terça-feira, 21 de maio de 2013

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21/05/2013 - 12h14

Marinha mentiu para Presidência já na democracia, diz Comissão da Verdade


MATHEUS LEITÃO
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BRASÍLIA

A Comissão Nacional da Verdade acusou nesta terça-feira (21) a Marinha de mentir, já após o final da ditadura militar (1964-1985), para a Presidência da República, para o Ministério da Justiça e para a Câmara dos Deputados sobre o que aconteceu com desaparecidos durante o regime. A informação foi dada no balanço de um ano de trabalho do colegiado. 

Questionada em 1993, durante o governo Itamar Franco, por esses três órgãos sobre o destino de militantes de esquerda desaparecidos, a Marinha deu versões diferentes das contidas em documentos produzidos por ela própria. A pesquisadora e assessora da comissão Heloísa Starling, ao apresentar essa conclusão, afirmou que esses documentos são prontuários produzidos pelo Cenimar (órgão de espionagem da Marinha). 

 
Na época, Itamar Franco pediu ao então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, que questionasse a Marinha sobre violações. Na resposta, o órgão omitiu informações sobre 11 nomes detalhados nos prontuários. A comissão comparou os documentos e chegou a essa conclusão. 

A comissão mostrou também documentos que delineiam a linha de comando da repressão nos DOI-CODIs, centros de repressão aos movimentos contrários à ditadura. Segundo a comissão, os papéis mostram a cadeia de comando até os ministros militares, o que evidencia a responsabilidade do Estado brasileiro, e não apenas de indivíduos isolados, nas violações. Apontar os responsáveis, mesmo nos altos graus da hierarquia, é uma das funções do colegiado. Durante a apresentação, Starling nomeou parte desse comando --como o almirante Ivan Serpa. 


Sérgio Lima/Folhapress
Comissão Nacional da Verdade divulga balanço de um ano de pesquisas sobre violações dos direitos humanos durante a ditadura
Comissão Nacional da Verdade divulga balanço de um ano de pesquisas sobre violações dos direitos humanos durante a ditadura  
Starling fez uma apresentação demonstrando como, diferentemente do que a historiografia mostra, as violações, em especial as torturas, começaram mesmo antes de 1968, quando é instituído o Ato Institucional 5, medida que endurece ainda mais o regime. 

"Ela [tortura] está na origem do golpe de 1964, antes do início da luta armada", disse Starling, contradizendo a principal argumentação dos militares: a de que eles estavam lutando contra grupos organizados que queriam instalar uma ditadura comunista no país. 

A pesquisadora lembrou que o general Ernesto Geisel, em 1965, chegou a produzir um relatório sobre as crescentes denúncias de torturas na imprensa à época. O chamado "relatório Geisel" negou as denúncias e, assim, disse Starling, "inoculou" a prática de tortura no sistema. Ao menos 32 centros de tortura foram encontrados pela comissão em sete Estados só entre 1964 e 1965. 

Para demonstrar que o próprio Cenimar reconhecia práticas de violência contra seus próprios agentes infiltrados em grupos de esquerda, Starling mostrou um documento produzido pelo órgão. Ela disse que, nesse papel, a violência aparece como "um dado", não havendo nenhum pedido de investigação sobre o ocorrido. 

Os membros da comissão confirmaram que, em seu relatório final, devem fazer algum tipo de recomendação para possibilitar que agentes da repressão sejam judicialmente responsabilizados pelas violações. Hoje, eles estão livres de qualquer processo graças ao entendimento de que eles são beneficiados pela Lei da Anistia --corroborado pelo Supremo Tribunal Federal em 2009.
Não está claro o que será feito. Uma das possibilidades, como a Folha revelou no domingo, é que seja recomendado que o STF mande executar decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 2010. A Corte determinou que o Estado brasileiro encontre e puna os responsáveis pelo desaparecimento de 62 guerrilheiros no Araguaia (maior levante armado contra a ditadura, organizado pelo PC do B na Amazônia). 

Dos sete membros, não apareceram dois deles: Claudio Fonteles e Gilson Dipp --o segundo está há meses doente e tem estado ausente dos trabalhos. 

BALANÇO
Criada para desvendar as milhares de violações aos direitos humanos ocorridas na ditadura, a comissão não apresentou no balanço de hoje a resolução de nenhum caso. 

O relatório parcial --o prazo de funcionamento do grupo foi estendido, e agora terminará no fim de 2014-- fez um apanhado geral do que a comissão fez até agora. Os integrantes do grupo afirmam que só será apresentado um relato detalhado de todas as violações no relatório final. Hoje, Paulo Sérgio Pinheiro, que deixa a coordenação do grupo e dá lugar à colega Rosa Cardoso, afirmou que é impossível dizer se a solução de cada uma das violações de fato ocorrerá. 

O relatório parcial do grupo lembra que a comissão tem hoje 13 subgrupos de pesquisa, que se foca na pesquisa documental e na coleta de depoimentos. 

Durante o trabalho, foram localizados mais de 400 rolos de filmes da divisão de informações da Petrobras e identificadas, no Ministério das Relações Exteriores da Argentina, 66 caixas com informações sobre o país durante a ditadura, por exemplo. 

Sobre os depoimentos, foram feitos 268 deles --37 de militares envolvidos nas violações, 24 de vítimas militares e 207 de vítimas civis. Os depoimentos públicos com agentes da repressão, no entanto, só começaram há duas semanas, com a fala do coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

BUSCA E APREENSÃO
 
Rosa Cardoso afirmou que não está descartada que a comissão peça à Justiça ordens para entrar em órgãos do Exército, da Aeronáutica e da Marinha em busca de documentos que as Forças não tenham cedido.