PROF. ROBERTO ROMANO/Unicamp
Quando falamos em representações orgânicas ou mecânicas, não dizemos de imediato que se trata de uma nota única e unívoca do pensamento. É possível que um conjunto discursivo assuma características de um ou de outro paradigma, chegando mesmo a inverter a sua hierarquia (o mecânico posto como o grau mais baixo na ordem dos valores e da existência, ou no mais alto e vice versa). Um autor pode usar figuras e enunciados de ambos os paradigmas, sem deixar de ser unido ao pensamento que mais valoriza o racional ou que mais leva em conta o volitivo ou emocional.
Carl Schmitt
movimenta o paradigma orgânico da existência e do mundo jurídico, mas nem por
isso ele deixa de criticar alguns elementos do pensamento romântico. Antes de Catolicismo
Político, seu trabalho mais notável no campo especulativo chama-se
justamente Romantismo Político, onde ele ataca a ironia romântica, a
perene relativização do mundo em favor do Ego absoluto, como diz Hegel, do
"absoluto em négligé" ou, na fórmula das Lições sobre a Estética :
"o verdadeiro conteúdo do romântico é a interioridade absoluta, enquanto a
forma correspondente é a subjetividade espiritual na medida em que ela colhe a
própria autonomia e liberdade. Este em si infinito e em si e para si universal
são a negatividade absoluta de todo particular , a simples unidade consigo, a
qual absorve toda exterioridade recíproca, todos os processos da natureza com
as suas fases de nascimento, morte e ressurreição, toda limitação da existência
espiritual". (1)
Esse juízo é
retomado por Hegel nas Lições sobre a História da Filosofia,
especialmente quando discute figuras nucleares do romantismo conservador, como
é o caso de Novalis. "A subjetividade" adianta Hegel ao falar do
poeta especulador, "se estabelece na falta de algo fixo, mas como impulso
(Trieb) naquele rumo, conservando assim a marca da nostalgia (Sehnsucht). Esta nostalgia, próprio de
uma bela alma (einer schönen Seele) surge nas obras de Novalis. Esta
subjetividade permanece nostálgica, não entra no que é substancial, se esfumaça
dentro de si mesma e se apega a este ponto de vista, rodeando a si mesma. É uma
rede que tece a si mesma, para si mesma; é a vida interna e o falatório sobre
toda a verdade. A extravagância da subjetividade se torna com frequência em
loucura (Verrücktheit); quando se percebe joga no pensamento, se percebe
raptada por um torvelinho (Wirbel) do entendimento que reflete, sempre
negativo em relação a si mesmo". (2)
O
desarrazoado romântico se aproxima do desarrazoado germânico. Desde o texto
sobre a Constituição da Alemanha, Hegel dignostica a perda de um centro
poderoso que poderia dar um sentido efetivo às vidas particulares, às subjetividades
alemãs. A Alemanha, cindida de alto a baixo, enfrenta três problemas objetivos:
um espaço territorial em estilhaços com
múltiplos principados onde predomina a Kleinstaatarei e no plano econômico multiplicidade de moedas,
impostos aduaneiros, atividades produtivas não coordenadas, sendo marcantes as
diferenças entre a Prússia agrícola dos Junkers e a Renânia industrializada. E
as diferenças religiosas: além das seitas e igrejas protestantes, os católicos
continuam na defesa da supremacia do Sumo Pontífice sobre as consciências. Os
choques das várias confissões aumentam com a querela dos casamentos mistos, a
disputa sobre os bens eclesiásticos, etc.
No plano
jurídico institucional a Alemanha também estava dividida. É a esse ponto que
Hegel mais se refere em A Constituição da Alemanha. Haveria uma
correspondência entre a perda do sentido do universal e os estilhaços a que
estava reduzida a vida política. "Na Alemanha", diz Hegel, "o
poder do universal, fonte de todo direito, desapareceu, fragmentou-se, passou
ao estágio do particular". Assim, adianta ele, "os poderes
legislativo, judiciário, religioso, militar, são misturados, divididos e
reunidos de modo desordeiro e desigual, com a mesma diversidade que a
apropriação privada das pessoas". Ora, o Estado exige um centro comum
cujos dirigentes têm o poder indispensável de afirmar decisões, mantendo os
diferentes elementos sob sua dependência".(3)
A crítica ao
romantismo, em Hegel, ataca o palavrório, como vimos acima, e a supremacia da
subjetividade, que ajuda a dissolver os laços que fortalecem o Estado. Já Kant
indicara que na forma estatal moderna é permitido ao funcionário o exercício do
Räsonnieren (o pequeno uso da razão privada) desde que não se dissolva a
obediência às leis e ordenamentos do soberano. (4) Hegel desde cedo combate o
apego ao particularismo e ao sentimento. No âmbito romântico, afirma ele quando
discute Schleiermacher, "tudo é cifrado pela subjetividade
particular" (5) Schleiermacher e os românticos fornecem boas razões para a
crítica hegeliana. Nos Monólogos, texto manifesto do hermenêuta,
é afirmado alto e bom som que "só encontro a mim mesmo no ato interior; no
exterior, só encontro o mundo" físico, espacializado. Como o tempo e o
conceito foram banidos da interioridade, o referido "mundo" é dito
"uma lentidão preguiçosa", ou "movimento sem força". (6)
Na mesma
ordem de Hegel, Schmitt recusa o culto do Ego e a falta de seriedade moral dos
românticos alemães. Ele acusa o sestro dos que se limitam ao
"interessante", ocasião ao exercício da fantasia. Deste modo, os
românticos, no entender de Schmitt, não pensam a política e jamais chegam a uma
decisão (a decisão, no texto hegeliano Die Verfassung Deutschlands
é o núcleo de todo Estado). Eles sempre fogem da contradição política (e demais
contradições) quando procuram um "terceiro mais elevado" do que os
oponentes em choque. Esse terceiro elemento não brota do choque mortal entre
tese e antítese, cujo movimento de dissolução resulta numa síntese. Como ele
não reside no Ego nem no mundo, é apenas e tão somente um ideal, anelo,
nostalgia. O romantismo nega a causalidade que marca os embates políticos.
Muitos dos românticos atacados por Schmitt eram conservadores convertidos ao
catolicismo no fim de suas vidas. (7) O seu embasamento paradigmático é o
organicismo que enxerga no Estado e na sociedade grandes corpos. Segundo
Schmitt, tais visões eram recusáveis, bem como a de seus contemporâneos como
Othmar Spann, no delírio de retomar os estamentos medievais, numa sociedade
orgânica. Segundo o jurista, não apegado ao sentimento e ao culto da
interioridade, as revoluções européias e as guerras a elas ligadas dizimaram a
pretensão de legimitidade baseada no pretérito medieval, mesmo que idealizado.
O romantismo
foi caracterizado, na vertente conservadora, como doutrina aristocratizante. A
própria noção de genialidade traria as marcas do privilégio espiritual do
indivíduo dotado dos poderes poéticos da fantasia. Mas o termo
"romântico" não é unívoco e se aplica também aos setores democráticos
europeus e germânicos. Assim, pode-se caracterizar Heine, Marx, Bruno Bauer,
Feuerbach e outros como presos às formas liberais de visão jurídica e social.
Este último romantismo se torna o alvo predileto de crítica, em Schmitt.
Romântico e liberal se recobrem em seu texto, especialmente pela exaltação da
individualidade e pela mania de adiar decisões, com recurso a uma longa
discussão (Räsonnieren, ou em termos mais brutais, Geschwätz,
parolagem desprovida de sentido). O esteticismo em política também é condenado
por Schmitt, o que foi elogiado em tempo certo por um escritor que também se
preocupava com o político, em fronteira diversa ao do jurista, György Lukács,
que elogiou bastante o Romantismo Político. (8)
É na recusa
da subjetividade informe e na crítica do liberalismo que se perderia em eterno
palavrório, que Schmitt empreende a redação de A ditadura, forma de
decisão política inexorável, remédio para a fragmentação do Estado e da
sociedade, já presente em Catolicismo Romano e Forma Política.
O que busca
Schmitt na Igreja Católica? Não exatamente o que nela procuravam os românticos
como Novalis, que enxergavam na sua estrutura um modelo (Muster) de
sociedade medieval a ser restaurado. Schmitt não tenta retroagir ao pretérito,
mas está premido pelas tensões políticas e pela fragmentação do Estado na
Alemanha, fragmentação causada tanto pelos conservadores quanto pelos
revolucionários socialistas e anarquistas. A causa da reiteração perene dos
conflitos encontra-se no presente, com um ideário de burgueses e trabalhadores
que enfatizam o peso do econômico sobre o político, neutralizando a ação do
Estado. Schmitt encontra no catolicismo uma espécie de matriz para a
estabilidade jurídica e para a obediência política.
A escrita de
Schmitt busca compreender a política, tanto em sua natureza quando na sua
significação. É o que ele indica como "o político". Após grande
número de textos, porque ler hoje em dia O Catolicismo Romano e Forma
Política, um ensaio de 1923 ? Desde logo, precisamos nos referir
novamente ao livro fundamental de Schmitt sobre as duas pontas ideológicas, o
liberalismo e o socialismo, que tecem a estrutura de A Ditadura
em 1921. Alí, diante do remédio amargo contra o poder ordinário do Estado
moderno, a ditadura, ele estuda as mais variadas formas daquela função, da
Idade Média a Maquiavel, deste aos jacobinos parlamentares francêses e ao
pensamento de Lenine sobre a ditadura do proletariado. No interior da estrutura
argumentativa de A Ditadura está uma análise arguta do poder
pontifício, que acompanha a instauração da moderna Igreja, onde os poderes mais
baixos da Ecclesia foram despossuídos
de seu direito à propriedade dos meios de salvação e de governo do organismo
salvífico. Schmitt aproveita a explicação de Max Weber sobre o nascimento e
reforço do poder central, na Igreja, em privilégio da Santa Sé e do Papa e em
detrimento dos bispos, abades, nobreza dona de igrejas e conventos. Trata-se da
famosa noção de Trennung entre o
indivíduo que exerce um cargo e os próprios meios daquele cargo. Como sabemos,
Weber retira a noção de Marx, onde o operário e os meios de trabalho são
separados pelo nascente capitalista. Assim como o operário é despossuído dos
meios de trabalho (da terra aos utensílios, máquinas, etc), assim também, pensa
Weber, o funcionário é despossuído da posse dos meios de administração (e na
Igreja, administração e salvação). Ao analisar a prática do legado papal,
Schmitt mostra o que, para ele, significa representação. o legado do papa é uma
pessoa que representa o Sumo Pontífice, como se fosse realmente uma encarnação
do Sumo Sacerdote. Assim, quando é feita uma visita do legado à uma diocese,
não importa se o legado é um simples padre, ou frade, e o visitado é um cardeal
ou arcebispo. O legado representa o poder do Papa, sem contestação. Só esta
pequena lembrança faz recordar o peso de A Ditadura sobre o
escrito intitulado Catolicismo Romano e Forma Política, e
vice-versa.
Segundo
Ulmen a pressuposição de Schmitt, no Catolicismo Romano, é que os
Estados soberanos, cuja origem residiria nos séculos 16 e 17, e nos quais temos
as bases do ius publicum Europaeum, com uma lei internacional
europocêntrica (este lado será desenvolvido, e muito, em O nomos da Terra,
que também examinaremos) começam a declinar no fim do século 19.
Tal forma de
Estado seria um dos principais agentes da secularização e do racionalismo.
Aqui, podemos resumir uma longa e tortuosa história, que joga suas raízes nas
emboscadas de Felipe o Belo contra o Papa, sendo seguido por outros monarcas
como Henrique I, da Inglaterra. A luta anterior pela soberania legítima, no fim
da Idade Média, teve como emblema os dois sinais do poder. Tanto o rei quanto o
papa disputaram as almas e os corpos, exigiram a espada para a sua soberania
que, por sua vez, recebeu o nome jurídico de plenitudo potestatis, superlativa
auctoritas, plenaria potestas, summa potestas, etc. Com a premissa de que a
sociedade seria inteiramente cristã — a Respublica christiana — o
coletivo resumia-se à comunhão religiosa, em especial nos cargos dirigentes.
Como os reis cristãos tinham dignidade eclesiástica, sobretudo após instaurada
a sagração dos reis franceses em 751 por Pepino o Breve — cerimônia que se
espalhou pela Europa — eles deveriam seguir as ordens do papa. A sagração
deixava bem clara esta dependência do rei ao pontífice nas próprias roupas que
ele envergava cerimonialmente: a túnica do subdiácono, a dalmática do diácono e
a casula do presbítero. O rei estava na
Igreja, mas não era superior ao Corpus mysticum. Ele recebia um anel semelhante
ao episcopal, mas isto não significava que seu elo com a Ecclesia era
semelhante ao do bispo e do papa. Estes últimos, na ordenação, tornavam-se
esposos da comunidade, o que explica a fórmula segundo a qual “o bispo está na
Igreja e a Igreja está no bispo”.
Grandes pensadores na Idade Média e começo da Moderna, no entanto, apontavam a plenitudo potestatis em proveito do poder laico. Como em Guilherme de Ockham: para ele o Estado é legítimo quando aceito pelos cidadãos. A Igreja é infalível em matéria de fé, constituindo a multidão dos fiéis que se retoma do Antigo Testamento aos últimos tempos. Cabe ao príncipe leigo reprimir fisicamente a heresia e defender a Igreja. Mas ele nega os plenos poderes do pontífice nas duas ordens, secular e religiosa. Já Cristo disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Precisamos analisar o conceito de representação na tradição católica. Durante certo tempo o termo "repraesentare" significou "tornar presente" literalmente, como "pagar em dinheiro" ou conduzir um novo Papa diante da multidão que o espera. (9) Para que alguém seja representado, é preciso que esteja presente de certo modo, no ou através de um intermediário.(10) Como diz Franco Todescan ao comentar Guilherme de Ockham, "Não obstante as múltiplas oscilações dos juristas e teólogos no uso do termo ´repraesentare´ (entre um significado genericamente alegórico de figuração simbólico-profética, e outro mais rigorosamente técnico-jurídico, de relação vicária entre mandatário e mandante, entre tutor e e pupilo) se poderia justificar a identificação entre o Concilio Geral e Igreja universal e a consequente superioridade do Concilio sobre o Papa". (11)
Grandes pensadores na Idade Média e começo da Moderna, no entanto, apontavam a plenitudo potestatis em proveito do poder laico. Como em Guilherme de Ockham: para ele o Estado é legítimo quando aceito pelos cidadãos. A Igreja é infalível em matéria de fé, constituindo a multidão dos fiéis que se retoma do Antigo Testamento aos últimos tempos. Cabe ao príncipe leigo reprimir fisicamente a heresia e defender a Igreja. Mas ele nega os plenos poderes do pontífice nas duas ordens, secular e religiosa. Já Cristo disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Precisamos analisar o conceito de representação na tradição católica. Durante certo tempo o termo "repraesentare" significou "tornar presente" literalmente, como "pagar em dinheiro" ou conduzir um novo Papa diante da multidão que o espera. (9) Para que alguém seja representado, é preciso que esteja presente de certo modo, no ou através de um intermediário.(10) Como diz Franco Todescan ao comentar Guilherme de Ockham, "Não obstante as múltiplas oscilações dos juristas e teólogos no uso do termo ´repraesentare´ (entre um significado genericamente alegórico de figuração simbólico-profética, e outro mais rigorosamente técnico-jurídico, de relação vicária entre mandatário e mandante, entre tutor e e pupilo) se poderia justificar a identificação entre o Concilio Geral e Igreja universal e a consequente superioridade do Concilio sobre o Papa". (11)
O
pressuposto para a aplicação ao concílio da idéia de representação no sentido
jurídico é a idéia da Igreja como corpo, congregatio fidelium. Esta congregatio
contem em si mesma todos os direitos, de modo originário. Tal enunciado só pode
surgir com a leitura de Aristóteles feita a partir do século 13. Soberania do
povo e representação surgem pela primeira vez com João Quidort, quando se
discutia a destituição do papa pelo concilio. Assim, a reunião dos bispos
agiria loco totius populi (em lugar
do povo). Mas não só em defesa do concilio contra o papa é usado o conceito de
representação. O conceito, no entanto, serviu bastante para os adversários do
Sumo Pontífice. É o caso de Marsilio de Pádua. Para ele, a representação perde
o sentido antigo e passa a significar delegação do povo soberano, sendo o
Concilio não mais um encontro de chefes da Igreja, os bispos, mas dos
representantes do povo, os padres e leigos.
Assim, os
defensores do concilio usam a idéia de representação para subordinar o papa ao
concilio, pois este último "representa" o consenso eclesial de
maneira mais unívoca do que o papa. O cardeal Ratzinger, hoje Bento 16, contra
a idéia democrática da Igreja e do concilio diz que um concilio, antes de ser a
representação da Igreja é a "assembléia dos que têm cargo de direção. Na
ordem concreta da Igreja, são evidentemente os bispos". (12) Nota-se a
conotação vertical da idéia de "representação", bem oposta ao seu
significado horizontal, com os conciliaristas e os que entendem a Igreja e o Estado
em sentido democrático.
Não
predominando na vida eclesiástica a tese conciliarista de representação,
torna-se hegemônica a outra, que concede ao Papa supremacia sobre o corpo
eclesial e sobre os Concilios. A representação, assim, passa pelo enunciado
segundo o qual "im omni ierarchia in qua praesidens et gubernatur tribuit
alteri potestatem ac iurisdictionem, est superior illo cui atribuitur
potestas" ( Em toda hierarquia na qual o que preside e governa atribui aos
outros poder e jurisdição, é superior ao que se atribui o poder). (13) Assim,
segundo o jurista e teólogo Tubeta, o Papa successorem
Petri gerentem vices eius cum plenitudine potestatis, usufrui de suprema auctoritas e da potestas praesidentiae sobre toda a
Igreja.
Não foi essa
a via assumida pelos seguidores dos poderes civis. A Igreja, no seu entender, é
apenas a universitas fidelium não implicando poderes temporais para o papa. Com
as reivindicações de soberania espiritual do rei acentuou-se a imagem de seu
casamento com o Estado, inter principem et rempublicam matrimonium morale et
spirituale contrahitur et politicum, no dizer de Lucca de Penna. Tal enlace
mimetiza o “matrimônio” do bispo com a Igreja, o que faz Lucca de Penna
insinuar, citando Sêneca, que no rei respira a alma da res publica (14)
enquanto esta última é o seu corpo (15)
Temos a
gênese do Estado enquanto corpo místico do rei. Este último não se integra mais
na Igreja, sob o papa, mas é a Igreja que a ele seria subordinada. O soberano
laico tem o direito de ostentar o báculo porque o uso exclusivo e legítimo da
espada ele o conquistara, contra o papa. Ainda em termos religiosos, nota-se a
ambição de que o rei seja um com a Igreja, um com o Estado. O signo da
plenitudo potestatis é a espada. Na Contra-Reforma a polêmica antihobbesiana
foi bem executada por Roberto Bellarmino e não é sem motivos que Hobbes
estabelece com aquele cardeal uma guerra cuidadosa e virulenta. Com Hobbes, o
corpo místico eclesiástico é atacado porque deve submeter-se ao corpo da
república, cujo soberano detém as duas “espadas”, a espiritual e a material.
A figura do
Leviatã ameaça o imaginário teológico-político e defende o predomínio da
laicidade sobre a hierarquia religiosa. Esta revolução no pensamento tenta
apagar antigas doutrinas católicas. Devemos retomar o pensamento católico
medieval para compreender em maiores detalhes o nosso tema. Em Tomás de Aquino
o universo desce do Senhor, atravessa os arcanjos e anjos, chega aos sacerdotes
e passa aos leigos poderosos para atingir os leigos comuns, o que define a
espinha dorsal do catolicismo político. Essa é a doutrina neoplatônica haurida
em Dionísio, o Pseudo-Areopagita. (16) Deus encontra-se além dos sentidos e
apenas por intermediários entre Ele e nós recebemos as suas bênçãos. A
hierarquia encontra-se no próprio ser.
