Terça-feira, 23 de Dezembro de 2014 |
ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 830
GLOBO NEWS
Emissora debocha de trabalho científico
Por Marco Antonio Leonel Caetano em 26/11/2013 na edição 774
Histórico
Sou professor, com doutoramento em Engenharia Aeronáutica pelo ITA-São
José dos Campos, e tenho minhas pesquisas pautadas no modelamento de
vários fenômenos da natureza. Já trabalhei e publiquei em revistas
internacionais especializadas na área aeroespacial, em medicina com
modelos de tratamentos contra o HIV, com modelos da dengue, com modelos
sobre aquecimento global e, nos últimos 15 anos, com modelo para estudo
de crash financeiro. Esse estudo de 15 anos sobre como acontecem os crashes partiu de um modelo do professor Didier Sornette que, com suas pesquisas, publicou o livro Why Stock Markets Crash.
A seriedade do estudo de Sornette lhe valeu grandes referências, sendo
coordenador de um centro para estudo de crises no ETH-Zurich, o mesmo
instituto de Einstein. Sornette também já foi diretor da Sociedade Suíça
de Finanças. O modelo de Sornette se norteia na utilização e adaptação
de modelos para previsão de terremotos, tentando enxergar um crash financeiro
como um terremoto. Mas o equacionamento do professor Sornette tem
alguns problemas técnicos do ponto de vista matemático.
Com base nesse estudo eu, juntamente com o professor doutor Takashi
Yoneyama, do ITA, adaptamos o estudo de Sornette e enxergamos que, ao
invés de usar um modelo próprio de terremoto, poderíamos usar espectro
de frequências para tentar visualizar como era o comportamento do
mercado durante uma crise. Funciona como um celular à procura de uma
antena para seu sinal. Quanto mais próximo da fonte, mais o alerta vai
ficando forte, sempre com valores oscilando entre zero e um.
Publicamos esse estudo diversas vezes pela Elsevier, na revista internacional Physica-A,
com inúmeros testes estatísticos solicitados pelos revisores. Não se
publica um artigo científico sem que os pares de revisores estejam
satisfeitos em suas exigências, principalmente estatísticas. O artigo
original e seminal de nosso estudo foi o seguinte:
Muitas publicações se seguiram em outras revistas e congressos
internacionais, até elaborarmos um índice que pudesse computar entre
zero e um, um alerta que leigos no assunto pudessem entender. O segundo
artigo foi esse:
E foi desse artigo que nasceu o IMA – Índice de Mudanças Abruptas, para fazer alertas de fortes crashes e de possíveis bons momentos de compras para os investidores.
Previsões sobre o mercado
Em 2007, quando a economia estava bastante favorável aos negócios,
começamos a alertar, através de entrevistas, sobre uma possível virada
forte no mercado usando o IMA. Em dezembro de 2007, o Valor Econômico
publicou com destaque nosso alerta no “EU & Investimentos”, numa
excelente matéria sobre o IMA, assinada pela jornalista Adriana Cotias.
Em fevereiro de 2008, o jornal publicou outro alerta, indicando que a
crise estava se aproximando, quando ninguém ainda cogitava de falências
como as do Leman & Brothers nos EUA. Já se comentavam as hipotecas,
mas ninguém falava em datas ou quando isso ocorreria.
Desde então, em 2009, em 2010 e em 2011, tanto o Valor quanto outros jornais, começaram a nos entrevistar sobre as mudanças no mercado. Foi então que decidimos criar um site, o “Mudanças Abruptas“.
O site Mudanças Abruptas
O site “Mudanças Abruptas” tem o intuito de divulgar ciência, educação,
exercícios, trabalhos de alunos e ex-alunos e colunas com professores.
Não somente o mercado é abordado, mas tudo que está relacionado com
matemática e computação é abordado no site. Todos os materiais são
próprios e não existe cópia de outros sites, pois todos os estudos e
programas foram desenvolvidos por mim, que sou professor de computação
há quase 25 anos.
