo o direito de matar quantos líbios quiser porque impedi-lo foi uma iniciativa dos Estados Unidos e de outras potências consideradas imperialistas.

Que os Estados Unidos estão longe de serem santos, há abundantes evidências na história recente e não tão recente. Mas é de um primarismo assustador avaliar um evento, qualquer que seja, a partir da posição de Washington. No caso específico da chamada Primavera Árabe, a escolha é simples: ou se fica com a rua árabe e seu grito pela democracia ou, objetivamente, se está do lado dos tiranos e, por extensão, dos massacres que promovem. Independe, pois, do que façam ou deixam de fazer os EUA.

Sami Nair lembra que "a intervenção, que salvou de um massacre seguro a população civil de Benghazi, reforçou, na prática, a vontade de resistência dos líbios em todo o país. Alentou também o processo revolucionário no mundo árabe. A prova contrária é proporcionada pela trágica inibição da comunidade internacional na Síria, onde as populações civis que se manifestam pacificamente estão entregues aos crimes bárbaros da soldadesca de Assad".

O filósofo termina com uma exortação que, temo, será inútil: "Despertem, amigos latino-americanos, a vocês que dão lições de populismo revolucionário, a revolução árabe os deixou longe, muito atrás dela".

Pois é, repete-se a história: os que se crêem vanguarda, quando olham para trás, não tem ninguém a segui-los. Não esquecem, mas não aprendem, como os Bourbon.