Segundo Paul Tillich, em Dionísio o “sistema sagrado possui graus referidos ao saber e à eficácia (…). Isto caracteriza o pensamento católico em grande extensão; ele não é apenas ontológico, mas também epistemológico; existem graus no ser e no conhecimento”. Há uma via para cima e para baixo da escala e cada ente encontra-se num lugar certo e fixo. Deus está além dos nomes que a teologia lhe atribui, além do espírito, além do Bem, numa “indizível obscuridade”. Dada esta transcendência absoluta, a hierarquia celeste é a emanação de sua luz. Quanto mais próxima d’Ele, mais a entidade é luminosa. quanto mais distante, mais escura. Note-se que reside nesta doutrina a tese de Inocêncio III sobre o Papa. Este, na Bula Unam Sanctam, tem as duas espadas, uma temporal e outra espiritual. "E quem nega que a espada temporal pertence a Pedro, interpretou de maneira errada as palavras do Senhor, quando Ele disse: ´coloca a tua espada na baínha´. Assim, as duas estão em poder da Igrejam a espiritual e a material; uma deve ser empunhada em prol da Igreja, a outra pela Igreja; a segunda pelo clero, a primeira pelas mãos do rei ou dos cavaleiros, mas segundo o comando e a condescendência do clero, porque é necessário que uma espada dependa da outra e que a autoridade temporal seja submetida à espiritual. (...) Pois segundo Santo Dionisio é lei divina que o inferior seja reconduzido por meio do superior. Portanto as coisas não são reconduzidas à sua ordem imediatamente, segundo a lei do universo, mas as ínfimas pelas intermédias e as inferiores pelas superiores. Mas é necessário que afirmemos claramente que o poder espiritual é superior a todo poder terreno em dignidade e nobreza, como as coisas espirituais são superiores à temporais". (17) Em outro documento, o Sicut universitatis conditor (1198), Inocêncio III proclama que “O Criador do universo estabeleceu duas grandes luzes no firmamento dos céus; a maior para iluminar o dia, a menor para dirigir a noite. Ele fez o mesmo para o firmamento da Igreja Universal, da qual falamos como se fosse um céu, e definiu duas grandes dignidades; a maior para proteger e governar as almas (estas são os dias), a menor para proteger e governar os corpos (as noites). Tais dignidades são a autoridade pontifical e o poder real. A lua retira sua luz do sol, sendo inferior a ele em tamanho e qualidade, em posição bem como em eficácia. O poder real deriva sua dignidade da autoridade pontifícia: e quanto mais ele escapa da esfera daquela autoridade, menos luz o adorna; quanto mais dela se aproxima, mais aumenta seu esplendor” (18) Os homens não podem perceber imediatamente a luz divina, porque ela os cega. Os intermediários angélicos são o caminho para o fulgor Eterno. É impossível quebrar a escala hierárquica dos anjos aos homens. ( 19)
Segundo Paul Tillich, em Dionísio o “sistema sagrado possui graus referidos ao saber e à eficácia (…). Isto caracteriza o pensamento católico em grande extensão; ele não é apenas ontológico, mas também epistemológico; existem graus no ser e no conhecimento”. Há uma via para cima e para baixo da escala e cada ente encontra-se num lugar certo e fixo. Deus está além dos nomes que a teologia lhe atribui, além do espírito, além do Bem, numa “indizível obscuridade”. Dada esta transcendência absoluta, a hierarquia celeste é a emanação de sua luz. Quanto mais próxima d’Ele, mais a entidade é luminosa. quanto mais distante, mais escura. Note-se que reside nesta doutrina a tese de Inocêncio III sobre o Papa. Este, na Bula Unam Sanctam, tem as duas espadas, uma temporal e outra espiritual. "E quem nega que a espada temporal pertence a Pedro, interpretou de maneira errada as palavras do Senhor, quando Ele disse: ´coloca a tua espada na baínha´. Assim, as duas estão em poder da Igrejam a espiritual e a material; uma deve ser empunhada em prol da Igreja, a outra pela Igreja; a segunda pelo clero, a primeira pelas mãos do rei ou dos cavaleiros, mas segundo o comando e a condescendência do clero, porque é necessário que uma espada dependa da outra e que a autoridade temporal seja submetida à espiritual. (...) Pois segundo Santo Dionisio é lei divina que o inferior seja reconduzido por meio do superior. Portanto as coisas não são reconduzidas à sua ordem imediatamente, segundo a lei do universo, mas as ínfimas pelas intermédias e as inferiores pelas superiores. Mas é necessário que afirmemos claramente que o poder espiritual é superior a todo poder terreno em dignidade e nobreza, como as coisas espirituais são superiores à temporais". (17) Em outro documento, o Sicut universitatis conditor (1198), Inocêncio III proclama que “O Criador do universo estabeleceu duas grandes luzes no firmamento dos céus; a maior para iluminar o dia, a menor para dirigir a noite. Ele fez o mesmo para o firmamento da Igreja Universal, da qual falamos como se fosse um céu, e definiu duas grandes dignidades; a maior para proteger e governar as almas (estas são os dias), a menor para proteger e governar os corpos (as noites). Tais dignidades são a autoridade pontifical e o poder real. A lua retira sua luz do sol, sendo inferior a ele em tamanho e qualidade, em posição bem como em eficácia. O poder real deriva sua dignidade da autoridade pontifícia: e quanto mais ele escapa da esfera daquela autoridade, menos luz o adorna; quanto mais dela se aproxima, mais aumenta seu esplendor” (18) Os homens não podem perceber imediatamente a luz divina, porque ela os cega. Os intermediários angélicos são o caminho para o fulgor Eterno. É impossível quebrar a escala hierárquica dos anjos aos homens. ( 19)
Agostinho
apresentou a sua fórmula: non essent
omnia, si essent aequalia (se todas as coisas fossem iguais, nada seriam).
Cada coisa ocupa um lugar na escada dos seres, da mais humilde à excelsa. Da
hierarquia celeste, segue-se a terrestre e política. Aquino endossa os escritos
de Dionísio: “um soldado está sujeito ao seu rei e ao seu chefe de exército; em
sua vontade ele pode buscar o bem de seu chefe, e não o de seu rei, ou o
contrário. Mas se o chefe recusa a ordem do rei, a vontade do soldado será boa
se recusar a vontade do chefe em favor da real; ela será ao contrário má, se
obedece a do chefe contra a do rei, pois a ordem de um princípio inferior
depende da ordem do princípio superior.”
O universo,
dos anjos aos governantes, obedece a hierarquia. “A bondade da criação não
seria perfeita sem uma hierarquia dos bens segundo a qual alguns seres são
melhores que os demais; sem isto todos os graus do bem não seriam realizados e
nenhuma criatura seria semelhante a Deus por sua preeminência sobre as outras.
Assim a bondade última dos seres desapareceria com a ordem feita de distinção e
disparidade; bem mais a supressão da desigualdade dos seres arrastaria a
supressão de sua multiplicidade: um é o efeito melhor do que o outro pelas
próprias diferenças que distinguem os seres uns dos outros, como o vivente e o
inanimado e o racional do não racional”. A escala continua na soberania
política: “a perfeição para todo governo é prover os seus súditos no que diz
respeito à sua natureza, tal é a noção mesma de justiça nos governos. Do mesmo
modo, pois, que para um chefe da cidade, opor-se — se não for apenas de maneira
momentânea em função de certa necessidade — a que os súditos cumpram sua
tarefa, seria contrário ao sentido de um governo humano, do mesmo modo a sua
natureza seria oposta ao sentido do governo divino.”
O
neo-platonismo de Dionísio Areopagita indica a realidade como hierarquia de
entidades e formas, todas organizadas sob e subordina a uma última unidade.
Esta forma de pensar encontra-se em Aquino e em outros pensadores da Igreja,
como é o caso de Egidio de Roma, no tratado De potestate ecclesiastica (1.4,
páginas 18-19). A idéia de representação na Idade Média tem sido analisada em
trabalhos que indicam ter ela nascida no interior da Igreja, em união com os
conceitos de plenos poderes dados por consentimento e de corporação. (20) A
representação eclesiástica medieval não era, como em nossos tempos, uma
delegação , mas de personificação : o dirigente, rei ou papa incorpora em sua
pessoa o grupo que ele representa. Ao conduzir os assuntos da Igreja ou do
Reino à distância, criando uma justiça uniforme controlada do centro poderoso,
por uma autoridade, tal é o aspecto essencial da representação. (21) A
representação, assim, é interpessoal, mas não supõe delegação de poderes. O
papa e o rei tinham poder de cima, não de baixo, ou melhor, de praecipua pars.
Enquanto o Estado manteve o monopólio do político —enquanto era notável a distinção entre Estado e Sociedade— , a fórmula que enuncia ser o Estado igual à política era efetiva. Quando o Estado e a Sociedade começaram a se misturar, o que se deu por volta de 1848 e atingiu seu apice na revolução de 1918, a equação passou a ser falsa. Não se trata de saber qual forma política poderia substituir o Estado, e qual nomos ou ordem poderia ser estabelecida. A pergunta é a seguinte: como entender a política neste contexto histórico novo.
Enquanto o Estado manteve o monopólio do político —enquanto era notável a distinção entre Estado e Sociedade— , a fórmula que enuncia ser o Estado igual à política era efetiva. Quando o Estado e a Sociedade começaram a se misturar, o que se deu por volta de 1848 e atingiu seu apice na revolução de 1918, a equação passou a ser falsa. Não se trata de saber qual forma política poderia substituir o Estado, e qual nomos ou ordem poderia ser estabelecida. A pergunta é a seguinte: como entender a política neste contexto histórico novo.
Schmitt
assevera que "todos os conceitos significativos da moderna teoria do
Estado são conceitos teológicos secularizados". (22) É bom recordar que a
sequência do enunciado, que diz ser o estado de exceção o análogo do milagre na
teologia política, tem sua origem no Discurso sobre a Ditadura, de Juan
Donoso Cortés. (23)
A passagem do teológico ao político ocorre no processo de secularização. É preciso compreender o enunciado significa. O evento moderno que marca o processo de "secularização" ocorre em 1789. No mesmo tempo em que a sociedade hierarquizada em "estados" (Ständgesellschaft) do Antigo Regime cai por terra, cai o seu outro complementar, a Igreja feudal e a Igreja de Estado (galicana). O Estado absolutista desejou integrar a Igreja no Estado, como entidade cooperativa. O Estado constitucional liberal pós-revolucionário exigia o contrário, em nome da garantia da liberdade individual e uma integração auto-reguladora dos grupos sociais na sociedade para conseguir as relações capitalistas, eliminando antigas estruturas sociais que entravariam aqueles elos.
A passagem do teológico ao político ocorre no processo de secularização. É preciso compreender o enunciado significa. O evento moderno que marca o processo de "secularização" ocorre em 1789. No mesmo tempo em que a sociedade hierarquizada em "estados" (Ständgesellschaft) do Antigo Regime cai por terra, cai o seu outro complementar, a Igreja feudal e a Igreja de Estado (galicana). O Estado absolutista desejou integrar a Igreja no Estado, como entidade cooperativa. O Estado constitucional liberal pós-revolucionário exigia o contrário, em nome da garantia da liberdade individual e uma integração auto-reguladora dos grupos sociais na sociedade para conseguir as relações capitalistas, eliminando antigas estruturas sociais que entravariam aqueles elos.
Para tal fim
era preciso deslocar a Igreja, poderosa societas perfecta de direito
próprio e concorrente do Estado na integração social. Seria preciso reduzi-la
ao estatuto de instituição privada, neutralizando a ação dos sacerdotes e deles
fazendo funcionários controláveis. Nesta situação, algo inédito ocorreu: a
Igreja, praticamente uma síntese de todas as culturas do Mediterrâneo, estou
quase parafraseando Nietzsche, não conseguiu assimilar o liberalismo e o
capitalismo. Em vez de seguir sua milenar prática de assimilação do diverso
cultural que a envolve, ela se crispou centralizando sua potência burocrática.
Tal centralização ocorre com o dogma da infalibidade papal, instituído pelo
Concílio Vaticano I (1869-70), convocado por Pio 9º. O documento Pastor
Aeternus, aprovado em 18 de julho de 1870, proclama a primazia do papa
sobre toda a Igreja e define sua infalibilidade na doutrina da fé. No mesmo
passo, a Igreja tentou conduzir, graças a representações românticas que
entendiam restaurar um Estado e uma sociedade não mais vigentes, uma
pacificação social. A fórmula intermediária entre a antiga estrutura feudal ou
absolutista e a nova sociedade capitalista e liberalizante, ela a achou no
corporatismo.
O que se passa no Catolicismo Romano e Forma Politica? Alí se defende a política contra análises como as de Marx Weber, cuja ênfase maior em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é a razão econômica que brotaria da fé irracional, mas que rotiniza e estereotipa o carisma em prática calculáveis e controláveis no interior do tempo e do espaço. O encômio da política serve como antídoto ao pensamento econômico e tecnológico, cujos pressupostos encontram-se no mecanismo do Estado e sua neutralização nas resoluções dos conflitos sociais e jurídicos.
O que se passa no Catolicismo Romano e Forma Politica? Alí se defende a política contra análises como as de Marx Weber, cuja ênfase maior em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é a razão econômica que brotaria da fé irracional, mas que rotiniza e estereotipa o carisma em prática calculáveis e controláveis no interior do tempo e do espaço. O encômio da política serve como antídoto ao pensamento econômico e tecnológico, cujos pressupostos encontram-se no mecanismo do Estado e sua neutralização nas resoluções dos conflitos sociais e jurídicos.
Schmitt
indica na Igreja Católica algo que os românticos queriam mas eram incapazes de
obter, dada a sua imersão na interioridade: a Igreja consegue ser o terceiro
mais elevado nas contradições ocorridas entre as partes sociais, políticas,
econômicas. Ela é o chamado complexio
oppositorum e sua racionalidade jurídica seria superior à razão mecânica e
instrumental do liberalismo e do socialismo modernos. Na Igreja existe uma teoria
e uma prática da representação de uma idéia na qual o Papa representa o Cristo.
Uma representação, pensa Schmitt, deve ser necessariamente pessoal e deve
envolver crenças substantivas, ideiais e mitos. Representar, neste sentido, é
representar diante do povo, não para o povo. A representação vem do Eterno para
o tempo, de cima para baixo, e não como no pensamento liberal ou socialista, do
tempo para a idéia, do econômico para o político. (24)
O Catolicismo Romano e Forma Política (25) põe a questão da idéia política do catolicismo, a sua forma. Desde o início Schmitt constata a sua espantosa elasticidade da política eclesiástica, tomada por oportunismo pelos seus adversários. Ela se alia a correntes e grupos opostos, com muitas coalizões que testemunham contra uma suposta integridade da instituição. Numa terra ela patrocina a reação contra revolucionária, e se torna inimiga declarada de toda libertade burguesa. Em outra, ela exige a mesma liberdade, a exemplo da liberdade de ensino. (26) Segundo Schmitt, todas as correntes e tendências são instrumentalizadas, desde que ajudem a encarnar as formas eclesiásticas. A mesma experiência poderia ser encontrada no Império Romano, um complexo de opostos de todas as culturas mediterrâneas, da Europa e mesmo da Asia. Nele, todas as religiões, formas políticas, administrativas, filosóficas eram aceitas, desde que reconhecessem a supremacia do direito e da autoridade romana.
O Catolicismo Romano e Forma Política (25) põe a questão da idéia política do catolicismo, a sua forma. Desde o início Schmitt constata a sua espantosa elasticidade da política eclesiástica, tomada por oportunismo pelos seus adversários. Ela se alia a correntes e grupos opostos, com muitas coalizões que testemunham contra uma suposta integridade da instituição. Numa terra ela patrocina a reação contra revolucionária, e se torna inimiga declarada de toda libertade burguesa. Em outra, ela exige a mesma liberdade, a exemplo da liberdade de ensino. (26) Segundo Schmitt, todas as correntes e tendências são instrumentalizadas, desde que ajudem a encarnar as formas eclesiásticas. A mesma experiência poderia ser encontrada no Império Romano, um complexo de opostos de todas as culturas mediterrâneas, da Europa e mesmo da Asia. Nele, todas as religiões, formas políticas, administrativas, filosóficas eram aceitas, desde que reconhecessem a supremacia do direito e da autoridade romana.
O mais
particular na Igreja, entretanto, é que parece não existir oposição que ela não
englobe, a começar com a sua estrutura mesma, que reúne elementos democráticos,
aristocráticos e monárquicos absolutistas. E nela, também, se harmonizam
transcendência e imanência, intransigência e tolerância, princípio masculino e
feminino, paterno e materno, natureza e espírito, natureza e razão, natureza e
arte, etc. Citando Schmitt: "Do ponto de vista da idéia política do
catolicismo, a essência do complexio oppositorum católico-romano reside numa
superioridade específicamente formal da vida humana sobre a matéria, tal que
nenhum imperium não a conheceu até hoje. Aqui foi bem sucedida uma forma
substancial da realidade histórica e social, que, apesar de seu caráter formal,
subsiste na existência concreta, cheia de vida e no entanto racional no mais
elevado ponto. Esta particularidade formal do catolicismo romano repousa sobre
a aplicação estrita do princípio de representação". A Igreja representa a
civitas humana, manifesta a cada instante o elo histórico entre a incarnação e
o sacrifício da cruz, representa o próprio Cristo, pessoalmente, o Deus que se
tornou homem na realidade histórica. É nesta forma representativa que está a
sua superioridade sobre uma época dominada pelo pensamento econômico".
(27)
Carl Schmitt
dá uma força particular ao último enunciado: o racionalismo da Igreja "que
capta moralmente a natureza psicológica e sociológica do homem" tem, no
seu entender, mais peso do que o racionalismo da indústria e da técnica
orientada para o domínio e uso da matéria para fins produtivos e de consumo,
que pensa e age segundo polaridades (em especial a oposição entre economia e
política) e que gostaria de usar a Igreja enquanto "instituto higiênico
para os sofrimentos da luta concorrencial" ou como "polaridade
espiritual ou ausência de espírito" como negócio privado, como se
compatível à propriedade privada.
O racionalismo da Igreja é fundado em plano institucional, sendo essencialmente jurídico. Nela o sacerdócio é um ministério, que se refere (por sua dissociação do carisma) por uma cadeia contínua à pessoa e à missão de Cristo, que, segundo Schmitt, é o mais espantoso complexio oppositorum. Erasmo de Rotterdam, católico, já falara do Cristo como a união mais espantosa dos opostos. Basta reler o Adágio Sileni Alcibiadis. Cristo é um Sileno mirífico: por fora era a impotência pura, os seus pais eram gente sem meios, os discípulos idem, mas sob a crosta abjeta, uma pérola rara, altitude vertiginosa, na extrema pobreza a máxima riqueza, na debilidade uma força incrível, na mais baixa ignomínia a glória excelsa, na morte precoce uma perene imortalidade. Obviamente, diz Erasmo, estava em poder do Cristo instalar certa monarquia e atingir a meta que os imperadores romanos perseguiram em vão, ter um cortejo mais numeroso do que o de Xerxes, uma riqueza maior do que a de Creso, impor silêncio aos filósofos. Mas quis assumir uma outra imagem. (28)
A Igreja é uma representação concreta e pessoal de uma personalidade concreta. Tanto no representante quanto no representado está presente um princípio pessoal de autoridade pelo alto. É por tal motivo que ela encarna uma idéia política, capaz de resolver as oposições que sequer são percebidas pelo pensamento mecânico da indústria e da técnica. "Este mundo da representação tem sua hierarquia de valores e de humanidade. É nele que vive a idéia política, bem como sua energia para realizar as três formas principais:
1) a forma estética, isto é, a simbólica representativa que consiste na capacidade retórica, num discurso que não discute, não arrazoa (ao modo do Räsonnieren), que é pré e anti burguêsm um discurso cuja percussão vem da fé na representação reclamada pelo locutor
O racionalismo da Igreja é fundado em plano institucional, sendo essencialmente jurídico. Nela o sacerdócio é um ministério, que se refere (por sua dissociação do carisma) por uma cadeia contínua à pessoa e à missão de Cristo, que, segundo Schmitt, é o mais espantoso complexio oppositorum. Erasmo de Rotterdam, católico, já falara do Cristo como a união mais espantosa dos opostos. Basta reler o Adágio Sileni Alcibiadis. Cristo é um Sileno mirífico: por fora era a impotência pura, os seus pais eram gente sem meios, os discípulos idem, mas sob a crosta abjeta, uma pérola rara, altitude vertiginosa, na extrema pobreza a máxima riqueza, na debilidade uma força incrível, na mais baixa ignomínia a glória excelsa, na morte precoce uma perene imortalidade. Obviamente, diz Erasmo, estava em poder do Cristo instalar certa monarquia e atingir a meta que os imperadores romanos perseguiram em vão, ter um cortejo mais numeroso do que o de Xerxes, uma riqueza maior do que a de Creso, impor silêncio aos filósofos. Mas quis assumir uma outra imagem. (28)
A Igreja é uma representação concreta e pessoal de uma personalidade concreta. Tanto no representante quanto no representado está presente um princípio pessoal de autoridade pelo alto. É por tal motivo que ela encarna uma idéia política, capaz de resolver as oposições que sequer são percebidas pelo pensamento mecânico da indústria e da técnica. "Este mundo da representação tem sua hierarquia de valores e de humanidade. É nele que vive a idéia política, bem como sua energia para realizar as três formas principais:
1) a forma estética, isto é, a simbólica representativa que consiste na capacidade retórica, num discurso que não discute, não arrazoa (ao modo do Räsonnieren), que é pré e anti burguêsm um discurso cuja percussão vem da fé na representação reclamada pelo locutor
2) a forma
jurídica da societas perfecta, que torna a Igreja que torna a Igreja capaz de
negociar com o Estado como figura de representação igual
3) A forma
de potência histórica mundial que representa o Cristo reinante, soberano,
triunfante, e funda a força política do catolicismo. Ela produz a eterna
oposição entre justiça e a glória, a potênciam que só pode ser adquirida no
próprio Deus. Em seu imperialismo mundial, a Igreja, se ela atinge seu fim, trará
paz ao mundo.
Esses tres
pontos formais, no pensamento de Schmitt, trazem uma importante compreensão do
catolicismo, ou melhor, de sua auto-compreensão.
À crítica
dos protestantes, endereçada aos fundamentos da Igreja (ela seria um mecanismo,
um aparato burocrático) responde Schmitt que, na verdade, são os protestantes
os genitores do mecanicismo em política e sociedade.
Lutero ao mesmo tempo proclama o sacerdócio universal dos fiéis, nega a divisão hierárquica ao modo de Dionisio o pseudo-Areopagita e declara nulas as distinções entre clero e laicato. "Lutero não poderia, nem fez, da Igreja uma ordem distinta, hierarquizada e centralizada neste mundo, análoga a outros Estados, porque sua doutrina da igreja tinha antes assumido uma forma fixada por sua teologia. A forma da verdadeira Igreja, a invisível (ecclesia invisibilis) no Reino de Deus era o igualitário sacerdócio dos crentes, governado apenas pelo Cristo". (29) Lutero nega à Igreja toda autoridade mundana independente. Mas ele também nega que o igualitarismo deveria ser a forma visível da Igreja (ecclesia visibilis). O igualitarismo se atenua nos projetos de um ministério estruturado, cujo destino é complexo e não segue em sentido único, sobretudo não segue no plano de imitar a Igreja romana.
Lutero ao mesmo tempo proclama o sacerdócio universal dos fiéis, nega a divisão hierárquica ao modo de Dionisio o pseudo-Areopagita e declara nulas as distinções entre clero e laicato. "Lutero não poderia, nem fez, da Igreja uma ordem distinta, hierarquizada e centralizada neste mundo, análoga a outros Estados, porque sua doutrina da igreja tinha antes assumido uma forma fixada por sua teologia. A forma da verdadeira Igreja, a invisível (ecclesia invisibilis) no Reino de Deus era o igualitário sacerdócio dos crentes, governado apenas pelo Cristo". (29) Lutero nega à Igreja toda autoridade mundana independente. Mas ele também nega que o igualitarismo deveria ser a forma visível da Igreja (ecclesia visibilis). O igualitarismo se atenua nos projetos de um ministério estruturado, cujo destino é complexo e não segue em sentido único, sobretudo não segue no plano de imitar a Igreja romana.
Lutero,
portanto, proclama a invisibilidade da Igreja. Esta não é mais um organismo
externo dirigido por uma autoridade, mas comunidade espiritual formada pelos
crentes, só conhecidos pelo Cristo, a sua cabeça, diretor e senhor. As funções
eclesiásticas (pregação, sacramentos) não indicam autoridade que permitam a
quem os administra legislar em matéria religiosa e, sobretudo em campo civil.
"Quem nos mostrará a Igreja, dado que ela se esconde no Espírito Santo,
sendo simplesmente objeto de fé?" diz Lutero em 1522. Com a Guerra dos
Camponeses, Lutero atenua a invisibilidade da Igreja. Esta ainda é invisível,
em grande parte, mas ele determina mais acentuadamente alguns prismas visíveis
de sua organização. Com o tempo, a visibilidade eclesiástica se acentua, porque
as igrejas passam a ser definidas pelos Estados, deles dependendo
estreitamente. Contra o Iluminismo, Lutero aumenta os poderes eclesiásticos em
favor da Igreja mãe, a de Wittenberg: pastores e pregadores devem ser
submetidos a exames doutrinários, segundo os padrões de Wittenberg. (30) Mas na
base teórica, é mantida a divisão entre o visível e o invisível, os dois
reinos, "o temporal, dirigido pela espada e visto com os olhos, e o
espiritual, governado pela graça e perdão dos pecados". (31) A ambiguidade
da eclesiologia luterana estourou no Terceiro Reich, quando os crentes que
aderiram ao nazismo lutam para que sinais visíveis da Igreja (cultura comum,
raça, etc) surgissem como elemento essencial. Também não entro agora no debate,
embora ele seja muito próximo ao problema apresentado por Schmitt. (32)
No
pensamento filosófico e político germânico a distinção entre o visível e o
invisível é seguida de maneira habitual. Em Kant ocorre a separação entre os
dois campos, o da Razão Teórica, campo dos fenômenos (o que vem à luz) e a
Razão Prática, determinada pela consciência invisível. (33) No mundo da física
não existem atos livres, nele impera a necessidade; no da ordem livre rege a
liberdade do sujeito. A religião não pode ser algo externo, visível, imposto
como necessária, sobretudo em se tratando da autoridade. Resta, claro, o
problema de como unir necessidade e liberdade. Tal ponto é encaminhado por Kant
na Critica
da Faculdade de Julgar, o que não é nosso tema agora. (34)
" A ideia sublime, nunca plenamente alcançável, de uma comunidade ética mingua muito em mãos humanas, a saber, para chegar a ser uma instituição que, capaz em todo o caso de representar somente a forma daquela, está, no tocante aos meios de erigir semelhante todo, muito restringida sob condições da natureza sensível do homem. Mas como pode esperar-se que de um lenho tortuoso se talhe algo de plenamente recto? Instituir um povo de Deus moral é, portanto, uma obra cuja execução não se pode esperar dos homens, mas somente do próprio Deus. Contudo, não é permitido ao homem estar inactivo quanto a este negócio e deixar que a Providência actue, como se a cada qual fosse permitido perseguir somente o seu interesse moral privado, deixando a uma sabedoria superior o todo do interesse do género humano (segundo a sua determinação moral). Pelo contrário, há- de proceder como se tudo dele dependesse, e só sob esta condição pode esperar que uma sabedoria superior garantirá ao seu esforço bem intencionado a consumação.
" A ideia sublime, nunca plenamente alcançável, de uma comunidade ética mingua muito em mãos humanas, a saber, para chegar a ser uma instituição que, capaz em todo o caso de representar somente a forma daquela, está, no tocante aos meios de erigir semelhante todo, muito restringida sob condições da natureza sensível do homem. Mas como pode esperar-se que de um lenho tortuoso se talhe algo de plenamente recto? Instituir um povo de Deus moral é, portanto, uma obra cuja execução não se pode esperar dos homens, mas somente do próprio Deus. Contudo, não é permitido ao homem estar inactivo quanto a este negócio e deixar que a Providência actue, como se a cada qual fosse permitido perseguir somente o seu interesse moral privado, deixando a uma sabedoria superior o todo do interesse do género humano (segundo a sua determinação moral). Pelo contrário, há- de proceder como se tudo dele dependesse, e só sob esta condição pode esperar que uma sabedoria superior garantirá ao seu esforço bem intencionado a consumação.
O desejo de
todos os bem-intencionados é, pois, ”que o Reino de Deus venha, que se faça a
sua vontade na Terra"; mas que devem eles organizar para que isto lhes
aconteça? Uma comunidade ética sob a legislação moral divina é uma Igreja, que,
na medida em que não é objecto algum de experiência possível, se chama a Igreja
invisível (uma mera ideia da união de todos os homens rectos sob o governo
divino imediato, mas moral, do mundo, tal como serve de arquétipo às que devem
ser fundadas por homens). A visível é a união efectiva dos homens num todo que
concorda com aquele ideal. Na medida em que toda a sociedade sob leis públicas
traz consigo uma subordinação dos seus membros (na relação dos que obedecem às
suas leis com os que se atêm à observância das mesmas), a multidão unida
naquele todo (a Igreja) é a congregação sob os seus superiores, que (chamados
também mestres ou pastores de almas) administram somente os negócios do seu
chefe invisível e se chamam conjuntamente, a este respeito, servidores da
Igreja, do mesmo modo que na comunidade política o chefe visível se denomina a
si mesmo, de vez em quando, o supremo servidor do Estado, embora não reconheça
decerto acima de si nenhum homem (em geral, nem sequer a própria totalidade do
povo). A verdadeira Igreja (visível) é aquela que representa o reino (moral) de
Deus na Terra, tanto quanto isso pode acontecer através dos homens. Os
requisitos, por conseguinte, as notas características, da verdadeira Igreja são
os seguintes:
1. A universalidade, por conseguinte, a sua unidade numérica; deve em si conter a disposição para tal, a saber, embora dividida em opiniões contingentes e desunida, encontra-se, apesar de tudo, quanto ao fito essencial, erigida sob princípios que devem necessariamente levá-la à universal unificação numa única Igreja (portanto, nenhuma divisão em seitas
1. A universalidade, por conseguinte, a sua unidade numérica; deve em si conter a disposição para tal, a saber, embora dividida em opiniões contingentes e desunida, encontra-se, apesar de tudo, quanto ao fito essencial, erigida sob princípios que devem necessariamente levá-la à universal unificação numa única Igreja (portanto, nenhuma divisão em seitas
2. A
característica (qualidade) de tal Igreja; i.e., a pureza, a união sob nenhuns
outros motivos a não ser os morais. (Purificada da imbecilidade da superstição e
da loucura do fanatismo.)
3. A relação sob o princípio da liberdade, tanto a relação interna dos seus membros entre si como a externa da Igreja com o poder político, ambas as coisas num Estado livre (por conseguinte, nem hierarquia, nem iluminismo, uma espécie de democracia mediante inspirações particulares, que podem ser diferentes de outras, segundo a cabeça de cada qual).
3. A relação sob o princípio da liberdade, tanto a relação interna dos seus membros entre si como a externa da Igreja com o poder político, ambas as coisas num Estado livre (por conseguinte, nem hierarquia, nem iluminismo, uma espécie de democracia mediante inspirações particulares, que podem ser diferentes de outras, segundo a cabeça de cada qual).
4. A
modalidade de tal Igreja, a imutabilidade quanto à sua constituição, com a
reserva, porém, dos ordenamentos contingentes, respeitantes só à administração
da Igreja, as quais podem mudar segundo o tempo e as circunstâncias, embora ela
tenha para tal de conter já a priori
em si mesma (na ideia do seu fim) os princípios seguros. (Portanto, sob leis
originais, como que prescritas publicamente por um código, não sob símbolos
arbitrários que, por lhes faltar a autenticidade, são contingentes, expostos à
contradição e mutáveis). Por conseguinte, uma comunidade ética considerada como
Igreja, i.e., como simples representante de um Estado de Deus, não tem, em
rigor, nenhuma constituição análoga, quanto aos seus princípios, à constituição
política. Tal constituição não é nela nem monárquica (sob um Papa ou
Patriarca), nem aristocrática (sob Bispos e Prelados), nem democrática (como de
iluminados sectários). Quando muito, poderia ainda comparar-se a uma comunidade
doméstica (família) sob um pai moral comunitário, embora invisível, enquanto o
seu filho santo, que conhece a sua vontade e, ao mesmo tempo, está em parentesco
de sangue com todos os seus membros, ocupa o seu lugar de maneira a tornar
conhecida mais em pormenor a sua vontade àqueles que, por isso, nele honram o
pai e deste modo ingressam uns com os outros numa voluntária, universal e
duradoira união de coração". (35)
Como enuncia Alexis Philonenko, a obra de Kant significava "liberar o ético do jugo teológico, fazer a lei moral boa em si mesma e não suspensa ao arbítrio de um Deus onipotente". O mesmo Philonenko indica o sexto capítulo das Contribuições para Mudar o Juízo do Público sobre a Revolução Francesa, de Fichte, como resultado consequente de uma recusa persistente de uma igreja visível. (36) Para Fichte, Deus sendo imanente à consciência e formando o todo das consciências éticas uma cadeia, a ordem moral do mundo, a "Igreja, simplesmente considerada em si mesma, só tem força e direito num mundo invisível; no visível ela não possui força e direito" (37)
Um ponto relevante na atitude de Fichte, no entanto, é essencial na cruzada de Schmitt em prol da Igreja visível, a católica. Para o especulativo do século 19, seguidor radical de Kant, não existe direito de propriedade para a Igreja, ou para os integrantes da Igreja enquanto tais. Eles só podem exigir seus direitos neste mundo, não lhes sendo facultado nenhuma posse de bens (e demais vantagens da vida civil) como integrantes da comunhão eclesiástica. Se isto não bastasse para minar as bases do pensamento católico e luterano (que Fichte acusa de falta de consequência em relação ao seu princípio essencial, a invisibilidade da consciência) o filósofo baseia toda a sua argumentação no contrato, algo inimaginável para a eclesiologia de tipo dionisíaco. (38) Ampliando ao mundo religioso a base contratual, Fichte aponta a inconsistência das reivindicações de poder visível eclesiástico, pois quando um fiel contrata com a Igreja a sua salvação eterna, o conteúdo do contrato está fora do tempo e do espaço, fora do mundo fenomênico. Como diz um comentador, "um contrato de troca só é válido quando ocorre no mundo dos fenômenos e se as duas partes cumprem sua promessa. Ora, nesta vida, um contrato de troca de bens terrestres contra bens celestes jamais tomba no mundo dos fenômenos. O possuidor dos bens terrestres executa sem dúvida o contrato de seu lado; mas a detentora dos bens celestes não o executa do seu.". (39)
Como enuncia Alexis Philonenko, a obra de Kant significava "liberar o ético do jugo teológico, fazer a lei moral boa em si mesma e não suspensa ao arbítrio de um Deus onipotente". O mesmo Philonenko indica o sexto capítulo das Contribuições para Mudar o Juízo do Público sobre a Revolução Francesa, de Fichte, como resultado consequente de uma recusa persistente de uma igreja visível. (36) Para Fichte, Deus sendo imanente à consciência e formando o todo das consciências éticas uma cadeia, a ordem moral do mundo, a "Igreja, simplesmente considerada em si mesma, só tem força e direito num mundo invisível; no visível ela não possui força e direito" (37)
Um ponto relevante na atitude de Fichte, no entanto, é essencial na cruzada de Schmitt em prol da Igreja visível, a católica. Para o especulativo do século 19, seguidor radical de Kant, não existe direito de propriedade para a Igreja, ou para os integrantes da Igreja enquanto tais. Eles só podem exigir seus direitos neste mundo, não lhes sendo facultado nenhuma posse de bens (e demais vantagens da vida civil) como integrantes da comunhão eclesiástica. Se isto não bastasse para minar as bases do pensamento católico e luterano (que Fichte acusa de falta de consequência em relação ao seu princípio essencial, a invisibilidade da consciência) o filósofo baseia toda a sua argumentação no contrato, algo inimaginável para a eclesiologia de tipo dionisíaco. (38) Ampliando ao mundo religioso a base contratual, Fichte aponta a inconsistência das reivindicações de poder visível eclesiástico, pois quando um fiel contrata com a Igreja a sua salvação eterna, o conteúdo do contrato está fora do tempo e do espaço, fora do mundo fenomênico. Como diz um comentador, "um contrato de troca só é válido quando ocorre no mundo dos fenômenos e se as duas partes cumprem sua promessa. Ora, nesta vida, um contrato de troca de bens terrestres contra bens celestes jamais tomba no mundo dos fenômenos. O possuidor dos bens terrestres executa sem dúvida o contrato de seu lado; mas a detentora dos bens celestes não o executa do seu.". (39)
O exemplo de
Fichte é importante porque ele reúne os elementos combatidos por Carl Schmitt
na ordem liberal moderna: a privatização do político e do religioso, a sua
redução ao plano do mercado e do contrato, o que joga por terra toda e qualquer
idéia de representação hierarquizada e visível do mundo, figurada pela Igreja
Católica. Resta indicar, no sistema filosófico alemão do século 19, a posição
de Hegel. Até os anos de Francfurt (1797-1800) o jovem pensador assumiu a tese
kantiana sobre a Igreja. Em carta a Schelling ele afirmara que "razão e
liberdade são a nossa divisa, a Igreja invisível nosso ponto de união".
Neste momento, como para Kant, Cristo é no entender de Hegel "um ideal da
virtude". A fé no Cristo é um ideal personificado. (40)
Ainda em
1816 Hegel considera que "a função central do protestantismo consistia na
´formação geral do Espírito´, onde escolas e universidades seriam institutos
´religiosos´do saber. As ´igrejas´protestantes seriam as escolas e as
universidades e não a Igreja no sentido propriamente católico do termo.
Privilegia-se, assim, a atividade racional e não os atos de fé, a submissão a
determinados dogmas. A razão é elevada à posição de árbitro supremo de todas as
questões, inclusive religiosas, contando, para isto, com o apoio de uma
religião determinada. Ou seja, a função de ligar as pessoas entre si por um
credo determinado, função eminentemente religiosa, é também atribuída ao
trabalho da razão, à atividade propriamente filosófica".( 41)
Nas Lições
sobre a Filosofia da História temos uma análise ampla e completa de
Hegel sobre a Igreja. O filósofo insiste sobre o caráter externo das práticas e
da estrutura eclesiástica antes da Reforma. Hegel chega ao ponto de afirmar que
na Igreja a imagem fez esvanecer a adoração de Deus em espírito, afastando o
próprio Cristo. (42) Na forma dos sacramentos e na confissão, "a Igreja
tomou o lugar da consciência; ela guiou os indivíduos como crianças e lhes
disse que o homem pode se liberar dos tormentos merecidos, não modificando a si
mesmos, mas por atos externos, opera operata —atos não da boa vontade , mas
executados por ordem dos servidores da Igreja (...) Assim se produziu uma
perfeita inversão de tudo o que é reconhecido como bom e moral na Igreja
cristã: são pedidas aos homens coisas exteriores às quais se satisfaz de
maneira totalmente exterior. A ausência absoluta de liberdade foi, deste modo,
introduzida no próprio princípio da liberdade".