Sempre preocupado em fazer as pessoas acreditarem em ciência,
disponibilizo links para livros, sites interessantes, planilhas de
outros estudantes e estudos de outros professores para motivar o uso da
computação e matemática.
A partir deste ano, começamos a cobrar pelo acesso de assinantes ao
IMA, com intervalo de 15 minutos ao sinal da Bovespa. Além do Ibovespa, o
assinante tem acesso ao IMA relacionado a outras 10 ações. A cada 15
minutos alertas são emitidos (ou não, dependendo do mercado) sobre crashes ou
oportunidades de investimentos. Essa é a única área cobrada, pois
diversos fundos de investimentos usam o IMA para fazer lucro grande com o
dinheiro dos clientes.
O livro
Com citações em artigos pelo mundo afora, chineses começaram a replicar
e reproduzir meu trabalho para a bolsa de valores Hang Seng. Decidi
então escrever um livro, dividido em cinco partes, para que o leitor
leigo no mercado fosse crescendo no interesse à medida que lia os
capítulos.
A parte 1 conta as crises desde a “crise das tulipas” na Holanda, de 1907, a crise de 1929 e assim por diante até o flash crash de
2010. Depois, na segunda parte, mostro onde os modelos atuais falham.
Na parte 3, como usar estatística no mercado. Na parte 4, como a
matemática e novos algoritmos de computação poderiam ser melhores
utilizados. E, por fim, como funciona meu método e como é o IMA onde
acerta e onde erra.
O livro foi lançado pela editora Érica-Saraiva com o nome Mudanças Abruptas no Mercado Financeiro e pode ser conferido aqui.
O livro é acadêmico, científico e de mercado, visto que dados reais são
apresentados nos exemplos em todos os capítulos. A revisão do livro foi
feita por quatro reconhecidos revisores que eu e a editora
selecionamos, com PhD no exterior nas áreas de Engenharia, Economia,
Finanças e Física. Depois de suas correções e crivo, publicamos o texto.
O problema com a Globo News
Nossa assessora de imprensa distribuiu em seus links uma pauta para
quem tivesse interesse em saber detalhes de como o IMA funciona no
mercado. A Globo News manteve contato, com interesse na matéria, a ser
apresentada no programa Conta Corrente, com o âncora Dony de
Nuccio e o professor Samy Dana, da FGV. A matéria levou duas horas de
filmagens e praticamente uma aula particular com a repórter Carla Lopes,
que não era muito íntima na área de mercados. Ela compilou tudo em três
minutos e conseguiu, por fim, fazer uma boa matéria, incluindo
assinante do site, algumas palavras comigo explicando o procedimento e
algumas imagens.
Então, os outros três minutos, o âncora e o professor da FGV desfizeram
da matéria logo de início, com sorrisos de deboche. Ilustraram contra
exemplos, todos errados, a respeito de dados passados, destratando o que
eu tinha dito na matéria. Fizeram analogia com gato jogando bolinhas
aleatórias e que tinha mais chance de acertar do que os investidores.
Fizeram analogias sobre o polvo da Copa do Mundo de futebol. O professor
da FGV disse que ninguém venderia ou compraria algo tão bom se esse
algo não fosse bom de verdade. Não disse explicitamente sobre o IMA, mas
somos todos bem adultos para perceber esse jargão do mercado. Sim, no
mercado, quando os analistas querem desfazer o trabalho dos outros fazem
duas perguntas: 1- Quanto você já ganhou?; 2- Se é tão bom, por que
está vendendo?
Esse tipo de hipocrisia é clássico de analista de mercado. Quem é da
área conhece essa abordagem. E foi isso que Samy fez e que, para quem
não é do mercado parece não dizer nada, mas para quem é, é um deboche
autêntico. Eu sou do mercado e da ciência, por isso entendi o recado
dele.
Mas para terminar, não contente em desfazer todo meu trabalho e do
professor doutor Takashi Yoneyama, o professor Samy da FGV ainda termina
dizendo: “É uma anedota, ... é ainda anedótico...”
