sábado, 22 de outubro de 2011

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O pêndulo, a centralização e a República

22 de outubro de 2011 | 3h 05

LUIZ WERNECK VIANNA, Professor-pesquisador da PUC-Rio. Email: lwerneck096@gmail.com - O Estado de S.Paulo

Seria de supor que algumas correntes liberais brasileiras, ao menos as de "casco duro" - para se utilizar de uma expressão jocosa introduzida pelo ex-presidente Lula em nosso vocabulário político -, manifestassem alguma relação de empatia com a posição firmada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), uma vez que no cerne da controvérsia sobre que papel deve desempenhar o Conselho Nacional de Justiça no controle do exercício da magistratura está a antinomia centralização/descentralização, que, desde o Império, acompanha a nossa História.

No caso, uma vetusta tradição liberal, cuja mais incisiva formulação se tornou clássica com a publicação de A Província, em 1870, de Tavares Bastos, uma denúncia dos males da centralização administrativa, que ainda ecoa no não menos clássico da nossa bibliografia liberal Os Donos do Poder (1958), de Raimundo Faoro, denúncia que, a partir de outros porta-vozes, vai ressurgir nas lutas contra o autoritarismo político do regime militar e encontrar tradução nas demandas municipalistas dos movimentos políticos e sociais apresentadas ao legislador constituinte de 1988.

A Carta de 1988, redigida num tempo em que ainda se ouviam as vozes de Tancredo Neves e de Ulysses Guimarães - "as pessoas vivem nos municípios e não na União" -, além de fazer girar o pêndulo em favor da descentralização, combinava a democracia representativa com a de participação e abrigava, em nome da justiça social, postulações de direito material, protegidas constitucionalmente por alguns instrumentos criados com essa finalidade. A igualdade, pela primeira vez em nossa História, encontrava estatuto próprio como um ideal coletivo a ser perseguido por políticas de Estado.

A igualdade tem suas urgências e os recursos para atendê-las eram e são escassos. Nada de surpreendente, portanto, que os tempos subsequentes à promulgação da Carta de 88, que nos trouxe de volta a descentralização, depois de décadas de vigência do princípio que lhe era oposto, comecem a assistir, agora num cenário de democracia política institucionalizada, ao movimento do pêndulo em direção à centralização administrativa, diante de uma sociedade cada vez mais enredada nas agências estatais e dependente delas.

Tais efeitos perversos da afirmação da agenda da igualdade não são incomuns, constatados por dois dos maiores fundadores da teoria social moderna, Tocqueville e Marx, que, malgrado a radical diferença existente entre eles, convergiram no diagnóstico - o primeiro, em O Antigo Regime e a Revolução, o segundo, em O 18 Brumário de Luis Bonaparte - de que a asfixiante centralização que tomou conta da sociedade francesa após a Revolução de 1789 - a revolução da igualdade - era um dos seus frutos negativos. Para ambos, porém, a centralização não é filha, em linha direta, da igualdade, mas da falta de República e da livre vida associativa que lhe é própria. Sem ela as postulações por igualdade são interpretadas pelo Estado que as concede à sua discrição e a partir de um cálculo em que suas conveniências são levadas em alta conta, entre as quais a de sua política de legitimação.

A revolução democrática brasileira, que tomou forma na Carta de 88, resultou da articulação de uma ampla coalizão política, que, em suas lutas por liberdades civis e públicas, abriu passagem para a emergência de uma vigorosa movimentação dos setores subalternos em torno dos seus interesses, logo que começaram a se emancipar dos controles coercitivos a que estavam sujeitos. Tal movimentação persistiu ao longo do processo de transição para a democracia e da sua subsequente institucionalização, mantendo a esfera pública sob pressão, inclusive em suas manifestações eleitorais, no sentido de reforçar as postulações por direito material que procediam de várias regiões da vida social.

Com a escora dos fundamentos constitucionais igualitários, essas pressões se fizeram irresistíveis. Diante da escassez de recursos da Federação e dos imperativos de urgência reclamados pela sociedade, mesmo que na ausência de um plano definido, inicia-se, então, um novo giro em favor das tendências centralizadoras. Seu carro-chefe será o das agências públicas de âmbito nacional, como o Sistema Único de Saúde (SUS), decididamente uma política igualitária de largo alcance, que se torna um paradigma dominante em termos de outras políticas sociais, como no caso das políticas de educação e de segurança, para não falar das políticas assistenciais do tipo do programa Bolsa-Família, todas com baixa ou nenhuma participação ativa da sociedade.

De modo quase invisível à percepção imediata, tem-se instalado uma estatolatria doce, justificada e legitimada por sua destinação social. Nessa batida, sem sequer se mencionarem os graves problemas tributários, a Federação cede espaços à União e a sociedade abdica de sua autonomia em favor do Estado. A tendência à centralização torna-se universal e não poupa nenhuma região da vida social: há problemas de segurança, chamem-se as Forças Armadas, embora o Haiti não seja aqui; há corrupção no Judiciário, apele-se ao Conselho Nacional de Justiça, passando por cima das Corregedorias dos tribunais, tidas de antemão como suspicazes, e sem que sequer se esbocem tentativas de mobilização das corporações profissionais dos operadores do Direito e de setores da sociedade a fim de exigirem exemplar correição.

A República democrática tem seus custos sociais e políticos e um dos mais elementares deles é o de criar e preservar as condições para a auto-organização do social, com a sociedade e suas instituições empenhadas na solução dos seus problemas e desafios, forma com que nem sempre se chega mais rapidamente ao objetivo, mas, como o demonstra sobejamente a nossa já longa experiência republicana, é muito melhor e mais segura.