Autor da decisão de censura ao 'Estado' preside tribunal
23 de maio de 2013 | 8h 46
AE - Agência Estado
Mineiro de Araguari, o autor da decisão que impôs a
censura prévia ao jornal O Estado de S. Paulo, Dácio Vieira, é amigo
pessoal do senador José Sarney (PMDB-AP). Em junho de 2009, no dia em
que o jornal revelou a existência dos atos secretos do Senado, os dois
foram fotografados juntos no casamento da filha do ex-diretor da Casa
Agaciel Maia.
As ligações do desembargador com o Senado são antigas. De 1986 a 1991
ele exerceu o cargo de consultor jurídico do Centro Gráfico do Senado.
Em 1994, foi nomeado para o Tribunal de Justiça (TJ) numa vaga destinada
a advogado. De lá para cá exerceu vários cargos no TJ e no Tribunal
Regional Eleitoral (TRE) do Distrito Federal. Em 2012 assumiu a
corregedoria do TJ e, desde fevereiro deste ano, preside a Corte.
Mas em abril do próximo ano Dácio Vieira terá de deixar o tribunal.
Nascido em 1944, ele completará 70 anos e será atingido pela
aposentadoria compulsória. No Brasil, todo funcionário público tem de
deixar o seu cargo no 70.º aniversário.
Após a decretação da censura ao O Estado de S. Paulo, o jornal pediu,
em agosto de 2009, que Dácio Vieira se declarasse suspeito para tomar
decisões no processo. Julgada pelo próprio desembargador, a exceção de
suspeição não foi acolhida. No entanto, em setembro o tribunal aceitou
pedido no qual o jornal alegava que Vieira deveria ser impedido de
julgar o caso porque mantinha relacionamento pessoal com José Sarney.
Críticas
Entidades representativas da imprensa criticaram a decisão tomada, na
quarta-feira, 22, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que
manteve a censura ao jornal. A Sociedade Interamericana de Imprensa
(SIP) considerou o fato "alarmante". "É incrível, a esta altura, que a
censura prévia siga existindo no Brasil por decisão de alguns
tribunais", disse Claudio Paolillo, presidente da Comissão de Liberdade
de Imprensa e Informação da SIP. "O caso que envolve o Estado e o
empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney, pode
começar a competir pelos recordes Guiness devido à duração da censura. A
informação que o jornal deseja publicar é de alto interesse público e
de absoluta legitimidade jornalística, já que se trata de um caso de
suposta corrupção com recursos públicos", acrescentou.
"É lamentável que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal tenha
tomado essa decisão", afirmou Ricardo Pedreira, diretor executivo da
Associação Nacional dos Jornais (ANJ). "A ANJ considera isso um grande
equívoco. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o segredo de
justiça, deixando claro que a obrigação de preservá-lo é dos agentes
públicos, e de forma alguma deve se aplicar aos meios de comunicação.
Esperamos que o Superior Tribunal de Justiça revise a decisão."
Transparência
Paula Martins, diretora da organização não governamental Artigo 19
para a América do Sul, afirmou que a decisão do TJ-DF "reitera o erro da
determinação provisória que já impunha silêncio ao jornal". "É uma
decisão absolutamente desproporcional, ao impedir de forma genérica
qualquer manifestação do Estado sobre o caso, e que ignora totalmente o
caráter intrinsecamente público do tema em discussão: possíveis atos de
ilegalidade e corrupção."
A Artigo 19 é uma entidade que tem a defesa da liberdade de expressão
uma de suas principais bandeiras. "Nesse tipo de caso, o debate aberto,
transparente e amplamente público é essencial para garantir a pressão
necessária para que as investigações cheguem ao final", destacou Paula
Martins. "Não se trata de condenar de forma antecipada o acusado, mas de
trazer à tona todas as ações tomadas para garantir o andamento efetivo
das investigações."