A divisão (Trennung) entre o ser humano e o
conhecimento do bem, algo reservado a uma casta de pessoas (a hierarquia) torna
o homem presa do externo (os tormentos infernais, etc). Esta separação liga-se
a uma outra, absoluta, a separação (Trennung)
entre o princípio espiritual e o temporal. Assim, a piedade só pode se dedicar
ao exterior, à história e sem história, pois "a história é o império do
espírito presente a si mesmo em sua liberdade subjetiva, como reino ético do
Estado (als sittliches Reich des Staates).
Com a Reforma o princípio espiritual, interior, assume a preponderência.
"A doutrina de Lutero", diz Hegel, "é simplesmente que o isto (das Dieses), a infinita subjetividade, a
verdadeira espiritualidade, Cristo, não é de nenhum modo presente no efetivo
exterior, mas que ele se adquire como espiritualidade, de maneira geral, apenas
na reconciliação (Versöhnung) com
Deus, na fé e na comunhão. Estas duas palavras dizem tudo. Não é a consciência
de uma coisa sensível que seria Deus, nem tão pouco uma coisa simplesmente
representada (noch auch eines bloss
Vorgestellten), que não é nem efetiva (wirklich)
nem presente, mas de um efetivo (Wirklichen)
que não é sensível. A exterioridade é assim descartada , todos os dogmas são
reconstruídos e toda a superstição na qual, em consequência se desagregou a
Igreja se esvaneceu". A doutrina luterana diz, adianta Hegel, que o
nascimento da Igreja vem apenas do Espirito Santo e não depende de uma
individualidade particular. Neste ponto, Lutero guarda algo da Igreja Católica,
mas sem a exterioridade desta última.
Sabendo o indivíduo agora que ele está cheio do espírito divino, desaparece toda condição externa e não mais existe a diferença entre padres e leigos. "O conteúdo da verdade não é mais detido exclusivamente por uma casta". Deste modo, "o espírito da verdade pode aparecer na vontade subjetiva, na ação particular da vontade; quando o espírito livre subjetivo, em sua intensidade, se decide pela forma da generalidade, pode aparecer o espírito objetivo. É neste sentido que precisamos compreender que o Estado se fundamenta na religião. Estados e leis são apenas fenômenos da religião nas condições da efetividade".
Com a Paz de Westfalia, arremata Hegel, a independencia da Igreja protestante foi reconhecida, para vergonha da Igreja Católica. Mas a mesma Paz de Westfalia fragmentou a Alemanha, definindo o mais perfeito particularismo e determinação, segundo o direito privado, de todas as relações. "É a anarquia constituída, como nunca antes tinha sido vista no mundo". (43) Importa sublinhar, agora, uma coincidência importante entre as teses hegelianas e as de Carl Schmitt.
Sabendo o indivíduo agora que ele está cheio do espírito divino, desaparece toda condição externa e não mais existe a diferença entre padres e leigos. "O conteúdo da verdade não é mais detido exclusivamente por uma casta". Deste modo, "o espírito da verdade pode aparecer na vontade subjetiva, na ação particular da vontade; quando o espírito livre subjetivo, em sua intensidade, se decide pela forma da generalidade, pode aparecer o espírito objetivo. É neste sentido que precisamos compreender que o Estado se fundamenta na religião. Estados e leis são apenas fenômenos da religião nas condições da efetividade".
Com a Paz de Westfalia, arremata Hegel, a independencia da Igreja protestante foi reconhecida, para vergonha da Igreja Católica. Mas a mesma Paz de Westfalia fragmentou a Alemanha, definindo o mais perfeito particularismo e determinação, segundo o direito privado, de todas as relações. "É a anarquia constituída, como nunca antes tinha sido vista no mundo". (43) Importa sublinhar, agora, uma coincidência importante entre as teses hegelianas e as de Carl Schmitt.
Primeiro, no
relativo a um aspecto da crítica Schmittiana ao romantismo, cuja intersecção
com os argumentos hegelianos é patente. O romantismo, para ambos, é o campo da
subjetividade sem freios do mundo objetivo e do Ideal que pode reconciliar as
contradições, sobre as do Ego e do campo social e político. A segunda
coincidência, se pudermos usar a expressão, vem no mesmo tom de crítica ao
romantismo e ao seu elogio da sensibilidade.
Segundo Hegel, a mulher, ser sensível por excelência, é inepta e inapta para a política. Vejamos a tese passo a passo. (44) Dos dois sexos, diz ele, "um é o elemento espiritual que divide a si mesmo em independência pessoal para si, em saber e querer (Wissen und Wollen) da livre universalidade, a consciência de si do pensamento conceptualizador e o querer do alvo final objetivo. O outro sexo é o elemento espiritual que se mantem na unidade como saber e querer do substancial, mas sob a forma da individualidade concreta e do sentimento (Empfindungung). Em relação ao exterior o primeiro é poderoso e ativo (Mächtige und Betätigende). O segundo é passivo e subjetivo. É por tal motivo que o homem tem sua vida substancial efetiva no Estado, na ciência e coisas similares, logo, na luta e no trabalho (Kampfe und der Arbeit) que o colocam em choque com o mundo externo e consigo mesmo (mit der Aussenwelt und mit sich selbst). É apenas ao preço de uma tal separação (Entzweiung) e por seu combate (Kampf) que ele pode conquistar a unidade verdadeira consigo mesmo. Na família, ao contrário, ele tem o sentimento tranqüilo desta unidade com a vida ética subjetiva, sob a forma do sentimento. Na família a mulher encontra seu destino (Bestimmung) substancial, sendo a piedade que para ela constitui a convicção (Gesinnung) da vida ética".
Segundo Hegel, a mulher, ser sensível por excelência, é inepta e inapta para a política. Vejamos a tese passo a passo. (44) Dos dois sexos, diz ele, "um é o elemento espiritual que divide a si mesmo em independência pessoal para si, em saber e querer (Wissen und Wollen) da livre universalidade, a consciência de si do pensamento conceptualizador e o querer do alvo final objetivo. O outro sexo é o elemento espiritual que se mantem na unidade como saber e querer do substancial, mas sob a forma da individualidade concreta e do sentimento (Empfindungung). Em relação ao exterior o primeiro é poderoso e ativo (Mächtige und Betätigende). O segundo é passivo e subjetivo. É por tal motivo que o homem tem sua vida substancial efetiva no Estado, na ciência e coisas similares, logo, na luta e no trabalho (Kampfe und der Arbeit) que o colocam em choque com o mundo externo e consigo mesmo (mit der Aussenwelt und mit sich selbst). É apenas ao preço de uma tal separação (Entzweiung) e por seu combate (Kampf) que ele pode conquistar a unidade verdadeira consigo mesmo. Na família, ao contrário, ele tem o sentimento tranqüilo desta unidade com a vida ética subjetiva, sob a forma do sentimento. Na família a mulher encontra seu destino (Bestimmung) substancial, sendo a piedade que para ela constitui a convicção (Gesinnung) da vida ética".
Hegel
fornece, aqui, uma interpretação já dada por ele na Fenomenologia do Espírito.
Em sua exegese, a figura feminina surge em Antígona (Sófocles)
que, no seu entender, é a "piedade apresentada na forma a mais sublime, a
lei da mulher, a lei da substancialidade subjetiva sensível, da interioridade
que ainda não (noch nicht) chegou à
sua completa efetivação, a lei dos antigos deuses, dos seres subterrâneos, a
lei eterna da qual ninguém sabe de onde veio e que é exposta (dargestellt)
em oposição à lei revelada a todos, a lei do Estado. Esta oposição (Gegensatz)
ética suprema, que, por conseguinte, é a oposição trágica no mais alto grau, a
que se individualiza na oposição entre virilidade e feminilidade. Cf. Fenomenologia
do Espírito (trad. Hyppolite, T. II, página 15 e seguintes)."(45)
Duas forças,
a do sentimento, subjetiva, e a do entendimento somado à razão. A primeira tem
como apanágio o feminino e a segunda, o masculino. A tragédia Antígona é
consequente, porque nenhum daquelas duas forças cede à outra. Mas fica bem
claro que a política é o elemento masculino e público, aberto, a luz contra as
trevas do sentimento. Se é verdade que em Hegel a síntese das antíteses acima é
o caminho da razão ("Sentido", diz ele, "é esta palavra
maravilhosa que reúne o sensível e o pensamento"), também é verdade que no
seu sistema político a mulher ocupa o lugar da casa, do intimo, do não público.
A mulher é destinada, essencialmente, ao casamento, e o homem tem, "fora
da família, outros domínios onde pode exercer sua atividade ética" (Filosofia
do Direito, §164, acréscimo).
E chegamos à
divisão entre mulher e homem, no plano mais profundo da estrutura espiritual e
política. Esta última atividade, definitivamente, não cabe à mulher. Vejamos a
Adição ao § 166 : "Mulheres podem muito bem ser cultas, mas não feitas
para as ciências superiores, nem para a filosofia ou para certas formas de
arte, que exigem um universal. Mulheres podem ter inspiração (Einfälle),
gosto, elegância, mas não tem o Ideal (Ideal).
A diferença (Unterschied) entre homem e mulher é a que existe entre
animal e planta. O animal (Tier)
corresponde ao caráter masculino, a planta ao da mulher. Pois a mulher tem mais
um desdobramento tranqüilo, cujo princípio é a unidade indeterminada da
sensibilidade. Se as mulheres estiverem no topo do governo (Regierung),
o Estado (Staat) corre perigo, pois elas não agem segundo as exigências
do universal, mas sob a inclinação de opiniões contingentes. A educação (Bildung,
também formação) se faz não sabemos como (man weiss nicht wie) por
impregnação da atmosfera que difunde a representação (Vorstellung), ou
seja, pelas cirscunstâncias da vida e não por aquisição de conhecimentos (Kentnissen).
O homem se impõe pela conquista de seu pensamento e por numerosos esforços de
ordem técnica".
O pano de
fundo, a crítica ao romantismo que exalta a mulher e o feminino, é comum entre
Schmitt e Hegel. Mas vejamos, antes a idéia de Hegel sobre um elemento
"feminino" por excelência, a opinião pública. Mostrarei que a depreciação
deste elemento segue pari passu em Hegel o desprezo pela soberania popular.
Antes, alguns considerandos estratégicos.
"Povo",
como crise e política, é um conjunto tenso e polissêmico de relações,
interesses, vontades, saberes e projetos. Ele não se resume a uma das facetas
sociais, como foi o caso do Terceiro Estado burguês ou do proletariado
socialista. O povo constitui muitos públicos com interesses contrários,
contraditórios, convergentes. Faz-se mister falar de "publicos de
cidadãos, que se constituem para politizar um problema específico e que se
desagregam para renascer em outras cenas e de modo diferente, sobre um mesmo
problema. Há, pois, descontinuidade dos públicos e heterogeneidade de sua
composição sociológica e política, segundo os diferentes problemas que eles
politizam".
O que nos leva ao ponto crucial, a partir dessa heterogeneidade dos públicos. A própria definição do espaço público não pode "se reduzir à definição da publicidade, ao simples jogo da liberdade de expressão. Esta liberdade, com certeza, é o elemento preliminar do espaço democrático, mas não é o seu horizonte.". Existem e existiram autores para os quais a "opinião pública" é apenas um fantasma. Entre eles, W. Lippman (46) Este caráter fantasmagórico viria, segundo ele, do seguinte fato: a opinião dos cidadãos jamais atinge o estatuto de um verdadeiro juízo político, pois ela apenas manifesta um ponto de vista privado e limitado sobre a realidade social e política. Assim, diz o autor, a democracia não tem como alvo garantir um espaço em que se desenvolve a opinião pública. Tal opinião, ao contrário, é obstáculo a ser vencido. Assim, é preciso controlar a opinião por meio de procedimentos governamentais que fabriquem o consentimento dos cidadãos: "a fabricação dos consentimentos será o objeto de refinamentos substanciais (...) graças aos meios de comunicação de massa", diz o mesmo Lippmann em outro livro, agora o famoso Public opinion. (47)
O que nos leva ao ponto crucial, a partir dessa heterogeneidade dos públicos. A própria definição do espaço público não pode "se reduzir à definição da publicidade, ao simples jogo da liberdade de expressão. Esta liberdade, com certeza, é o elemento preliminar do espaço democrático, mas não é o seu horizonte.". Existem e existiram autores para os quais a "opinião pública" é apenas um fantasma. Entre eles, W. Lippman (46) Este caráter fantasmagórico viria, segundo ele, do seguinte fato: a opinião dos cidadãos jamais atinge o estatuto de um verdadeiro juízo político, pois ela apenas manifesta um ponto de vista privado e limitado sobre a realidade social e política. Assim, diz o autor, a democracia não tem como alvo garantir um espaço em que se desenvolve a opinião pública. Tal opinião, ao contrário, é obstáculo a ser vencido. Assim, é preciso controlar a opinião por meio de procedimentos governamentais que fabriquem o consentimento dos cidadãos: "a fabricação dos consentimentos será o objeto de refinamentos substanciais (...) graças aos meios de comunicação de massa", diz o mesmo Lippmann em outro livro, agora o famoso Public opinion. (47)
A essa clara
suspeita, hoje ainda mais dirigida contra o sistema democrático, indicado por
vários escritores, se acrescenta um ódio contra a opinião pública. Tal
idiossincrasia, diríamos, é velha como o Ocidente. Em Platão ela foi
sistematizada na tese de que a competência científica ou técnica é tarefa que
não pode, nem deve, ser obra de discussão, debate, opiniões. No pensamento
platônico, a epistême deve ser distinta, absolutamente, da mera doxa. Tal
ideário é encontrado ao longo da história e tem como ápice o pensamento
autoritário do século 19 e do século 20. Basta recordarmos o refrão perene de
Carl Schmitt e de seus discípulos atuais, de esquerda ou direita, contra a
democracia parlamentar, na qual muito se debateria e pouco se decidiria (48).
E também é
suficiente citar as idéias do jurista autoritário sobre o controle da opinião
pública e a fábrica de legitimade a ser conseguida para o poder. Citando
Schmitt: "Atrás da fórmula do Estado total se esconde este conhecimento
exato: o Estado atual possui novos meios de potência e possibilidades de uma
intensidade extraordinária, do quais pressentimos dificilmente a amplitude e os
efeitos últimso, porque nosso vocabulário e nossa imaginação ainda se enraizam
no século 19". Assumindo o Estado na era da técnica (o enunciado é de J.F.
Kervégan) o jurista afirma que no seu mister de formar a opinião pública, a
imprensa estaria prestes a ser destronada pelo audio-visual (rádio e cinema),
percebidos como técnicas de influenciar massas. A midia não seria um espaço de
liberdade de expressão, mas de ameaça ao Estado, concorrente na sua tarefa de moldar
o pensamento coletivo. Assim, pensa Schmitt, o Estado efetivo deve responder à
ameaça por um controle, direto ou indireto) daquelas técnicas, interpretadas
como instrumentos de propaganda. "Não existe ainda", acrescenta
Schmitt, "um Estado tão liberal que não tenha reivindicado em seu proveito
pelo menos uma censura intensiva e um controle sobre filmes e imagens, e sobre
o rádio. Nenhum Estado pode permitir deixar a um adversário estes novos meios
técnicos de dominação das massas, sugestão das massas e formação da opinião
pública". Estado total, no sentido dado por Schmitt, será o que tem o
controle dos meios de comunicação. Assim, "os novos meios técnicos
pertencem exclusivamente ao Estado e servem para o aumento de sua
potência". O Estado total, acrescenta o autor, "não deixa surgir em
seu interior forças inimigas que o obstruem ou o desagregam. Ele não pensa
deixar que seus inimigos disponham de meios técnicos, deixando também sapar sua
potência por um slogan qualquer como Estado de direito, liberalismo ou um nome
outro. Ele sabe distinguir entre amigo e inimigo. Neste sentido ele é, como se
diz, um Estado total. Sempre foi assim e a novidade reside apenas nos meios
técnicos, cuja importância política deve ser levada em conta". (49)
Schmitt tem
alguns mestres na arte ditatorial. Um deles é Donoso Cortés. No Discurso sobre
la dictadura (1849), diz o espanhol que mais desce o nível da fé em Deus na
sociedade, e mais o poder precisa emprestar a onisciência divina, além da
onipotência. Chega um dia em que o governo diz: “temos um milhão de braços, mas
não bastam. Precisamos mais, precisamos de um milhão de olhos. E tiveram a
polícia e com ela um milhão de olhos. Apesar disto (...) o termômetro político
e a repressão política deviam subir, porque, apesar de tudo, o termômetro
religioso baixava, e subiram. Não bastou aos governos um milhão de braços, não
lhes bastou um milhão de olhos. Eles quiseram um milhão de ouvidos, e os
tiveram com a centralização administrativa, pela qual vieram parar no governo
todas as reclamações e todas as queixas. (...). Mas os governos disseram: não
me bastam, para reprimir, um milhão de braços; não me bastam, para reprimir, um
milhão de olhos; não me bastam, para reprimir, um milhão de ouvidos; precisamos
mais, precisamos ter o privilégio de nos encontrar ao mesmo tempo em todas as
partes. E tiveram isto, pois se inventou o telégrafo”. (50) Chegamos hoje à
internet, aos meios eletrônicos de busca e controle, além da espionagem dos
próprios cidadãos, com uma eficácia que recorda os procedimentos descritos na
imaginação que gerou o romance 1984. A razão de estado impulsiona a perda quase
absoluta do espaço individual pela ações comandadas (seja em clima de guerra a
países, seja na luta contra o terrorismo) pelos governos poderosos, em detrimento
das liberdades e dos direitos humanos.
Tomemos Hegel nas Lições sobre a Filosofia do Direito (§ 317 e seguintes). A opinião pública se efetiva na forma primitiva do bom senso, ao qual não podemos aplicar o selo da racionalidade. Nele existem todos os preconceitos (Vorurteilen). Na opinião pública, ao lado de raciocínios com base em fatos reais, assistimos a contingência da opinião, falta de conhecimento científico ou conhecimento falso, um modo de enxergar as coisas ao contrário, juízos errôneos e inapeláveis. Assim, seriam verdadeiras simultâneamente, diz Hegel, a frase "Vox populi, vox dei" e o enunciado de Ariosto : "Que o vulgo ignorante a todo mundo repreenda, e mais fale do que menos entenda" (Orlando Furioso, canto 28, estrofe 1). Erro e verdade moldariam a opinião pública.
Tomemos Hegel nas Lições sobre a Filosofia do Direito (§ 317 e seguintes). A opinião pública se efetiva na forma primitiva do bom senso, ao qual não podemos aplicar o selo da racionalidade. Nele existem todos os preconceitos (Vorurteilen). Na opinião pública, ao lado de raciocínios com base em fatos reais, assistimos a contingência da opinião, falta de conhecimento científico ou conhecimento falso, um modo de enxergar as coisas ao contrário, juízos errôneos e inapeláveis. Assim, seriam verdadeiras simultâneamente, diz Hegel, a frase "Vox populi, vox dei" e o enunciado de Ariosto : "Que o vulgo ignorante a todo mundo repreenda, e mais fale do que menos entenda" (Orlando Furioso, canto 28, estrofe 1). Erro e verdade moldariam a opinião pública.
