terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Roberto Romano, Contas Abertas,09/12/2014

Sem alterar estruturas, fim da corrupção é um sonho dourado, avalia especialista

9 de dezembro de 2014 
Gabriela Salcedo e Dyelle Menezes
Roberto_Romano 

Em meio a denúncias de esquema de corrupção e lavagem de dinheiro da Petrobras, do cartel do Metrô de São Paulo, da compra de votos de congressista com emenda parlamentar, celebra-se hoje o Dia Internacional de Combate à Corrupção.

Nesta data, uma semana após o lançamento do Índice de Percepção da Corrupção em que o Brasil ocupou a nada orgulhosa 69ª posição, o Contas Abertas entrevistou o professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas, Roberto Romano.

O especialista descreve toda a estrutura corrupta que toma conta do Poder Executivo brasileiro, que, segundo ele, possui força desproporcional em relação aos outros poderes. Romano também discorre sobre o tripé formado entre partidos, militantes e empresas que enraízam as estruturas corruptas a fim de se manterem no poder.

“Pouco a pouco, os militantes foram colocados nas estatais e na administração pública para sugarem recursos para partidos. O partido também apadrinha o interesse dos empresários junto ao poder público”, avalia Romano.

Confira a entrevista completa.

Contas Abertas (CA) – No processo de delação da Operação Lava Jato, o executivo Augusto Mendonça Neto, da Toyo Setal, informou que parte da propina paga no esquema de corrupção da Petrobras era feita de maneira oficial ao Partido dos Trabalhadores. O sistema de financiamento público e privado brasileiro colabora com a corrupção eleitoral? A proibição de financiamento por pessoas jurídicas pode reduzir a corrupção?

Roberto Romano - Eu acho essa questão do financiamento público ou privado menor perto do problema mais sério da corrupção no mundo e no Brasil. O problema é que nossa estrutura de Estado concentra no Poder Executivo Federal todas as políticas públicas e todos os financiamentos e também a capacidade de recolher impostos para essas políticas. Isto é, tudo que está relacionado a serviço público é monopolizado pelo Poder Federal. Com isso, o governo federal tem força desproporcional em relação aos outros poderes.

CA – Quais as consequências dessa concentração?

Romano - Vivemos um paradoxo perene, o Brasil vive às custas de medidas provisórias e não há, da parte do Legislativo, nenhum esforço pra tirar esse poder do Executivo, porque isso rende. O caso do escândalo de compra dos parlamentares pela liberação de emendas, nada mais é do que corrupção e isso é feito cotidianamente. O Poder Executivo tem uma estrutura gigantesca no Brasil inteiro, uma burocracia enorme que coloca ventosas em todos os poros da sociedade. Este é o primeiro ponto importante.

CA – Que outro ponto o senhor destacaria?

Romano - Outro ponto pouco discutido, lamentavelmente, é o fenômeno construído desde o século XIX e depois no século XX: o apadrinhamento do partido político. Ao invés do coronel ou aquele nobre da Europa que conseguia os recursos, os partidos políticos assumiram esses papéis, apadrinhando seus militantes. O vencedor nas eleições indica correligionários para os cargos públicos.

Dessa forma, pouco a pouco, os militantes foram colocados nas estatais e na administração pública para sugarem recursos para partidos. O partido também apadrinha o interesse dos empresários junto ao poder público. O tripé está montado com o partido, militantes e empresários. Os empresários pagam aos partidos pelos bons negócios que fizeram, empregando os militantes e dando dinheiro às legendas.

Esse tipo de pesquisa vem sendo feita na Europa e nos Estados Unidos nos últimos dez anos, e aqui no Brasil não. O PT tem seus militantes, que são colocados na Petrobras, na administração pública, com a função de conseguir dinheiro para ganharem as eleições. Todos os partidos brasileiros atuam com essa prática. Para conseguir emprego, é preciso que o partido ganhe eleições. Então, se você está na administração pública, vai fazer tudo para vender facilidades aos empresários e conseguir dinheiro para o partido.

CA – Como o senhor disse, esse tripé é formado no mundo inteiro. O que faz com que ele seja fortalecido no Brasil e não interrompido?

Romano - No Brasil é ainda pior porque não aprovam de maneira nenhuma a regulamentação do lobby. Isso é fundamental quando se fala de corrupção. Hoje, existem 11 projetos sobre o tema no Congresso Nacional e os textos não são discutidos. Os deputados e senadores apadrinhados fazem lobby para os empresários. Se a prática fosse normatizada, os parlamentares não usariam o mandato para fazer lobby. A bancada “x”, “y”, “z” nada mais é que um lobby, financiado, inclusive por meio de parlamentares.

Resumindo, você tem essa estrutura dos partidos apadrinhadores, que tem seus “donos”. Esses permanecessem na direção por 30 anos ou mais, são donos de tudo e, sobretudo, do cofre. Qual é a diferença se o dinheiro vem dos empresários ou do estado se quem vai mexer no cofre são os donos dos partidos, esses grandes apadrinhadores? Eles distribuem os benefícios para seus apadrinhados. O episódio do dinheiro de propina ir para o cofre do PT de forma legal é um exemplo muito claro dessa estrutura de apadrinhamento. Enquanto o Brasil não for federalizado, a Presidência não perder os “poderes excepcionais” e o Congresso não for independente, falar em fim da corrupção é um sonho dourado.

CA – É um caso atrás do outro…

Romano - A corrupção tem um lado sincrônico e um diacrônico. O diacrônico é quando um caso é descoberto depois do outro: a polícia descobre, o Ministério Público denuncia, a imprensa divulga e população fica indignada. Isso causa cansaço nas pessoas. O lado mais perverso, no entanto, é o sincrônico. Enquanto um está sendo punido, tem muitos outros operando. O caso da Petrobras estava operando enquanto o Mensalão estava sendo julgado. Aquele que aparece depois pode estar antes e, se não é descoberto, denuncia-se o resultado e não o pressuposto. Perdemos muito tempo discutindo financiamento e deixamos de lado os pontos mais vitais e dolorosos nessa estrutura da corrupção.

CA – É muito comum acompanhar discussão entre oposição e situação de quando começou os esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras. A corrupção no Brasil está tão estrutural que não pode mais ser alterada simplesmente por um novo governo? Quais são as medidas necessárias para que se acabe com os esquemas?

Romano - Sempre defendo o aspecto sistêmico da corrupção no Brasil. Praticamente todos os partidos fazem apadrinhamento, por exemplo, é um sistema que ninguém escapa. No escândalo da Petrobras, a defesa de um empresário entrou com um argumento de que “eles eram obrigados a pagar propina”. O juiz Moro deu uma resposta que acho magnífica, uma coisa é você ser achacado por um assaltante de rua que te coloca um revólver na cabeça e outra muito diferente é você se reunir com o corrupto para planejar o assalto ao cofre público. Existe cumplicidade, ninguém obrigava ninguém. Querer jogar a culpa um nas costas do outro, a origem do esquema, é uma desculpa muito fácil, tênue, que não resiste ao mínimo exame lógico e factual. O que vemos é um procedimento que vem justamente da estrutura maior do Estado brasileiro, que coloca bilhões na mão de funcionários que não têm que responder pelo seu exercício.

CA – Há descaso com a prestação de contas no Brasil, então?

Romano - Por que a Petrobras, por exemplo, recebe especial autorização pra fazer licitação que não está de acordo com o código de licitação do próprio governo? Isso mostra que nossa estrutura de estado não prima pela responsabilidade e pela accountability. O Contas Abertas, por exemplo, é justamente para abrir o segredo dos cofres para o cidadão. Vou contar uma anedota verdadeira que aconteceu no século XVII, período absolutista. A burguesia queria que o rei prestasse contas do que tinha no cofre, porque ele queria aumentar os impostos. O clero na época deu o seguinte juízo: os cofres eram como santíssimo sacramento, só poderia abri-lo quem era ordenado pra isso. No Brasil, é mais ou menos isso. O fato de ter a maior empresa do país com as contas praticamente fechadas levou a esse descaso.

CA – A Polícia Federal acabou de fechar as conta dos envolvidos no Cartel do Metrô de São Paulo. Foram 33 indiciados, incluindo o presidente e o diretor de operações da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Segundo a PF, os crimes foram praticados durante dez anos, de 1998 a 2008. Desviaram-se R$ 834 milhões. Geraldo Alkmin e José Serra foram governadores na época. Assim como Lula e Dilma afirmam que não sabiam do Mensalão e dos esquemas da Petrobras, os pessedebistas também falam que não sabem de nada. É possível casos tão grandes de corrupção, com volume enorme de recursos desviados, não chegar ao poder executivo?

Romano - O que aconteceu no Brasil é que não se baniu de vez o costume instaurado no Império da irresponsabilidade do chefe-de-Estado. Na prática, a responsabilização não funciona, porque o presidente da República goza dos mesmos benefícios que o imperadores tinham. Isso foi elaborado na nossa história política e marca nossa estrutura de Estado, fazendo com que ela seja pouco republicana. Muitos juristas falam que a República brasileira é uma República imperial.

CA – Como a falta de responsabilização afeta a política brasileira atualmente?

Romano - Se tivéssemos o princípio da responsabilização, o fato de alguém dizer que “não sabe de nada” já seria um crime. A pessoa comanda todo o Estado, a aprovação de todos os atos do governo, como diz que não sabe? Essa resposta só é utilizada no Brasil porque não interessa responsabilizar, de fato, as chefias do governo por conta da hegemonia do Poder Executivo. Fico até nervoso quando escuto essa história de não sabia como uma desculpa que acaba com a conversa. Não sabia, então por que você não sabia? O Lula, na época do Mensalão, foi à televisão dizer que havia sido traído e, depois, disse que o Mensalão era uma farsa. Mas não era farsa, então quer dizer que foi traído ou liderou. Essa questão precisa ser mais cobrada tanto pelo Ministério Público, pela cidadania e pela imprensa. Dizer que não sabe não é desculpa, é álibi. O agente público foi escolhido para saber. O cidadão que paga impostos caríssimos votou nele para administrar bem os recursos públicos. Se um prefeito diz que não sabe já é horrível, um governador mais ainda, agora se um presidente diz que não sabe, é inominável.

CA – A sensação é que há mais corrupção. O governo rebate falando em mais investigação e mais punição. Qual lado é mais forte na opinião do senhor?

Romano - Esse é um ponto que precisa ser visto e é por isso que apresento sempre essa questão do sincrônico e diacrônico. Quando você considera o diacrônico, é evidente que tende a aumentar. Ninguém falava em bilhões na época do Collor. O grande escândalo era de poucos milhões. A magnitude passou de milhão para bilhões. É evidente que alguma coisa muito grave aconteceu no ponto de vista da corrupção. Pela visão sincrônica, você vê que essa prática coexiste desde as épocas das empreiteiras, desde Getúlio Vargas, construção de Brasília com JK, a suspeitíssima opção do transporte rodoviário ante o ferroviário.

Não aumentou a corrupção, ela está incólume e produz feitos cada vez maiores. O problema não é a corrupção e sim a estrutura que permite que ela sempre esteja no horizonte, se estabeleça. Durante os oito anos do governo petista, a oposição do PSDB foi extremamente frágil. Se você analisa as críticas e as lutas da oposição no Congresso durante o governo Lula e Dilma, você vê que era praticamente uma oposição cor de rosa, não era pra valer. Esse é um ponto, essa estrutura da excessiva força ao Executivo. Costumo dizer que o executivo é um gigante de pé de barro: pode tudo, mas precisa da aprovação do Congresso e essa é a hora do “é dando que se recebe”.

CA – O ministro chefe da CGU, Jorge Hage, acabou de pedir demissão. Há tempos a Pasta sofre com contingenciamento de orçamento e falta de pessoal. Como o senhor analisa o trabalho da CGU e quais as consequências disso no combate à corrupção?

Romano - O trabalho dirigido por Hage é muito bom. Foi implementada uma série de procedimentos muito sérios, como sortear municípios a ser fiscalizados e não escolhidos a dedo para evitar perseguição política. Por outro lado, o órgão ainda não pune as pessoas uniformemente. Quer dizer, se tem um prefeito quase analfabeto, o rigor é um, agora se pega um sociólogo, um economista, o rigor é maior. É uma instituição muito interessante do ponto de vista da fiscalização.

O problema é essa reclamação que fazem em relação ao quadro de pessoal. Se aumentam os fiscalizadores, a CGU pode se transformar em uma instituição poderosíssima e perseguir outros. Além disso, teria a duplicação de tarefas, pois já tem o Ministério Público, a Polícia Federal com a função de fiscalizar. Sempre precisa de mais gente, mas qual é o limite? Se alguém que não tem tanto senso de democracia assume esse poder, a CGU pode se transformar numa instituição de perseguição alheia.

Ao meu juízo, uma instituição útil, muito séria, mas com muitos riscos de um lado e de outro. Creio que ela poderia ter um tamanho, uma destinação um pouco mais seletiva, mais restrita e cumprir seu papel sem precisar de se transformar num gigante. Quando se tem uma instituição com esse alcance que cresce muito, evidentemente que começa a usar esse poder para influenciar a balança das forças.
Então é preciso ter um pouco de dimensão dos problemas. Acho que o Hage cumpriu muito bem seu papel, mas essas reivindicações são de alguém que ficou desanimado e não viu outro caminho, sem muita confiança na ação da Polícia Federal e do Ministério Público. De certa maneira, tem razão, porque quando vêm as críticas, é sempre a CGU que é questionada. Atribui-se a ela um poder que não possui. Essa reação dele vem justamente por conta dessa pressão, que, na minha opinião, é injusta.