É possível idealizar os textos diderotianos como se eles
fossem o máximo na defesa dos direitos humanos e da mulher. O erro seria
grande caso se tomasse tal via. Existem trabalhos recentes que mostram o
quanto, apesar do intento das Luzes para instaurar a democracia e a
igualdade, latejam nelas sentidos etnocêntricos e europoizantes. No caso das
mulheres, podemos dizer que a idéia do ser masculino como sujeito que fala
sobre o feminino, seu objeto, não é superada pelos enciclopedistas. Quando se
referem aos entes masculinos, os discursos do século XVIII falam em “nós”, mas
quando recordam os femininos usam “elas”, “suas”. O artigo “mulher”da Enciclopédia
foi redigido por três autores, todos revisados por Diderot. O primeiro é do
padre Mallet. Ele envia para os verbetes Homem, Fêmea, Sexo. Qual a definição
do ser feminino ? É a “fêmea do homem”. O genitivo aí já diz tudo. O verbete
“Homem” também envia a outros, onde se trata da espécie humana (feto, embrião,
parto, concepção, gravidez), etc. O artigo “Homem”é redigido por Diderot : o
homem, diz ele, “é um ser que sente, reflete, pensa, dotado de um corpo e de
uma alma, capaz do bem e do mal, neste sentido é um ser moral, que vive em
sociedade, dá-se leis e às vezes senhores é neste sentido que ele é animal
político". A segunda parte do artigo é de história natural, quando homem e
mulher sãos descritos anatomica e fisiologicamente. Finalmente Diderot trata do
homem na rubrica política. En último lugar ele discute a questão da
inferioridade feminina. Nas Joías indiscretas já havia sido enunciado que o
cerebro da mulher é habitado pelos sentidos que se agitam. Daí, podemos deduzir
que Diderot, embora as intenções igualitárias, segue ainda o pensamento
masculinizante da longa história que se inicia com Aristóteles, até os nossos
dias. [1]
[1] Cf.
Georges Duby e Michelle Perrot: Histoire des femmes en Occident
(Paris, Tempus/Perrin, 1991).