Logo,
escreve Hegel, ela "merece ser ao mesmo tempo apreciada (geachtet) e
desprezada (verachtet). A independência diante dela é condição para que se faça
algo importante, universal, tanto na ação quanto na ciência. E segue-se o nosso
problema: a liberdade de comunicação pública (na imprensa e nos discursos, os
dois meios conhecidos no século 19) tem sua garantia, diz Hegel, em leis e
ordenamentos que tanto antecipam quanto punem os excessos. Mas a sua principal
garantia é o fato de que ela é inócua, desde que fundamentada numa constituição
sábia e num governo estável e na publicidade das Assembléias de representantes.
Hegel ataca a tese de que a liberdade de imprensa é permissão para publicar o
que se deseja. Para ele, esta reivindicação é própria de um pensamento
grosseiro e inculto, mera superficialidade.
O objeto da
imprensa, ataca Hegel com a maior dureza, é constituído do mais passageiro,
mais particular, mais contingente na opinião, a infinita diversidade de conteúdos
e modos de expressão. É a arte de caluniar por meias palavras e insinuações, o
que dá à imprensa seu caráter indeterminado de conteúdo e forma e impede as
leis de cumprir seu papel punitivo, visto o caráter altamente subjetivo dos
personagens em jogo, em especial o jornalista. Este último pratica, não raro,
"ofensas à honra dos indivíduos, a calúnia, a difamação, a falta de
consideração para com o governo, autoridades, e particularmente para com o
príncipe, desvia as leis e incita o povo à revolta".
A opinião
pública, movida pela imprensa, é ao mesmo tempo falsa e verdadeira, já as
ciências "quando são de fato ciências, não se situam no terreno das
opiniões e formas subjetivas. Seu modo de exposição não consiste na arte dos
torneados, das alusões, das meia palavras, dos subentendidos, mas numa
expressão sem equívocos, precisa, sincera do significado e do conteúdo. É por
tal motivo que elas não entram na categoria da opinião pública. (51)
O mesmo
juízo negativo é dado por Hegel sobre a soberania popular. No § 279, no adendo
que o segue, o filósofo discorre sobre a soberania do povo. Esta expressão, diz
ele, pode ser empregada corretamente se com ela entendermos que um povo é
independente e constitui um Estado. Mas a soberania pertence apenas ao Estado. "É
opondo à soberania que existe no monarca que se colocou a falar, em data
recente, da soberania popular. Vista nesta oposição, a soberania do povo
integra os pensamentos confusos que têm por base uma representação grosseira do
povo. Sem o seu monarca e sem o organismo que a ele se apega necessária e
imediatamente, o povo é massa informe (formlose Masse) que não é mais um Estado
(...) se a república for entendida como soberania popular e, de modo mais
preciso, a democracia (...) não temos mais lugar para esta representação".
E Hegel remete ao § 273, onde ele critica a república e exalta a monarquia
constitucional.
Antes dessa observação negativa sobre a soberania popular, Hegel apresenta a sua idéia dos poderes e do seu nexo no interior do Estado. Ele ataca o desconhecimento do Estado pelos que repetem, de maneira irrefletida, a tese de Montesquieu sobre os três poderes. De fato, anui Hegel, "o princípio da separação dos poderes (Teilung der Gewalten) contem o elemento essencial da diferença, da real racionalidade (der realen Vernünftigkeit) ". Mas o entendimento abstrato (abstrakte Verstand) (52) entende aquela divisão como absoluta autonomia dos poderes (der absoluten Selbständigkeit der Gewalten) uns em relação aos demais e como limitação negativa recíproca. O medo de um poder diante de outro exigiria que o Estado fosse definido como balança, na qual funcionam os poderes como contrapesos (Gegengewichte) que fabricam um peso igual universal (Gleichgewicht), mas nunca uma unidade viva (eine lebendige Eiheit). (53) O Estado repõe o silogismo da Razão no qual a Idéia (Idee) e seus conceitos concretos se determinam abstratamente como momentos do universal, do particular, do singular. Mas o todo é o concreto.
Hegel define o Estado como "organismo, isto é, desenvolvimento da Idéia segundo o processo de diferenciação de seus diversos momentos". Com a Revolução Francesa o social se fragmentou porque foi absolutizado o princípio civil e político da igualdade. Para salvar o lado orgânico estatal ele retoma a velha fábula do estomago e dos membros :"o organismo é composto de tal natureza que se todas as partes não concordarem na identidade, se uma só delas torna-se independente das outras, ocorre a ruína do Todo". Assim, "é preciso venerar o Estado como um ser divino-terrestre". Como todo corpo, o ser estatal possuiria certa "irritabilidade" interior, marca do governo civil. O exterior dessa iirtação volta-se contra os demais corpos reunidos em Estado, é "o poder militar". Na Filosofia do Direito encontram-se enunciados cujo fruto é negar a igualdade e a liberdade dos indivíduos. Quem fala em igualdade ou liberdade, sem o Todo, assume o "ponto de vista da populaça".
Antes dessa observação negativa sobre a soberania popular, Hegel apresenta a sua idéia dos poderes e do seu nexo no interior do Estado. Ele ataca o desconhecimento do Estado pelos que repetem, de maneira irrefletida, a tese de Montesquieu sobre os três poderes. De fato, anui Hegel, "o princípio da separação dos poderes (Teilung der Gewalten) contem o elemento essencial da diferença, da real racionalidade (der realen Vernünftigkeit) ". Mas o entendimento abstrato (abstrakte Verstand) (52) entende aquela divisão como absoluta autonomia dos poderes (der absoluten Selbständigkeit der Gewalten) uns em relação aos demais e como limitação negativa recíproca. O medo de um poder diante de outro exigiria que o Estado fosse definido como balança, na qual funcionam os poderes como contrapesos (Gegengewichte) que fabricam um peso igual universal (Gleichgewicht), mas nunca uma unidade viva (eine lebendige Eiheit). (53) O Estado repõe o silogismo da Razão no qual a Idéia (Idee) e seus conceitos concretos se determinam abstratamente como momentos do universal, do particular, do singular. Mas o todo é o concreto.
Hegel define o Estado como "organismo, isto é, desenvolvimento da Idéia segundo o processo de diferenciação de seus diversos momentos". Com a Revolução Francesa o social se fragmentou porque foi absolutizado o princípio civil e político da igualdade. Para salvar o lado orgânico estatal ele retoma a velha fábula do estomago e dos membros :"o organismo é composto de tal natureza que se todas as partes não concordarem na identidade, se uma só delas torna-se independente das outras, ocorre a ruína do Todo". Assim, "é preciso venerar o Estado como um ser divino-terrestre". Como todo corpo, o ser estatal possuiria certa "irritabilidade" interior, marca do governo civil. O exterior dessa iirtação volta-se contra os demais corpos reunidos em Estado, é "o poder militar". Na Filosofia do Direito encontram-se enunciados cujo fruto é negar a igualdade e a liberdade dos indivíduos. Quem fala em igualdade ou liberdade, sem o Todo, assume o "ponto de vista da populaça".
O Estado é
pensado, pois, como "desenvolvimento da Idéia segundo o processo de
diferenciação de seus diversos momentos". Esta tese indica que o racional
difere do intelectual, justamente porque no primeiro existem momentos que são
sintetizados num Todo. O Estado é fruto de uma miríades de ações, cujo
resultado é uma Ação coletiva. Esta ação (Tat)
é uma unidade essencial, a "unidade do distinto, o concreto". Esta é
a trilha do desenvolvimento (Gang der
Entwicklung) da Idéia "a qual consiste em ter o mesmo e o outro, e que
ambos sejam uma só coisa, que é a terceira, na medida em que um é no outro
consigo mesmo e não fora de si (nicht
ausserhalb seiner). A Idéia é concreta quanto ao seu conteúdo, tanto em si
(...) quanto para si".
A Idéia é
essencialmente concreta, pois ela consiste na "unidade de distintas
determinações (die Einheit von
unterschiedenen Bestimmungen). É nisto que o conhecimento racional se
distingue do conhecimento puramente intelectivo e a tarefa da filosofia, à
diferença do Entendimento (Verstand),
consiste em demonstrar que a verdadem a Idéia, não pode ser cifrada em meras
generalidades , mas em algo geral que é, por sua vez, particular, determinado.
Quando a verdade é abstrata, não é verdade". Para ilustrar o conceito de
concreto Hegel usa o exemplo orgânico por excelência, o do vegetal.
"Embora a flor tenha muitas qualidades como o cheiro, o sabor, o colorido,
a forma, ela constitui uma unidade: nesta pétala, deste flor, não pode faltar
nenhuma de suas qualidades próprias (Eigenschaften)
e cada uma das partes da pétala reúne todas as qualidades próprias da pétala ao
mesmo tempo. O mesmo ocorre com o ouro, o qual encerra em todos e em cada um de
seus pontos, inseparadas e indivísas (ungettrent und ungeteilt) todas as
qualidades próprias daquele metal". (54)
Segundo um
comentador de Hegel, o termo "concreto" exige as noções complementares
de crescimento e desenvolvimento. O concreto não é unidade estática mas ele se
desdobra, sendo essencialmente vivo. Os exemplos fornecidos pelo filósofo com
maior regularidade são os do organismo natural, como é o caso do crescimento de
uma planta ou árvore. Ele descreve aqueles desdobramentos com os conceitos
aristotélicos de dunamiß e de energeia. "O que se desenvolve procede de um
estágio germinal (Keim) no qual toda
planta, na sua diversidade de determinações, encontra-se compreendida no estado
latente, ainda informe e indiferenciado, de simples disposição. Mas o germe é
como tal ´tendência a se desenvolver´, desdobrar toda sua riqueza interna, se
exteriorizar e, assim, se exibir numa série de momentos diferentes que se
sucedem, o que implica ao mesmo em alteração —a planta no seu desenvolvimento,
passa por toda uma série de estados diferentes, do germe ao fruto— e
identidade, pois todo este desenvolvimento na verdade estava compreendido no
germe, envolvido em sua simplicidade inicial. Logo, ela muda, se transforma e
permanece, no entanto, a mesma; o fruto é uma outra coisa do que o germe, mas
ele é ao mesmo tempo aquilo no qual o germe encontra seu fim, o alvo de todo
desenvolvimento que se iniciou com ele". Mas, de acordo com o próprio
Hegel, todas estas são apenas imagens, analogias e uma tarefa mais complexa
deve ser encetada quando se fala do fazer e do saber humanos, no chamado mundo
do Espírito. (55)
No Estado (56) a Idéia manifesta os momentos da universalidade, da particularidade, da singularidade, todas num silogismo que determina uma figura orgânica espiritual. A populaça, que radicaliza os procedimentos do intelecto abstrato, pensa em termos de separação, ou independência dos momentos, e dos poderes, o que levaria, se o populacho fosse obedecido, "à ruina do Estado" (Zertrümmerung des Staats). O mesmo termo é usado por Hegel quando fala da consciência fanática em religião e política, que não se decide por uma atividade efetiva, e se acantona no plano subjetivo da vontade absoluta, aferrada à forma da opinião e do arbítrio (dein Meinen und dem Belieben der Willkür entschieden wird). "Em oposição à esta verdade que se envolve na subjetividade do sentimento e da representação (Vorstellung), o verdadeiro é constituído por este passo enorme [excessivo, ou monstruoso, ungeheure], que se faz ao passar do interior ao externo, da imaginação da Razão para a realidade (Realität) pela qual trabalhou toda a história mundial, trabalho pelo qual a humanidade civilizada ganhou a efetividade (Wirklichkeit) e a consciência da existência (Dasein) racional, das instituições políticas, das leis. Dos que procuram o Senhor e que, em sua opinião inculta (ungebildeten Meinung) se persuadem de tudo deter imediatamente, em lugar de se impor o trabalho de elevar sua subjetividade ao conhecimento da verdade, ao saber do direito objetivo e do dever, deles podemos esperar apenas a destruição de todas as relações éticas, tolice e abominação (nur Zertrümmerung aller sittlichen Verhältnisse, Albernheit und Abscheulichkeit ausgehen)". (§ 270, Nota).
No Estado (56) a Idéia manifesta os momentos da universalidade, da particularidade, da singularidade, todas num silogismo que determina uma figura orgânica espiritual. A populaça, que radicaliza os procedimentos do intelecto abstrato, pensa em termos de separação, ou independência dos momentos, e dos poderes, o que levaria, se o populacho fosse obedecido, "à ruina do Estado" (Zertrümmerung des Staats). O mesmo termo é usado por Hegel quando fala da consciência fanática em religião e política, que não se decide por uma atividade efetiva, e se acantona no plano subjetivo da vontade absoluta, aferrada à forma da opinião e do arbítrio (dein Meinen und dem Belieben der Willkür entschieden wird). "Em oposição à esta verdade que se envolve na subjetividade do sentimento e da representação (Vorstellung), o verdadeiro é constituído por este passo enorme [excessivo, ou monstruoso, ungeheure], que se faz ao passar do interior ao externo, da imaginação da Razão para a realidade (Realität) pela qual trabalhou toda a história mundial, trabalho pelo qual a humanidade civilizada ganhou a efetividade (Wirklichkeit) e a consciência da existência (Dasein) racional, das instituições políticas, das leis. Dos que procuram o Senhor e que, em sua opinião inculta (ungebildeten Meinung) se persuadem de tudo deter imediatamente, em lugar de se impor o trabalho de elevar sua subjetividade ao conhecimento da verdade, ao saber do direito objetivo e do dever, deles podemos esperar apenas a destruição de todas as relações éticas, tolice e abominação (nur Zertrümmerung aller sittlichen Verhältnisse, Albernheit und Abscheulichkeit ausgehen)". (§ 270, Nota).
A separação
dos poderes, portanto, é tarefa do intelecto ou da imaginação subjetiva, não do
pensamento racional. Quando a tarefa de dividir e separar do intelecto entra em
cena, sem correções da razão, o Estado tende a se desagregar, passando à ruina.
"O primeiro princípio do Estado em geral, qualquer que ele seja, é que não
haja nenhuma Razão acima dele, nenhuma consciência moral ou sentido do direito
superior aos que o próprio Estado reconhece. Um Estado verdadeiro não pode tolerar
em seu interior, por exemplo, pessoas como os quakers, os anabatistas, etc.,
que desconhecem e recusam determinados direitos do Estado, como a defesa da
terra natal. Este liberdade miserável de pensar e crer o que cada um julgue
melhor, não pode ser admitida". (57)
Quem deseje
forçar um povo à escolha de certa constituição fabricada intelectualmente por
indivíduos, sejam eles intelectuais ou poderosos, fracassa necessáriamente.
Cada povo tem a constituição ao que seu estágio de desenvolvimento atende.
Impor constituições artificiais, por melhores e com maior carga de
racionalidade que elas apresentem, é tarefa sem frutos. É o que se pode ler no
§ 274 e notas da Filosofia do Direito. "Como o Espírito (Geist) só é como efetivo (wirklich) quando conhece a si mesmo (er sich weiss) e o Estado, como Espirito
de um povo, ao mesmo tempo é a lei que penetra todas as situações da vida deste
povo, os costumes (die Sitte) e a
consciência (Bewusstsein) de seus
indivíduos (Individuen), a
constituição de um povo determinado depende absolutamente da natureza ou grau
de cultura da auto-consciência deste povo. É nesta consciência que reside a
liberdade subjetiva desse povo e, portanto, a efetividade (Wirklichkeit) da Constituição. ". Hegel segue o dito de
Montesquieu : "le gouvernement le plus conforme à la nature est celui dont
la disposition particulière se rapporte le mieux à la disposition du peuple
pour lequel il est établi" (Espírito das Leis, I, 3). (58)
Segundo
Hegel, o Estado se divide nas seguintes diferenças substanciais: um poder de
determinar o universal (legislativo), a subsunção das esferas particulares e os
casos singulares sob o universal, o poder de governo, a subjetividade como
poder último de decisão, o poder do príncipe. Notemos bem a fórmula do último
poder: a ele cabe a livre decisão volitiva (Willensentscheidung).
(§ 273). Cabe ao príncipe reunir os diferentes poderes numa unidade individual.
Logo, este poder é a ponta mais elevada (Spitze)
e ao mesmo tempo o começo de tudo, ou seja, é a monarquia constitucional.
Quem deve
fazer a Constituição? Pergunta errada, segundo Hegel. "Ela supõe que não
existe nenhuma constituição, mas apenas certa massa atômica de indivíduos (ein blosser atomischer Haufen von individuen)".
(59) Como a massa poderia chegar a ter uma constituição, seja por ela mesma, ou
por uma ajuda externa "seja ela trazida pela bondade, pela força (Gewalt) ou pensamento (Gedanken) ? É a esta massa que seria
preciso, nesta hipótese, deixar o cuidado de resolver tal dificuldade, pois o
conceito (Begriff) nada tem a ver com
a massa". Fica bem clara a recusa de Hegel do campo mecânico como
paradigma da Constituição. Assim como ele recusa a doutrina de Rousseau e de
Fichte sobre o contrato (60) também ele a recusa no caso da Constituição. A
massa, por outro lado, como a mulher, é alheia ao Conceito. Logo, não tem
sentido apelar para ela para determinar o fundamento do Estado, a sua
Constituição. Logo, desaparece a tese de uma soberania popular, como vimos
acima.
O Estado em
si e para si, afiança Hegel, é o Todo ético (das sittliche Ganze), a afetivação da liberdade. "É um fim
absoluto da Razão tornar a liberdade efetiva. O Estado é o Espírito presente no
mundo e que se realiza (realisiert)
conscientemente em si, enquanto na natureza ele só se efetiva (verwirklicht) como o outro de si mesmo,
como Espírito adormecido (als schlafender
Geist). Apenas na medida em que se apresenta na consciência e conhece a si
mesmo como objeto (Gegenstand), o
Espírito é o Estado. Quando se trata da liberdade, não se deve partir do
indivíduo, da auto-consciência individual, mas apenas da essência (Wesen) da
auto-consciência, porque, saiba o homem ou não, esta essência se realiza
(realisiert) por sua própria força e os indivíduos são apenas momentos de sua
realização". Interessa notar que, aqui, Hegel emprega dois conceitos de
origem mecânica, o conceito de força e de momento. ( 61) Como enuncia um
comentador, em Hegel a palavra "momento" é extraída da mecânica
(Conforme pode ser visto na Ciência da Lógica). Ele o emprega
para designar as forças opostas que sao mutuamente dependentes e cuja
contradição forma uma equação. Assim a fórmula Esse=Nada. Aqui, Esse e Nada são momentos que dão nascimento ao Werden, a existência. (62) Importa notar
que tais conceitos de mecânica, pela mediação do pensamento germânico anterior,
em especial de Leibniz, retoma Aristóteles numa formulação imagética ao mesmo tempo
mecânica e orgânica. (63)
Os
indivíduos são momentos do Todo ético, eles se chocam e se contrapõem, mas o
Estado é o seu telos, o seu fim objetivo. Os momentos sem o Todo perdem todo
sentido. Voltemos ao texto da Filosofia do Direito: os indivíduos
são momentos na realização do Estado. Este último manifesta o poder divino:
"é a marcha de Deus no mundo que faz o Estado existir (es ist der Gang Gottes in der Welt, dass der
Staat ist)". O fundamento do Estado é a força da razão que se torna
efetiva como vontade. É muito possível, como o fazem Friedrich Meinecke e Franz
Rosensweig atribuir a razão de Estado a Hegel. Alguns senões, no entanto,
deveriam ser levados em conta. Eu os considero na Introdução que escrevi para a
tradução brasileira de Hegel e o Estado, e também em outros escritos que
publiquei sobre o filósofo. (64) É possível criticar o Estado, mas não se deve
ter, para a Idéia do Estado "ter diante dos olhos Estados particulares,
nem instituições particulares, deve-se observar a Idéia, este Deus operativo
para si" (die Idee, diesen
wirklichen Gott, für sich betrachten)".
