Depois da tempestade, 2015 trará a cobrança
Josias de Souza
Primeiro,
a boa notícia: às vésperas do encerramento do ano, o ministro Guido
Mantega veio à boca do palco para informar que a economia do Brasil
nunca esteve tão sólida. Agora, a melhor notícia: dentro de 24 horas,
não haverá mais Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Mas, atenção,
essas são as únicas novidades alvissareiras deste ocaso de 2014.
Se
alguém lhe desejar um ‘próspero Ano-Novo’ à zero hora desta
quinta-feira, 1º de janeiro de 2015, desconfie —é cinismo, ingenuidade
ou desinformação. Hoje, prosperidade é outro nome para ilusão. Chama-se
Joaquim ‘Mãos de Tesoura’ Levy o substituto de Mantega. Ele chega para
desfazer os truques. Depois da tempestade provocada pela contabilidade
criativa, virá a cobrança.
O
otimismo é uma obsessão das passagens de ano. Se, ao mastigar a
lentilha, você ficar tentado a entrar na onda, experimente fazer um
exercício mental. Imagine que o Brasil pode melhorar, deve melhorar, tem
que melhorar. Finja que o momento é agora. Simule otimismo. Faça cara
de quem acredita que tudo dará certo em 2015. Muito bem. Agora, pense no
novo ministério da Dilma.
O
Kassab nas Cidades, El Cid na Educação, o filho do Jader na Pesca, o
afilhado do Renan no Turismo, o pastor da Universal no Esporte, o amigo
do Valdemar Costa Neto nos Transportes e um estonteante etcétera…
Desanimou, certo? Natural. É impossível pensar no novo ministério da
Dilma e continuar otimista. Não há o menor risco funcionar.
Antes
mesmo do Ano-Novo, Dilma decidiu que, no segundo mandato, será outra
mulher. Ela se apalpou e detectou insuspeitados focos de prosperidade na
cintura. Numa noite úmida do verão brasiliense, acordou sobressaltada
no Alvorada. Sonhara que era o Delfim Netto. Teve de certificar-se de
que a escolha de Levy não fizera dela uma neoliberal, embora precisasse
de uma dieta. Se tudo der certo, chega à hora da posse 13 quilos mais
magra. No momento, pesa-lhe apenas a consciência.
Alguém
que ainda consegue discursar em defesa da moralidade depois de ter
comandado o Conselho de Administração da Petrobras e de não ter notado
que o patrimônio nacional era saqueado pelos esquemas que acompanham o
petismo no poder…, uma pessoa assim tão, digamos, distraída, é um
desafio à oftalmologia, não a presidente reeleita que 2015 mereceria
para ser feliz.
Dentro
de poucas horas, na cerimônia de posse, Dilma lerá mais um
pronunciamento com as digitais de João Santana. Apelará para a fantasia
que substitui e redime a realidade. Melhor que seja assim, porque a
fantasia é sempre uma opção preferível ao caos. De resto, o convívio com
empulhações é uma velha característica da vida nacional. Por que
discriminar 2015? Não seria justo.
O
país vive uma fase de especial vigor dessa sua peculiaridade. A
inflação, os juros e a dívida pública estão nas alturas. O bom senso e o
PIB rastejam próximos de zero. Mas o governo celebra o pleno emprego.
Depois de uma eleição em que brincou de esconde-esconde, a presidente
mostra a faca. Mas não corta direitos dos trabalhadores. Apenas corrige
“distorções”.
Dilma
leva ao pé da letra o lema de sua campanha: governo novo, ideias novas.
Em alguns setores, tem-se a impressão de que, de fato, nada será como
antes. Do ponto de vista econômico, Dilma aderiu a Aécio Neves. Se tudo
correr como foi planejado por Lula, a presidente fará com Levy aquilo
que a lógica e o mercado financeiro esperam dela. Na hipótese de dar
certo, a situação vai piorar bastante antes de melhorar.
Pode
haver algum desemprego. Mas ninguém deve se preocupar. O sucesso da
dieta afastou o risco de a Dilma ser um Delfim Netto disfarçado. