domingo, 26 de maio de 2013

Fragmento de aula sobre Diderot, na Unicamp, em 2012.


É possível idealizar os textos diderotianos como se eles fossem o máximo na defesa dos direitos humanos e da mulher. O erro seria grande caso se tomasse tal via. Existem trabalhos recentes que mostram o quanto, apesar do intento das Luzes para instaurar a democracia e a igualdade, latejam nelas sentidos etnocêntricos e europoizantes. No caso das mulheres, podemos dizer que a idéia do ser masculino como sujeito que fala sobre o feminino, seu objeto, não é superada pelos enciclopedistas. Quando se referem aos entes masculinos, os discursos do século XVIII falam em “nós”, mas quando recordam os femininos usam “elas”, “suas”. O artigo “mulher”da Enciclopédia foi redigido por três autores, todos revisados por Diderot. O primeiro é do padre Mallet. Ele envia para os verbetes Homem, Fêmea, Sexo. Qual a definição do ser feminino ? É a “fêmea do homem”. O genitivo aí já diz tudo. O verbete “Homem” também envia a outros, onde se trata da espécie humana (feto, embrião, parto, concepção, gravidez), etc. O artigo “Homem”é redigido por Diderot : o homem, diz ele, “é um ser que sente, reflete, pensa, dotado de um corpo e de uma alma, capaz do bem e do mal, neste sentido é um ser moral, que vive em sociedade, dá-se leis e às vezes senhores é neste sentido que ele é animal político". A segunda parte do artigo é de história natural, quando homem e mulher sãos descritos anatomica e fisiologicamente. Finalmente Diderot trata do homem na rubrica política. En último lugar ele discute a questão da inferioridade feminina. Nas Joías indiscretas já havia sido enunciado que o cerebro da mulher é habitado pelos sentidos que se agitam. Daí, podemos deduzir que Diderot, embora as intenções igualitárias, segue ainda o pensamento masculinizante da longa história que se inicia com Aristóteles, até os nossos dias. [1]


[1] Cf. Georges Duby e Michelle Perrot: Histoire des femmes en Occident (Paris, Tempus/Perrin, 1991).