O poder do príncipe, diz o filósofo no § 275, reúne os três momentos (Momente, recordar o matiz mecânico da noção) da totalidade em si (Totalität, note-se o termo latinizado, que poderia ser Ganzheit, mas que Hegel usa para determinar o aspecto total do poder principesco. (65) Ele reúne a universalidade da Constituição e das leis; a deliberação (Beratung) que relaciona o caso particular ao universal; o momento (Moment) da suprema decisão (letzten Entscheidung, Hegel sublinha o último termo, Entscheidung) para a qual retorna todo o resto e da qual ele (o resto) retira o começo de sua realidade (Wirklichkeit). Nesta auto-determinação absoluta reside o princípio que distingue o poder do príncipe enquanto tal. É pela exposição desse princípio que devemos começar. Vejamos a adição ao § 275: "o poder do príncipe é o momento da singularidade porque ele contem os três momentos(Momente) do Estado como totalidade (Totalität). O eu é ao mesmo tempo o que há de mais singular e o que há de mais universal. Na natureza, à primeira vista, um singular. Mas a realidade (Realität), a não idealidade (nicht Idealität) e a exterioridade recíproca não consistem em ser junto-de-si-mesmo (Beisichseiende) e as diferentes singularidades subsistem uma ao lado da outra. No Espírito, ao contrário, tudo o que é diferente só existe como algo ideal (Ideeles) e como unidade. Enquanto tal o Estado é o desdobramento de todos os seus momentos, mas a singularidade é ao mesmo tempo a alma e o princípio da vida, a soberania (Souveranität) que contem em si todas as diferenças".
O poder do príncipe, diz o filósofo no § 275, reúne os três momentos (Momente, recordar o matiz mecânico da noção) da totalidade em si (Totalität, note-se o termo latinizado, que poderia ser Ganzheit, mas que Hegel usa para determinar o aspecto total do poder principesco. (65) Ele reúne a universalidade da Constituição e das leis; a deliberação (Beratung) que relaciona o caso particular ao universal; o momento (Moment) da suprema decisão (letzten Entscheidung, Hegel sublinha o último termo, Entscheidung) para a qual retorna todo o resto e da qual ele (o resto) retira o começo de sua realidade (Wirklichkeit). Nesta auto-determinação absoluta reside o princípio que distingue o poder do príncipe enquanto tal. É pela exposição desse princípio que devemos começar. Vejamos a adição ao § 275: "o poder do príncipe é o momento da singularidade porque ele contem os três momentos(Momente) do Estado como totalidade (Totalität). O eu é ao mesmo tempo o que há de mais singular e o que há de mais universal. Na natureza, à primeira vista, um singular. Mas a realidade (Realität), a não idealidade (nicht Idealität) e a exterioridade recíproca não consistem em ser junto-de-si-mesmo (Beisichseiende) e as diferentes singularidades subsistem uma ao lado da outra. No Espírito, ao contrário, tudo o que é diferente só existe como algo ideal (Ideeles) e como unidade. Enquanto tal o Estado é o desdobramento de todos os seus momentos, mas a singularidade é ao mesmo tempo a alma e o princípio da vida, a soberania (Souveranität) que contem em si todas as diferenças".
Assim, o
principe é a instância singular decisória, que por decidir em nome de todo o
organismo estatal é a alma daquele mesmo corpo, é soberana. No feudalismo, o
todo era apenas um agregado de partes. No idealismo do Estado, que constitui a
soberania, dá-se "a mesma determinação da que faz com que, num organismo
vivo, as chamadas partes não sejam partes, mas membros, momentos orgânicos cuja
separação e isolamento em relação ao todo constituem a doença" (Hegel
mesmo cita a Enciclopédia das ciências filosóficas, § 293 e § 371).
Vejamos o
papel das individualidades no movimento estatal, ainda na nota do § 278.
"Na paz, as esferas e os assuntos particulares prosseguem seus alvos e
empresas, mas é tanto a necessidade inconsciente da coisa que transforma seu
egoismo num contributo à ao fim de todos (des
Ganzes) e ao dos outros, quanto a ação direta da autoridade superior que
dirige suas atividades ao serviço do fim do todo, os limita e obriga a se
empregar na conservação do todo (...) Mas no estado de perigo (Zustande der Not), devido a
acontecimentos internos ou exteriores (es
sei innerer oder äusserlicher) é a soberania quem fornece o conceito
simples que permite levar o organismo à unidade, a conservando em seus elementos
particulares. É a ela que se confia a salvação do Estado (die Rettung des
Staats), mesmo ao preço do sacrifício do que é legítimo em outras
circunstâncias. É nesta situação que o idealismo do Estado atinge sua
efetividade própria".
Temos a decisão, a soberania, o príncipe e o estado de necessidade. O Estado repousa, portanto, no poder do príncipe, que é o seu momento mais elevado e constitui o ponto de união de todo o organismo. O príncipe decide no instante da paz e da guerra, seja ela interna ou externa. Ele decide e salva o Estado, mesmo à custa de direitos que, em outras situações, seriam legítimos e deveriam ser respeitados. Ele decide, pois, quais ocasiões determinam a necessidade de sua decisão em prol da totalidade, as situações excepcionais.
Temos a decisão, a soberania, o príncipe e o estado de necessidade. O Estado repousa, portanto, no poder do príncipe, que é o seu momento mais elevado e constitui o ponto de união de todo o organismo. O príncipe decide no instante da paz e da guerra, seja ela interna ou externa. Ele decide e salva o Estado, mesmo à custa de direitos que, em outras situações, seriam legítimos e deveriam ser respeitados. Ele decide, pois, quais ocasiões determinam a necessidade de sua decisão em prol da totalidade, as situações excepcionais.
Daí, a
dedução do indivíduo, o príncipe, que salva o todo, estar incluída na
soberania. "Esta é, de início, apenas o pensamento universal do idealismo
do Estado e só existe como subjetividade que tem certeza de si mesma,
auto-determinação abstrata, logo sem fundamento, da vontade, na qual reside o
elemento último da decisão ( in welcher
das Letzte der Entscheidung liegt)". Este é, precisamente, "o
aspecto individual do Estado e o que faz o Estado ser uno. Entretanto, em sua
verdade a subjetividade só existe como sujeito e a personalidade como pessoa.
Na Constituição que chegou à racionalidade real (reellen) cada um dos tres momentos do conceito possui sua figura
efetiva particular à parte. É por isto que este momento absolutamente decisivo
do todo (entscheindende Moment des Ganzen)
não é a individualidade em geral, mas um indivíduo, o monarca". O monarca
decide. Ele é "a instância suprema que conserva todas as formas
particulares no Si simples, põe fim à deliberação que pesa os argumentos pró e
contra, entre os quais não cessamos de hesitar, e decide (beschliesst) por um ´eu quero´, com o qual se inicia toda ação
efetiva". Como adianta T. M. Cox, citado por Robert Derathé na sua
tradução francêsa da Filosofia do Direito, "como
Deus no mundo de Aristóteles, o monarca é o que põe em movimento a máquina do
Estado, sem ser ele mesmo tomado neste movimento".(66)
No § 281 Hegel insiste sobre o papel supremo do príncipe, "o Si supremo da vontade, independente de todo fundamento e a existência igualmente sem fundamento enquanto determinação que se origina na natureza —esta idéia de que algo não seria movido pelo arbítrio, constitui a majestade do monarca. Nesta unidade reside a unidade efetiva do Estado. É só graças à sua imediatez interna e externa que esta unidade (do Estado) está abrigada contra o perigo de cair na esfera da particularidade, de seu arbítrio, de seus alvos e opiniões, também abrigada contra as lutas que opõem as facções ao redor do trono e que provoca o enfraquecimento e a ruína (Zertrümmerung) do poder estatal".
Abaixo desse "protetor da Constituição" que decide e salva o Todo de qualquer esfacelamento, interno ou externo, opera uma grande máquina para administrar e impor as decisões tomadas pelo monarca. Trata-de do "poder governamental", chamado por Hegel de "classe universal" (der allgemeine Stand). Entre o Si singular, o monarca, e a diversidade do corpo social e político, este setor é o elo médio entre singular e universal, o Mittelpunkt que permite a operacionalização da lei no interior do Estado. "Nada sendo políticamente, o funcionário é tudo na organização do Estado. Ele forma o segundo poder, o poder governamental situado entre o poder soberano e o legislativo. É verdade que o príncipe decide, é verdade que as Câmaras votam leis e regulamentam as questões de alcance universal; mas é a administração que vence os dois" (67) O funcionariato é o cume da hierarquia governativa que entra em contato com o monarca.
Hegel compara a sociedade civil a um campo de batalha (Kampfplatz) dos indivíduos (Nota ao § 289) privados, uns contra todos os demais com seus interesses particulares. As corporações, ao reunir os indivíduos em defesa de interesses comuns, ajuda a enraizar o que é particular "no universal. No espírito corporativo reside a profundidade e a força que o Estado pode encontrar na disposição de espírito dos indivíduos". Agora, na divisão do trabalho para que se administre o universal, surgem os funcionários que se organizam de baixo até o alto da escala hierárquica, garantindo o poder de governo. Sua função é objetiva, embora ela seja exercida por indivíduos. Entre função e individualidade não existe nexo natural direto, pois os indivíduos não nascem funcionários deste ou daquele setor administrativo. Eles devem ser treinados e demonstrar conhecimentos, capacidades. Esta prova de saber garante o Estado de que ele pode atender as suas necessidades universais, particulares, individuais. Esta é a função dos que pertencem à classe universal.
No § 281 Hegel insiste sobre o papel supremo do príncipe, "o Si supremo da vontade, independente de todo fundamento e a existência igualmente sem fundamento enquanto determinação que se origina na natureza —esta idéia de que algo não seria movido pelo arbítrio, constitui a majestade do monarca. Nesta unidade reside a unidade efetiva do Estado. É só graças à sua imediatez interna e externa que esta unidade (do Estado) está abrigada contra o perigo de cair na esfera da particularidade, de seu arbítrio, de seus alvos e opiniões, também abrigada contra as lutas que opõem as facções ao redor do trono e que provoca o enfraquecimento e a ruína (Zertrümmerung) do poder estatal".
Abaixo desse "protetor da Constituição" que decide e salva o Todo de qualquer esfacelamento, interno ou externo, opera uma grande máquina para administrar e impor as decisões tomadas pelo monarca. Trata-de do "poder governamental", chamado por Hegel de "classe universal" (der allgemeine Stand). Entre o Si singular, o monarca, e a diversidade do corpo social e político, este setor é o elo médio entre singular e universal, o Mittelpunkt que permite a operacionalização da lei no interior do Estado. "Nada sendo políticamente, o funcionário é tudo na organização do Estado. Ele forma o segundo poder, o poder governamental situado entre o poder soberano e o legislativo. É verdade que o príncipe decide, é verdade que as Câmaras votam leis e regulamentam as questões de alcance universal; mas é a administração que vence os dois" (67) O funcionariato é o cume da hierarquia governativa que entra em contato com o monarca.
Hegel compara a sociedade civil a um campo de batalha (Kampfplatz) dos indivíduos (Nota ao § 289) privados, uns contra todos os demais com seus interesses particulares. As corporações, ao reunir os indivíduos em defesa de interesses comuns, ajuda a enraizar o que é particular "no universal. No espírito corporativo reside a profundidade e a força que o Estado pode encontrar na disposição de espírito dos indivíduos". Agora, na divisão do trabalho para que se administre o universal, surgem os funcionários que se organizam de baixo até o alto da escala hierárquica, garantindo o poder de governo. Sua função é objetiva, embora ela seja exercida por indivíduos. Entre função e individualidade não existe nexo natural direto, pois os indivíduos não nascem funcionários deste ou daquele setor administrativo. Eles devem ser treinados e demonstrar conhecimentos, capacidades. Esta prova de saber garante o Estado de que ele pode atender as suas necessidades universais, particulares, individuais. Esta é a função dos que pertencem à classe universal.
Embora seja
objetiva a tarefa mediatizadora universal, os cargos são ocupados por
indivíduos. Cabe, então, ao poder decisório e político, o do príncipe, nomear
os que irão exercer a função. Cito a frase inteira de Hegel (§292) : "Lado
subjetivo, esta ligação entre indivíduo e sua função, elementos contingentes um
diante do outro, pertence de direito ao príncipe, enquanto poder soberano de
decisão no Estado (als der entscheidenden
und souveränen Staatsgewalt)". Fica bem claro, em Hegel, que a máquina
dos funcionários exerce seu papel porque é autorizada pela soberania do
monarca, o indivíduo que decide. Assim, se a atuação dos mesmos funcionários é
um dever, suas atribuições partilham com o monarca "um direito que escapa
a toda contingência" (§ 293). Assim, "o indivíduo que, por um ato do
soberano (das durch den souveränen Akt)
ocupa um cargo público deve cumprir seu dever". Para tal fim, recebe um
pagamento que lhe permita a vida, sem que ele precise depender de influências
subjetivas que o afastem do cumprimento de sua função objetiva. (§294). Hegel
ainda sublinha que o nexo entre indivíduo e Estado não é o de um contrato (nota
ao § 294). Eles, com o pagamento correto, são protegidos pelo Estado
"contra o outro lado subjetivo, as paixões dos governados cujos interesses
particulares são lesados pela prioridade concedida ao interesse geral".
Como os
governados podem se defender dos abusos cometidos por funcionários ? A resposta
encontra-se na própria organização funcional, hierárquica por excelência. De
outro lado, as corporações servem para fiscalizar, por assim dizer de baixo para
cima, os abusos dos funcionários. Qual seria a forma ideal do funcionário? Ele
deveria ostentar ausência de paixão, sentido de justiça e certa moderação no
comportamento. Os termos são claros: um bom burocrata possui Leidenschaftslosigkeit, Rechtlichkeit.
Estamos em pleno domínio da operação sine ira et studio, tal como descrita por
Max Weber. Os funcionários devem ser educados, portanto, para aquela ausência
de paixão e senso de justiça, para que possa fazer com que o lado mecânico das
ciências requeridas pelas várias esferas do Estado tenha um contrapeso.
"Mas o tamanho do Estado também é um elemento essencial que atenua o peso
das relações familiares ou de outras relações privadas e torna também
impotentes ou com menor força a vingança, o ódio e as outras paixões. Quando se
está encarregados dos interesses maiores no interior do grande Estado, estes
ângulos subjetivos passam ao segundo plano e se forma o hábito das visões e
negócios relativos ao interesse geral" (§296).
Os membros do governo e os funcionários do Estado, arremata o § 297, "constituem a parte principal da classe mediadora (Mittelstand) onde se encontram a inteligência cultivada e a consciência jurídica da massa de um povo (der Masse eines Volkes). As instituições da soberania que agem do alto (o poder decisório, RR) e os direitos das corporações que agem em baixo, impedem esta classe mediadora de tomar posição isolada contra a aristocracia, suprimem o perigo de uma transformação da cultura e da competência em meios de exercer um arbítrio (Willkür) e se tornar uma dominação (Herrenschaft).
Os membros do governo e os funcionários do Estado, arremata o § 297, "constituem a parte principal da classe mediadora (Mittelstand) onde se encontram a inteligência cultivada e a consciência jurídica da massa de um povo (der Masse eines Volkes). As instituições da soberania que agem do alto (o poder decisório, RR) e os direitos das corporações que agem em baixo, impedem esta classe mediadora de tomar posição isolada contra a aristocracia, suprimem o perigo de uma transformação da cultura e da competência em meios de exercer um arbítrio (Willkür) e se tornar uma dominação (Herrenschaft).
É possível
avançar que Carl Schmitt assume a defesa da primeira parte do poder executivo,
a decisão soberana que reside no príncipe, e tenta exorcizar a segunda, o poder
burocrático que também dele emana segundo Hegel. Mas devemos nos deter na
divisão dos poderes do Estado e sua recusa pelo filósofo. Ele recusa, como
afirma Franz Rosenzweig, "em função da unidade do Estado, e porque à
consciência do Estado não pode caber desconfiança, aquela ´autonomia´e sua
fundamentação liberal, que remontava a Montesquieu —a recíproca limitação e
supervisão dos poderes. A relação entre os poderes não deve se dar em termos de
equilíbrio, mas de ´unidade viva´ ; cada um deve se constituir em ´totalidade´
, ou seja : deve possuir os outros ´ativos em seu interior´. Uma disposição
como aquela incluída na Constituição de 1791, que impedia o acesso ao
ministério por parte dos membros da assembléia legislativa e dos detentores de
altas funções judiciárias, descreveria aproximadamente o que Hegel pretendia
excluir com sua doutrina da divisão dos poderes". (68)
Schmitt se refere aos laços do pensamento legado por Hegel à cultura jurídica e sociológica alemã posterior. Ao se referir ao pensamento da direita, ele indica "uma outra linhagem de Hegel", retomando assim a divisão entre a "esquerda" e a "direita" hegeliana. John P. McCormick se refere à dialética, praticada por Lukács e Schmitt, na tentativa de sanar as deficiências do pensamento liberal weberiano sobre a modernidade e a tecnologia. (69) Ainda McCormick cita Schmitt quando este afirma que Hegel é o único pensador que ajuda a resolver a dualidade entre conceito abstrato e ser concreto que reside na racionalidade da "visão de mundo mecanistica" praticada por Descartes, Hobbes e Kant. "Logo cedo, em 1801, Hegel, com certeiro senso de genio reconheceu a conecção entre o racionalismo do século anterior e a inadequação histórica do sistema, que reside na relação causal entre o ego e o não ego. Os românticos eram incapazes deste tipo de intuição filosófica". (70) A retórica do "concreto", diz Ernst Fraenkel, se instala na jurisprudência de Schmitt, tendo sido arrancada de Hegel. Segundo Fraenkel "Schmitt subtraiu de Hegel a tendência a usar a ´concretude´como arma contra a ´abstração´." E conclui McCormick a citação de Fraenkel: "Segundo Hegel o princípio da razão deve ser concebido como concreto de modo que a verdadeira liberdade possa dominar. Hegel caracteriza a escola de pensamento que namora com o abstrato como liberalismo e enfatiza que o concreto é sempre vitorioso contra o abstrato e que o abstrato sempre abre falência quando se põe contra o concreto". (71)
Schmitt se refere aos laços do pensamento legado por Hegel à cultura jurídica e sociológica alemã posterior. Ao se referir ao pensamento da direita, ele indica "uma outra linhagem de Hegel", retomando assim a divisão entre a "esquerda" e a "direita" hegeliana. John P. McCormick se refere à dialética, praticada por Lukács e Schmitt, na tentativa de sanar as deficiências do pensamento liberal weberiano sobre a modernidade e a tecnologia. (69) Ainda McCormick cita Schmitt quando este afirma que Hegel é o único pensador que ajuda a resolver a dualidade entre conceito abstrato e ser concreto que reside na racionalidade da "visão de mundo mecanistica" praticada por Descartes, Hobbes e Kant. "Logo cedo, em 1801, Hegel, com certeiro senso de genio reconheceu a conecção entre o racionalismo do século anterior e a inadequação histórica do sistema, que reside na relação causal entre o ego e o não ego. Os românticos eram incapazes deste tipo de intuição filosófica". (70) A retórica do "concreto", diz Ernst Fraenkel, se instala na jurisprudência de Schmitt, tendo sido arrancada de Hegel. Segundo Fraenkel "Schmitt subtraiu de Hegel a tendência a usar a ´concretude´como arma contra a ´abstração´." E conclui McCormick a citação de Fraenkel: "Segundo Hegel o princípio da razão deve ser concebido como concreto de modo que a verdadeira liberdade possa dominar. Hegel caracteriza a escola de pensamento que namora com o abstrato como liberalismo e enfatiza que o concreto é sempre vitorioso contra o abstrato e que o abstrato sempre abre falência quando se põe contra o concreto". (71)
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1 Cf. Vorlesungen über die Ästhetik, Dritter Abschnitt, Vom Romantischen Überhaupt, in Werke in zwanzig Bänden (FAM, Suhrkamp, 1970) V. 14, II, páginas 129-130. Trad. italiana de Nicolao Merker e Nicola Vaccaro (Torino, Einaudi Ed., 1976), Volume I, páginas 583-584.