Contatos não respondidos
Escrevi para o professor Samy Dana perguntando por que, antes de falar
mal, não tinha lido algo sobre mim, sobre meu trabalho e do professor
Takashi Yoneyama nos últimos 15 anos. Perguntei a ele por que desfazer
de um trabalho que ele não conhecia e que ele não tinha chance de
entender? A matemática existente lá no meu método é pesada e baseada em
teoremas.
A resposta foi: silêncio.
Escrevi para o editor do programa Conta Corrente, com os mesmos argumentos, com as mesmas questões levantadas. Resposta: silêncio.
Percebi nas redes sociais que o editor é recém-formado e logo concluí
que nunca ele teria coragem de confrontar o professor Samy para desfazer
a covardia que fizeram sobre a matéria.
Escrevi para um ex-integrante do antigo programa Conta Corrente,
o comentarista George Vidor. Uma pessoa muito gentil que transferiu meu
e-mail para um editor da Globo News. Resposta: silêncio.
Por último, escrevi para o editor-chefe da Globo News, João Carvalho
Neto, que respondeu que estava aberto a reclamações. Quando escrevi
sobre os problemas na matéria a resposta foi: silêncio.
Insisti uma semana depois, se ele tinha recebido e o que ele tinha a respeito do ocorrido. A resposta foi essa:
Em suas próprias palavras, o editor diz: “Não podemos responder pelos
comentários ... de nossos comentaristas, que são independentes...”
Questões ao Observatório da Imprensa
Eu não solicitei a reportagem, não pedi a entrevista. Lançamos a ideia e
eles se interessaram pelo assunto. Se não quisessem, não precisavam
vir, perder meu tempo fazendo uma matéria que para eles seria “anedota”.
Não preciso disso em minha carreira.
Seriam os revisores da Elsevier anedóticos? Eles publicariam algo que
não tivesse um fundo de verdade? A editora Érica-Saraiva, reconhecida
por suas produções no meio acadêmico, publicaria algo “anedótico”? Ou
será que MEC, CNPq e Fapesp, dos quais sou assessor ad hoc,
seriam “anedóticos” ao solicitar meus serviços de revisão de projetos? E
os 5 mil alunos que já passaram por meu quadro negro? Eles assistiram a
aulas de alguém que gosta de anedota?
(1) Por que a Globo News fez a matéria, se aparentemente o editor
selecionou pontos “alvos” para o âncora e comentarista criticarem de
forma “vulgar”? A gravação tinha muitas explicações, simulações do
computador que expliquei para a repórter, mas tudo foi para o lixo.
(2) Está correto sobre a independência do comentarista. Mas até onde
vai a liberdade sobre atingir pessoas que não podem rebater em “tempo
real”?
(3) Como um programa não tem responsabilidades, se o comentarista não é
um convidado, e sim, um colaborador semanal? Se o programa foi gravado
por toda equipe, incluindo o editor, dentro das quatro paredes da
emissora, quem tem responsabilidades? Qual é o limite?
(4) Por que não dar o direito de resposta imediato, ou então, chamar
para um bate-papo junto com o comentarista, logo depois da matéria ter
ido ao ar? É justo os personagens da reportagem ficarem de fora do
debate ao vivo?
(5) Por que se eximir das responsabilidades de atingir quem não consegue nem mesmo contato?
(6) Não seria mais honesto a emissora ter um canal aberto ao público
para trocar informações de como andam as reclamações? Por exemplo, para
qualquer comentário no Conta Corrente é necessário preencher um
cadastro e enviar uma mensagem – que não se sabe para quem ou para
onde, que decide ou se vai para a lixeira ou não. Já escrevi algumas
vezes sem resposta.
Posso estar errado em meu entendimento e pronto para aceitar a recusa
de qualquer comentário a respeito deste caso. Mas na minha índole e
formação acadêmica, bem como pai e filho que sempre viveu dentro dos
direitos e da ética do respeito para com os outros, creio que o âncora, o
comentarista, os editores e o canal Globo News como um todo passaram
dos limites do profissionalismo.
***
Marco Antonio Leonel Caetano é professor de Engenharia Aeronáutica do ITA (São José dos Campos, SP)