1 Cf. Vorlesungen über die Ästhetik, Dritter Abschnitt, Vom Romantischen Überhaupt, in Werke in zwanzig Bänden (FAM, Suhrkamp, 1970) V. 14, II, páginas 129-130. Trad. italiana de Nicolao Merker e Nicola Vaccaro (Torino, Einaudi Ed., 1976), Volume I, páginas 583-584.
2
"Novalis", in Vorlesungen über die Geschichte der
Philosophie, Werke in zwanzig Bänden (FAM, Surhkamp, 1971), volume 20,
III, página 418.
3 Die
Verfassung Deutschlands, in Frühe Schriften (F.A. M, Werke in zwanzig
Bänden, Suhrkamp, 1971, volume 1), página 469; tradução francesa de Michel
Jacob in G.W.F. Hegel, Écrits politiques (Paris, Champ Libre, 1977), páginas
38-39.
4
.“Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung?”in Kant Werkausgabe, Band XI,
(F.A.M. Suhrkamp Verlag, 1968), p. 55. Cf. J. Habermas, L. Espace Public
(Paris, Payot, 1978) e R. Romano : “Universidade, Estatuto e Constituição
Política”in Lux in Tenebris, meditaçõe sobre Filosofia e Cultura (SP,
Cortez/Unicamp, 1987
5 Cf.
Glauben und Wissen in Werke in zwanzig Bänden (F.A.M., Shurkamp, 1971, volume
2) página 392. E também Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie (F.A.M.,
Shurkamp, 1971, volume 20, T.III), página 417.
6 Cf. R. Ayrault: La genèse du romantisme allemand (Paris, Aubier, 1976), p. 201 ss; também g. Stenzel (Ed.) : Die Deutschen Romantiker (Salzburg, Das Bergland-Buch, s.d.), página 320.
6 Cf. R. Ayrault: La genèse du romantisme allemand (Paris, Aubier, 1976), p. 201 ss; também g. Stenzel (Ed.) : Die Deutschen Romantiker (Salzburg, Das Bergland-Buch, s.d.), página 320.
7 Para uma
análise do ponto, cf. Jan-Werner Muller: A dangerous Mind, Carl Schmitt in Post-War
European Thought (Yale, University Press, 2003), página 20 e seguintes.
8 Indicado por Jan-Werner Muller, op.cit. p. 21 e 253.
9 Georges de Lagarde, "L´idée de représentation dans les Oeuvres de Guillaume d´Ockham" International Commitee of the Historical Sciences Bulletin (Dezembro, 1937), páginas 425-51. Citado em James Roland Pennock (Ed.): Representation (New Jersey, Transaction Publishers, 2007), página 41. Cf. também Franco Todescan, "Fermenti Galicani" in Luigi Lombardi Vallauri (Ed.) : Cristianesimo, secolarizzazione e diritto moderno (Milano, Giuffrè, 1981), página 585.
8 Indicado por Jan-Werner Muller, op.cit. p. 21 e 253.
9 Georges de Lagarde, "L´idée de représentation dans les Oeuvres de Guillaume d´Ockham" International Commitee of the Historical Sciences Bulletin (Dezembro, 1937), páginas 425-51. Citado em James Roland Pennock (Ed.): Representation (New Jersey, Transaction Publishers, 2007), página 41. Cf. também Franco Todescan, "Fermenti Galicani" in Luigi Lombardi Vallauri (Ed.) : Cristianesimo, secolarizzazione e diritto moderno (Milano, Giuffrè, 1981), página 585.
10 O
conceito de representação recebe duplo veto em Rousseau. O primeiro é o que
surge com o liberalismo, no qual o povo é representado "de baixo para
cima" pela eleição ou transferência da vontade (a qual não pode, jamais,
ser transferida) e o segundo, subentendido, é o religioso e católico, que supõe
a desigualdade entre os homens, dada a hierarquia cósmica e social nela
implicadas. Comenta um autor do século 20: "It is not without significance
that Rousseau, who was never weary of singing the praises of democracy, should
have thought pure democracy fit only for angels. Yet representative democracy
was a last resource which he rejected absolutely in principle. 1 In practice,
the only form of democracy worthy of the name, was, in his view, the direct
democracy of a co whose citizens could come together and debate and decide
their own affairs. Rousseau recognised that the size of most political
communities and the complexity of their affairs precluded the possibility of
such immediate and personal self-government; but he did not draw the natural
inference that therefore some sort of representative system is of necessity
imposed upon most, if not all, democratic communities." James Hogan:
Election and Representation (Cork University Press, 1945), página 106.
11 Todescan, página 585.
11 Todescan, página 585.
12 Le
Nouveau peuple de Dieu (Paris, 1971), página 90. citado por H.-J.
Sieben "Dimensions historiques de l ´idée de concile" Paris, CAIRN,
2005/2 Tome 93, página 195. Endereço eletronico: http://www.cairn.info,
acessado em 07/09/2009, as 16: 30, PM.
13 Tubeta, De
auctoritate Papae et Concilii, citado por Todescan, página 587.
14 A metáfora
ainda ocorre no democrático Spinoza. Se não existem condições para que a
democracia impere, que o rei seja “como a alma do Estado, enquanto o Conselho
servirá a esta alma como se dela fosse o corpo e os sentidos exteriores; ele
fará o rei conhecer a situação do Estado e será o instrumento para executar o
que for reconhecido como o melhor” (Tratado político, VII, 19). Existe
um problema na tradução do trecho para a nossa língua. O termo latino é mens:
“et absolute rex censendus est veluti civitatis mens, hoc autem concilium
mentis sensus externi, ceu civitatis corpus, per quod mens civitatis statum
concipit et per quod mens id agit, quod sibi optimum esse decernit”. Mas
traduzir mens por “intelecto”, “mente”, etc. pode trazer contra- sensos. Cf.
MOREAU, Pierre-François. Le vocabulaire psychologique de Spinoza et
le problème de sa traduction. Disponível em: . Acesso em: 02 fev. 2008.
Prefiro manter a palavra “alma”, especialmente porque ela remete para a
tradição do absolutismo.
15 Ernst
Kantorowicks, The King´s two bodies, 1970, páginas 214 e seguintes.
16 David
Keck: Angels & Angelology in the middle Ages (Oxford, University
Press, 1998) : "Most modern studies of medieval angelology focus almost
exclusively on the scholastic treatment of angels. The impetus given to
Christian philosophy and metaphysics by Pope Leo XIII Aeterni Patris in 1879
led neo-Thomists such as Etienne Gilson and J. D. Collins to explore the
metaphysical and philosophical aspects of scholastic angelology with great
care. Gilson's chapters on the angelologies of Aquinas and Bonaventure in his
books on their respective Christian philosophies are perhaps the most lucid
treatment of scholastic angelology ever written. Collins The Thomistic
Philosophy of the Angels remains the most detailed analysis of the origins and
meaning of the Angelic Doctor's angelology (tradition ascribes the origin of
this epithet both to the purity of Aquinas's teachings and to their heavenly
character). These studies reveal that the leading thinkers of medieval
Christendom, theologians such as Aquinas and Ockham, were fascinated with
angels and explored their mysteries tenaciously. To the scholastics, the
universe required the existence of angels, and the theologian had a special
responsibility to uncover and describe their sublime nature." página 4.
17 Cf. SS
Bonifacius VIII, Unam Sanctam (18/11/1302) in Documenta Catholica Omnia,
endereço eletrônico seguinte : http://www.documentacatholicaomnia.eu/, acessado
no dia 12/04/2009, as 10: 30 AM.
18 Bettenson,
1947, p. 158-59.
19 "The
renewed study of Pseudo-Dionysius and his Celestial Hierarchy that began in the
middle of the twelfth century provided medieval Christendom with an even
greater authority for discussing the hierarchies. 39 Because of their studies
of the Areopagite's extensive reflections on these spirits, Hugh of Saint
Victor (who wrote a commentary on the Celestial Hierarchy), Bonaventure, and
Aquinas were able to explore the angelic orders far more confidently than
Augustine and Bernard could. Nevertheless, some ambiguities and uncertainties
remained. Ironically, the precise identity of the most important angelologist
of the Western church (and perhaps of the Christian tradition as a whole)
remains unknown. The author of the Celestial Hierarchy, Ecclesiastical
Hierarchy, The Divine Names, Mystical Theology, and various letters claims to
have been the Dionysius the Areopagite converted by Paul in Athens ( Acts
17:34); he was probably a late fifth-century Syrian monk. While some doubts
existed about his claim even in the first known reference to the Dionysiac
corpus (532), by the thirteenth century he had acquired the status of
apostolicity. In its life of this saint, the Legenda Aurea affirmed that Paul
had taught his convert about the mysteries of the heavens. 40 And since Paul
himself had experienced the rapture of the splendor of heaven ( 2 Cor. 12:2), the
apostle must have taught Pseudo-Dionysius many things concerning the spirits of
heaven. Appropriately, in the Legenda, angels escorted Pseudo-Dionysius to his
final resting place after his death. In Paradiso X, Dante places the Areopagite
in the sphere of the Sun, the abode of the theologians, along with Aquinas,
Peter Lombard, Bede, Bonaventure, and others.
Pseudo-Dionysius seems to have composed his works around 500. The earliest Latin translation of the Greek corpus was by Abbot Hilduin of Saint-Denis in Paris in 838 (according to the Legenda, these texts themselves healed several sick men). Hilduin also contributed greatly to the status of Pseudo-Dionysius by conflating three different persons--the author of the texts, the Dionsyius of Acts 17:34, and the Dionysius who was the first bishop of Paris-- thereby constituting a rather venerable authority indeed. At the request of Charles the Bald, John Scotus Eriugena completed a more useful translation in 862, and in 1165, John Sarrazin also translated the texts. While these translations were available for centuries, Pseudo-Dionysius remained an obscure figure until the cathedral schools of Laon and Saint Victor began to comment on his work. Cistercians and Benedictines took less interest in the Areopagite because the difficulty of his language and concepts required the environment of a school to be meaningfully utilized. Through these cathedral schools, Pseudo-Dionysius entered into the Sentences of Peter Lombard and hence irrevocably into academic theology in the Middle Ages and beyond. The number of texts and commentaries on the Areopagite available in Paris in the thirteenth century is impressive. Indeed, there seems to have been something of an industry around this figure. So popular was he that the thirteenth-century Franciscan Salimbene de Adam expressed his regret that he had not been named Dionysius in his honor.
Pseudo-Dionysius seems to have composed his works around 500. The earliest Latin translation of the Greek corpus was by Abbot Hilduin of Saint-Denis in Paris in 838 (according to the Legenda, these texts themselves healed several sick men). Hilduin also contributed greatly to the status of Pseudo-Dionysius by conflating three different persons--the author of the texts, the Dionsyius of Acts 17:34, and the Dionysius who was the first bishop of Paris-- thereby constituting a rather venerable authority indeed. At the request of Charles the Bald, John Scotus Eriugena completed a more useful translation in 862, and in 1165, John Sarrazin also translated the texts. While these translations were available for centuries, Pseudo-Dionysius remained an obscure figure until the cathedral schools of Laon and Saint Victor began to comment on his work. Cistercians and Benedictines took less interest in the Areopagite because the difficulty of his language and concepts required the environment of a school to be meaningfully utilized. Through these cathedral schools, Pseudo-Dionysius entered into the Sentences of Peter Lombard and hence irrevocably into academic theology in the Middle Ages and beyond. The number of texts and commentaries on the Areopagite available in Paris in the thirteenth century is impressive. Indeed, there seems to have been something of an industry around this figure. So popular was he that the thirteenth-century Franciscan Salimbene de Adam expressed his regret that he had not been named Dionysius in his honor.
The
importance of Pseudo-Dionysius's angelology becomes most clear in his
arrangement of the nine hierarchies of angels. The Fathers had disagreed on
what belonged in the list of angels. Ambrose and Gregory the Great each listed
the nine orders but in different arrangements, Jerome did not include the
principalities or virtues, and the Apostolic Constitutions (later 4th century)
include "aeons" and "hosts" (and display a highly unusual
order). After the acceptance of the Areopagite's' Celestial Hierarchy, his
arrangement of the angels became standard. The Areopagite provided his
followers with an apostolic (and hence authoritative) interpretation of a
number of confusing passages and points about Scripture. indeed, his authority
determined what was and what was not an angel. By the early Middle Ages, the
celestial hierarchy of the nine orders of angels however they were arranged,
had become part of the traditional teaching of Christian theology." Keck,
páginas 55 e 56.
20 Arthur P.
Monahan : From Personal Duties towards personal Rights. Late Medieval and Early
Modern Political Thought, 1300-1600 (MaGills-Queens University Press,
1994), páginas 50-51.
21 Monahan,
op. cit. página 84.
22 Cf.
"Todos os conceitos mais eficazes da moderna doutrina do Estado são
conceitos teológicos secularizados. Não apenas com base em seu desenvolvimento
histórico, porque eles passaram para a doutrina do Estado vindos da teologia,
como por exemplo o Deus onipotente que se tornou o legislador onipotente, mas
também na sus estrutura sistemática, cujo conhecimento é necessário para uma
consideração sociológica daqueles conceitos. O Estado de exceção tem, para a
jurisprudência, um significado análogo ao milagre na teologia. Só com a
consciência desta situação de analogia é possível compreender o desenvolvimento
súbito da idéia do moderno Estado nos últimos séculos". Cf. Teologia Política, in Le
categorie del ´politico´(Bologna, Il Mulino, 1972), p. 61.
23 Deus,
fala Cortés no Discurso sobre a Ditadura (1849) deixou aos homens, até certo
ponto, o governo das sociedades. Ele reservou para si o governo do universo. O
doutrinário zomba dos liberais que o escutam, dizendo que Deus governa de
maneira constitucional o universo, com leis precisas chamadas "causas
secundárias". Estas são o análogo das leis humanas. Ora, se Deus, em
relação ao mundo físico, é legislador, Ele governaria sempre com estas mesmas
leis que Ele mesmo impôs em sua eterna sapiência e com elas nos sujeitou a
todos? Não, é a resposta de Cortés. Algumas vezes Ele manifesta, clara e
explícitamente, sua VONTADE soberana, quebrando as leis que Ele mesmo se impôs
e torcendo o curso natural das coisas. "Então, senhores, quando opera
assim, não se poderia dizer, se a lingua humana pudesse ser aplicada às coisas
divinas, que Ele opera ditatorialmente? ". Cf. Discurso sobre la
dictadura, in Obras Completas de Juan Donoso Cortés (BAC, Madrid, 1970), tomo
I, páginas 308-309. Cf. também o Discurso
sobre a Situação da Espanha, mesmo volume, p. 494.
24 Cf. Jan
Muller, op. cit. p. 22.
25 Cf. para
as análises seguintes, Ben van Onna: "La désintegration du Catholicisme
Politique, essai pour comprendre l ´évolution de l ´attitude du catholicisme
face à la société bourgoise, in M. Xhaufflaire (Ed.) : La pratique de la theologie
politique (Paris, Casterman, 1974), página 155 e seguintes.
26 Este
aspecto foi analisado por Maurice Merleau-Ponty, no artigo "Foi et Bonne
Foi", reolhido na coletânea Sens et Non Sens (Paris, Genebra, Nagel,
1948). O católico é sempre um companheiro de estrada incerto, tanto para os
conservadores quanto para os socialistas, é a tese de Ponty.
27 Sobre o
conceito diverso de representação, o burgues ou liberal, é preciso notar nele
pelo menos três pontos que diferem da representação católica. Na forma liberal,
a pretensão, como diz J. Habermas, é a de não levar em conta a hierarquia dos
privilégios, mas valorizar a pressuposição da igualdade no debate. O segundo
ponto é o domínio da preocupação coletiva na qual, ao contrário da Igreja, não
existe monopólio de interpretação. O terceiro é o critério da inclusão: jamais
o público pode ser dirigido e orientado por uma seita ou igreja, menos ainda
por grupos que formam cliques. O debate define a forma de representação liberal
ou burguesa, tal como formulada nos tempos modernos. Cf. Strukturwandel der
Oeffentlichkeit (Neuwied, 1971), página 19 e seguintes.
28 Erasmo de
Rotterdam, Sileni Alcibiades in Adagia,
sei saggi politici in forma di proverbi, a cura de Silvana Seidel Menchi
(Torino, Einaudi, 1980), página 67 e seguintes.
29 James D.
Tracy, "Luther and the Modern State in Germany" in Sixteenth Century
Journal Publishers, 1986, página 37.
30 Cf. E. de
Moreau, "Les doctrines de Luther" in La crise religieuse du XVIe
siècle, Histoire de l ´Église (Paris, Bloud &Gay), 1950, volume 16, página
103 e seguintes.
31 Über das 1 Buch Mose, Predigten, citado por James D. Tracy, op.cit. página 33.
31 Über das 1 Buch Mose, Predigten, citado por James D. Tracy, op.cit. página 33.
32 Para uma
leitura relevante, até os nossos dias (ou especialmente em nossos dias), cf.
Charles S. MacFarland: The New Church and the New Germany: a study
of Church and State (London, The Macmillan Company) 1934. "
National Socialism in Germany discovered little difficulty in its complete
transformation of the life and even the mind of the nation, until it struck the
Protestant Christian Church, or more particularly, the pastors of the churches.
At this point it has aroused a near counter-revolution in which, unless the state
is cautious, as at last accounts it appeared to be, it may even meet its
Waterloo, by arousing to resistance not a few of the people in general who have
thus far accepted it as inescapable, but with reservation or resentment.
Indeed, the Roman Catholic Church, at first seemingly taken care of by a
concordat, will perhaps be so encouraged by Protestant resistance as to revise
its terms or insist upon its own interpretation of them. Adolf Hitler, while
sympathetic with Christianity, evidently did not know the Protestant genius and
spirit, the fundamental principles of the gospel, or the inner nature of the
Protestant Church. As to the Catholic problem, he had not adequately studied
the experience of Bismarck. To arouse both the Protestant and Catholic Churches
was an extremely hazardous venture. To understand the church situation in
Germany one must contemplate the amplitude of this political and social
revolution in which it has become, for the time being, a significant element.
National Socialism aims at the establishment of a "totalitarian"
state, into the Gleichschaltung (unification, harmonizing) of which every
social institution, educational, cultural, industrial, is to be assimilated. At
the same time the political and other divisions of the several German states
are to be assimilated into a unified Reich. The Church in Germany was envisaged
as a public institution and inasmuch as it was also divided into separate
churches in these states, it came within the scope of both these unifying
processes. Not only, however, are these institutions to be thus brought into
conformity along the lines of their own kindred traditions and affinities, but
they must be greatly reshaped in their readjustment to a political and social
theory, National Socialism”.
33 Apresento
este ponto, com detalhes, no artigo "Kant e a Aufklärung" em Corpo
e Cristal, Marx Romântico (RJ, Guanabara Ed., 1985).
34 Cf.
Gérard Lébrun: Kant et la fin de la métaphysique (Paris, Le Livre de Poche,
2003 Collection Philosophie).
35 A Religião nos Limites da Simples Razão, IV, "A Idéia de um povo de Deus só é (sob organização humana) realizável na forma de uma Igreja", Tradução de Artur Morão in www.lusofobia.net, acessado em 12/02/2009, as 10: 30 AM.
35 A Religião nos Limites da Simples Razão, IV, "A Idéia de um povo de Deus só é (sob organização humana) realizável na forma de uma Igreja", Tradução de Artur Morão in www.lusofobia.net, acessado em 12/02/2009, as 10: 30 AM.
36 Em meu
livro Brasil, Igreja contra Estado (SP, Kayrós, 1979), discuto este
problema, a partir do mencionado texto fichteano.
37 Alexis Philonenko: Métaphysique et politique chez Kant (Paris, Vrin, ), página 18.
38 "A
Igreja visível é uma verdadeira sociedade, fundada sobre o contrato"
(Fichte, "Da Igreja, em relação ao direito de uma transformação do Estado,
in Considerações sobre a Revolução Francêsa, Cf. Bernard Gilson : L´essor
de la dialectique moderne et la philosophie du droit (Paris, Vrin,
1991) página 161 e seguintes.
39 Cf.
Emilio Brito : J.G. Fichte et la transformation du christianisme , Peeters
Publishers, 2004 ) página 107.
40 Para uma análise detalhada do passo, cf. Edmilson Menezes : História e Esperança em Kant (São Cristóvão, Editora Universidade de Sergipe, 2000).
40 Para uma análise detalhada do passo, cf. Edmilson Menezes : História e Esperança em Kant (São Cristóvão, Editora Universidade de Sergipe, 2000).
41 Denis
Rosenfield: "Moralidade e protestantismo em Hegel" in Hegel,
a moralidade e a religião (Vários) (RJ, Jorge Zahar Ed.2002) página
178.
42 Vorlesungen
über die Philosophie der Geschichte, Vierter Teil, in Werke in zwanzig
Bänden, 12, (FAM,Suhrkamp Verlag, 1970), p. 455
43 Philosophie der Geschichte, ed. cit. volume 12, páginas 490 e seguintes.
43 Philosophie der Geschichte, ed. cit. volume 12, páginas 490 e seguintes.
44 Vorlesungen
über die Philosophie des Rechts, § 166, Adição. Ed. Werke in zwanzig Bänden,
volume 7, página 318 e seguintes.
45
"Antígona, uma das obras artísticas mais sublimes, em todos os sentidos
mais perfeitas de todos os tempos. Tudo nesta tragédia é consequente; a lei
pública do Estado (das öffentliche Gesetz
des Staats) está em conflito aberto com o amor intimo familiar e o dever
diante do irmão; o interesse familiar tem como pathos a mulher Antígona, a
salvação da cidade Creonte, o homem. Polinice, ao combater contra sua própria
cidade natal, caíra diante das portas de Tebas; Creonte o soberano, ameaça com
a morte (...) quem desse a honra da sepultura ao inimigo (Feinde) da cidade. Mas esta ordem que diz respeito apenas à vida
pública, ao bem do Estado, não preocupa Antígona e como irmã ela cumpre o dever
sagrado da sepultura, pela piedade do seu amor pelo irmão. Ela invoca em tal
caso a lei dos deuses; mas os deuses que ela honra são os dos subterrâneos do
Hades (Sófocles, Antigona, V, 451), os internos do sentimento (die inneren der
Empfindung), do amor do sangue, não os deuses da luz, da livre e
auto-consciente vida estatal e popular". Vorlesungen über die Ästhetik
("Die alten Götter im Unterschiede zu den neuen", Parte segunda,
Werke in zwanzig Bänden, Volume 14, II, página 52.
46 Cf. W. Lippmann, The Phantom Public (New York, Macmillan, 1925).
46 Cf. W. Lippmann, The Phantom Public (New York, Macmillan, 1925).
47 Public
Opinion, cap. 15, 4 (NY, Hartcourt Brace and Company, 1922), página
150. Argumentos de Lenoir.
48 Cf.
Jan-Werner Muller : A Dangerous Mind, Carl Schmitt in post War European Thought
(London/New Haven, Yale University Press, 2003).
49 Schmitt,
Carl: "Gesunde Wirtschaft im starken Staat" Mitteilungen des Vereins
zur Wahrung der gemeinsamen wirtschaftlichen Interessen in Rheinland und
Westphalen, Heft 21 (23 novembro 1932). Cf. Olivier Beaud: Les derniers jours de Weimar.
Carl Schmitt face à l´avènement duz nazisme (Paris, Descartes &
Cie., 1997), página 61 e seguintes.
50 in Obras
Completas de Donoso Cortés, Madrid, BAC, 1970, v. 2, p. 318.
51 Grundlinien
der Philosophie des Rechts, in Werke in zwanzig Bänden, volume 7
(F.A.M., Suhrkamp Verlag, 1971), página 483 e seguintes.
52 O
entendimento (Verstand) tem como
função dividir e classificar os elementos do saber e da prática. Seu príncípio
não é o da Razão, que sintetiza os opostos e suprime os contraditórios numa
identidade mais elevada.
53 Para
maiores detalhes sobre esta visão orgânica do Estado, cf. Roberto Romano,
"A fantamagoria Orgânica" in Corpo e Cristal, Marx Romântico (RJ,
Guanabara, 1987).
54 "Der
Begriff des Konkreten" in Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie
(Vol. I) Werke in zwanzig Bänden (18) (FAM, Suhrkamp Verlag, 1973), página 42 e
seguintes. Hegel insiste no conceito ao apresentar a filosofia de Platão, que
"constitui um ponto nodal em que se unem verdadeiramente, de forma
concreta, todos os princípios abstratos e unilaterais. Ao descrever a noção
geral da história da filosofia, vimos que que na sua trajetória e
desenvolvimento progressivo do pensamento filosófico é preciso dar-se,
necessáriamente, certos pontos nodais onde o verdadeiro aparece de modo
concreto. O concreto é unidade de distintas determinações e princípios, para se
desdobrar, para que se revelem à consciência de modo claro e preciso é preciso
que os comecem estabelecendo para si" (Werke in zwanzig Bänden, volume 18,
página 23).
55 Gilbert
Gérard: Le concept hégélien de l´Histoire de la Philosophie (Paris,
Vrin, 2008) página 36 e seguintes.
56
"Hegel écrit dans sa Logique : ´L’abstraction n’est pas
vide, elle est le concept déterminé. Mais tout concept déterminé est vide dans
la mesure où il ne contient pas la totalité, mais seulement quelque chose
d’unilatéral.´ Même s’il a par ailleurs un contenu concret : homme, État, animal,
il reste un concept vide dans la mesure où sa caractéristique ne donne jamais
le principe de ses différences. Quand l’intuition ou la pensée ne désignent pas
seulement l’un des termes mais la totalité structurée on peut dire qu’elle est
une pensée concrète parce qu’elle offre en même temps le mouvement qui la
constitue.". "La pensée abstraite détourne-t-elle de la
réalité?", documento sem indicação de autoria, no endereço
http://www.editionsosiris.fr/victor/pensee%20abstraite.doc. Acessado no dia 08/10/2009,
as 9:38 AM.
57 Vorlesungen
über die Geschichte der Philosophie (I) in Werke in Zwanzig Bänden [18]
(FAM, Suhrkamp Verlag), página510.
58 Hegel, em
nota, cita o caso da Espanhe e de Napoleão
59 O termo Haufen pode significar "agregado,
massa, multidão".
60 Rousseau teve o mérito de estabelecer o princípio da vontade como base do Estado. "Mas como ele concebeu a vontade apenas sob a forma determinada da vontade individual (Fichte fará o mesmo mais tarde) e a vontade geral não é o racional em si e para si na vontade, mas apenas o que deduz como o interesse comum em cada vontade indivudual consciente de si mesma, a associação dos indivíduos no Estado se torna, em sua doutrina, um contrato. Este contrato tem por fundamento o livre arbítrio dos indivíduos, sua opinião (Meinung) seu consentimento livre e explícito. O que, por consequência lógica, tem por resultado destruir (o termo é Zerstörung, o mesmo usado por Lukács para falar da razão estraçalhada pelo irracionalismo) o divino existente e si e para si, sua autoridade e majestade absolutas". Uma vez chegadas ao poder "tais abstrações ofereceram o espetáculo monstruoso (ungeheure Schauspiel) que foi possível assistir desde o início da Humanidade: a tentativa de recomeçar inteiramente a Constituição de um Estado, destruindo tudo o que existia e se apoiando no pensamento para dar uma base a este Estado que supunha-se ser racional. Mas ao mesmo tempo, porque se tratava de abstrações sem Idéia (Ideenlose Abstraktionen) esta tentativa trouxe a situação mais terrível e a mais cruel". §258, nota.
60 Rousseau teve o mérito de estabelecer o princípio da vontade como base do Estado. "Mas como ele concebeu a vontade apenas sob a forma determinada da vontade individual (Fichte fará o mesmo mais tarde) e a vontade geral não é o racional em si e para si na vontade, mas apenas o que deduz como o interesse comum em cada vontade indivudual consciente de si mesma, a associação dos indivíduos no Estado se torna, em sua doutrina, um contrato. Este contrato tem por fundamento o livre arbítrio dos indivíduos, sua opinião (Meinung) seu consentimento livre e explícito. O que, por consequência lógica, tem por resultado destruir (o termo é Zerstörung, o mesmo usado por Lukács para falar da razão estraçalhada pelo irracionalismo) o divino existente e si e para si, sua autoridade e majestade absolutas". Uma vez chegadas ao poder "tais abstrações ofereceram o espetáculo monstruoso (ungeheure Schauspiel) que foi possível assistir desde o início da Humanidade: a tentativa de recomeçar inteiramente a Constituição de um Estado, destruindo tudo o que existia e se apoiando no pensamento para dar uma base a este Estado que supunha-se ser racional. Mas ao mesmo tempo, porque se tratava de abstrações sem Idéia (Ideenlose Abstraktionen) esta tentativa trouxe a situação mais terrível e a mais cruel". §258, nota.
61Na Encyclopédie
de Diderot "Moment, s. m. dans le tems, (Méch.) est une partie très-petite
& presqu'insensible de la durée, qu'on nomme autrement instant. Le mot
instant se dit néanmoins plus proprement d'une partie de teins non seulement
très-petite, mais infiniment petite; c'est à-dire, plus petite qu'aucune partie
donnée, ou assignable. Voyez Tems. Moment, dans les nouveaux calculs de
l'infini, marque chez quelques auteurs, des quantités censées infiniment petites.
(...) C'est ce qu'on appelle autrement & plus communément différences; ce
sont les augmentations ou diminutions momentanées d'une quantité considérée,
comme dans une fluxion continuelle. Voyez Différentiel & Fluxion. Moment ou
Momentum, en Méchanique, signifie quelquefois la même chose qu'impetus, ou la
quantité du mouvement d'un mobile. Voyez Mouvement. Dans la comparaison des
mouvemens des corps, la raison de leurs momens est toujours composée de celles
de la quantité de matiere, & de la vitesse du mobile, de façon que le
moment d'un corps en mouvement peut être regardé comme le produit sait de sa
quantite de matiere & de sa vîtesse; & comme on sait que tous les
produits égaux ont des facteurs réciproquement proportionnels, il s'ensuit de
là que si des mobiles quelconques ont des momens égaux, leurs quantités de
matiere seront en raison inverse de leurs vîtesses; c'est-à-dire, que la
quantité de matiere du premier sera à la quantité de matiere du second, en
raison de la vîtesse du second à celle du premier: & réciproquement, si les
quantités de matiere sont réciproquement proportionnelles aux vìtesses, les
momens sont égaux. Le moment de tout mobile peut aussi être considéré comme la
somme des momens de toutes ses parties; & par conséquent si les grandeurs
des corps & le nombre de leurs parties sont les mêmes, ainsi que leurs
vîtesses, les corps auront les mêmes momens. " Em outro verbete a
Encyclopédie remete, no plano do momentum, para a filosofia de Leibniz, em
consonância à de Aristóteles: "En 1711 il adressa à l'académie des
Sciences sa théorie du mouvement (...) & à la société royale de Londres, sa
théorie du mouvement concret. Le premier traité est un système du mouvement en
général; le second en est une application aux phenomenes de la nature; il admettoit
dans l'un & l'autre du vuide; il regardoit la matiere comme une simple
étendue in différente au mouvement & au repos, & il en étoit venu à
croire que pour découvrir l'essence de la matiere, il falloit y concevoir une
force particuliere qui ne peut gueres se rendre que par ces mois, mentem
momentantam, seu carentem recordatione, quia conatum simul suum & alienum
contrarium non retineat ultro momentum, adeòque careat memoriâ, sensu actionum
passionumque suarum, atque cogitatione. Le voilà tout voisin de l'entéléchie
d'Aristote, de son système des monades, de la sensibilité, propriété générale
de la matiere, & de beaucoup d'autres idées qui nous occupent à présent. Au
lieu de mesurer le mouvement par le produit de la masse & de la vitesse, il
substituoit à l'un de ces élémens la force, ce qui donnoit pour mesure du
mouvement le produit de la masse par le quarré de la vîtesse. Ce fut-là le
principe sur lequel il établit une nouvelle dynamique; il fut attaqué, il se
défendit avec vigueur; & la question n'a été, sinon decidée, du-moins bien
éclaircie depuis, que par des hommes qui ont réuni la Méthaphysique la plus
subtile à la plus haute Géométrie. Voyez l'article Force. ". Quem deseja
maiores informes sobre o pensamento de Diderot sobre Leibniz, veja o verbete
inteiro intitulado "Léibnitzianisme ou Philosophie de Léibnitz".
62 Cf.
Daniel Brown, Gerard Manley Hopkins: Hopkin´s idealism: philosophy, physics,
poetry ( Oxford, University Press, 1997), páginas 186-187.
63
"Encontramos nas teorizações sobre a natureza, a sociedade, o homem,
paradigmas extraídos especialmente do nosso próprio corpo, ou dos instrumentos
por nós produzidos. Ou projetamos o cosmos e o social como imenso corpo, e
ampliamos ao máximo o modelo do organismo, ou ideamos o universo na figura de
refinada máquina, construída por um demiurgo, cujo ato devemos repetir. À
linhagem mecânica, de Platão a Hobbes e aos philosophes das Luzes, contrapõe-se
a seqüência orgânica, seguindo de Aristóteles aos estóicos, e deles aos
românticos. Evidentemente, nenhum desses paradigmas foi utilizado, sempre, de
modo unívoco ou sem "contaminações" pelo seu oposto. Nem tudo em
Aristóteles é "orgânico". Georges Canguilhem mostra as dificuldades
encontradas, nesse sentido, para se definir uma ou outra perspectiva. (...)
Devemos, na realidade, fazer descer até Aristóteles a assimilação do organismo
a certa máquina (...) Aristóteles encontrou, na construção das máquinas de
guerra, como as catapultas, a permissão de assimilar a movimentos mecânicos
automáticos os movimentos dos animais. (...) Ele assimila efetivamente os
órgãos do movimento animal aos `organa', ou seja, partes de máquinas de guerra,
por exemplo, o braço de uma catapulta que vai lançar o projetil (...) Ele foi
fiel, neste ponto, a Platão, o qual, no Timeu, definiu o movimento das
vértebras como se fossem os de gonzos". Cf. Canguilhem, G. "Machine
et organisme", in: La connaissance de la vie. Paris:
Vrin, 1980, pp. 107-108. “ Cf. Roberto Romano : “A crise dos paradigmas e a
emergência da reflexão ética, hoje” in Revista Educação e Sociedade, volume
19, número 65, dezembro de 1998.
64 Cf.
Roberto Romano: "Prefácio" a Franz Rosenzweig, Hegel e o Estado (São
Paulo, Ed. Perspectiva, 2008); "A dança e a Lira: notas sobre a Guerra e a
Paz en Hegel, Empédocles e Hölderlin" e também "Hegel e a
Guerra" in O Caldeirão de Medéia (São Paulo, Ed. Perspectiva, 2001),
páginas 87 a 101.
65 O Dicionário
Hegel de M.J. Inwood pode ser de alguma ajuda neste ponto. Diz o autor
que Hegel distingue entre um agregado (no qual as partes são anteriores ao
todo) e no qual o todo só pode ser conhecido se entendermos cada uma das
partes. Tal agregado, diríamos, seria a massa atomizada de indivíduos que não
podem responder pela Constituição do Estado. Já Das Ganze é usado para um todo como o Espírito, um organismo ou
sistema, cujas partes não podem ser removidas, ou só podem ser removidas com
prejuízo para as partes restantes. Tal todo não é feito por agregação, mas por
desenvolvimento de seu conceito. O todo é anterior às partes e estas só podem
ser compreendidas nos termos do todo. Cada parte serve ao telos do Todo.
"A verdade é o todo. Mas o todo é apenas a essência (Wesen) que aperfeiçoa a si mesma em seu desenvolvimento". Ele
usa muitas vezes o termo Teile de semelhante todo, mas prefere com frequência a
palavra Glieder (membros), Organe ou Momente (momentos) que não sugerem ser a
parte separável. Este conceito aparece em Aristóteles, místicos como Böhme e
Kant. Ele pode ser comparado ao to pan
da Metafísica
aristotélica (o todo, a totalidade) das partes e to holon (o todo). Um holon para Aristóteles não é apenas o
todo das suas partes, mas ele tem uma causa interna de unidade, uma forma. O
latim para ganz é totus, que deu nascimento, na
escolástica, ao totalis e à totalitas. No século 16 alemão eles se tornaram
total e Totalität. Este último termo significa "totalidade" tanto no
sentido de completude, inteireza e de uma totalidade, um todo. Ele difere de Ganzheit em dois aspectos: ele não
precisa sugerir a articulação interna característica de um todo, mas deve
referir à Allheit (ou to pan). Kant fala de uma absoluta Totalität das condições das entidades condicionadas que está sob as
idéias transcendentais ou uso especulativo da razão (CRP, A 407, B434ff). Aqui
ele sublinha a inatingível completude, Allheit, das condições, não suas
iterrelações sistemáticas. Totatität
marca mais enfaticamente do que das Ganze
a completude do todo, o fato de que nada é deixado fora dele. Um indivíduo
integra o Estado, o seu todo como totalidade. O uso de Hegel da palavra Totalität varia. Ele vai de um simples
agregado químico como "a totalidade das reações (de um elemento quimico e
de outros) presente apenas numa soma total, não como infinito retorno a si
mesmo (Enciclopédia, II, § 336A). Mas com maior frequencia é o todo
que a tudo envolve. Totalidades são entes que pertencem "essencialmente à
razão, ao pensamento do que é concreto, universal: alma, mundo, Deus (Enciclopédia
I, § 30). O princípio de totalidade proibe aplicar a semelhantes entidades um
par de predicados opostos, que excluiria o outro (Enciclopédia, I § 32A).
Cf. M.J. Inwood: A Hegel Dictionary (Wiley Blackwell, 1992) página 309 e seguintes.
66 Cf. Robert Derathé, nota 42 des Leçons sur la Philosophie du Droit (Paris, Vrin, 1975), p. 294.
66 Cf. Robert Derathé, nota 42 des Leçons sur la Philosophie du Droit (Paris, Vrin, 1975), p. 294.
67Eric Weil,
no livro Hegel e o Estado, citado por Robert Derathé, op. cit. página
299.
68 Franz
Rosenzweig: Hegel e o Estado (São Paulo, Ed. Perspectiva, 2008) páginas 474
e 475. Para uma exposição do poder executivo em Hegel, conferir na mesma obra
as páginas 476 e seguintes.
69 McCormick
cita o artigo de Schmitt intitulado "Die andere Hegel-Linie: Hans Freyer
zum 70. Geburtstag" in Christ und Welt 30 (25 de julho,
1957). Cf. Carl Schmitt´s Critique of Liberalism, against politics as
technology (Cambridge, University Press, 1997), página 37, nota 19.
70 Mcormick,
página 47.
71 O texto
de Fraenkel tem como título The Dual State: a contribution to the theory
of dictatorship (New York, Octagon Books, 1969). A primeira edição é de
1941. McCormick, página 247.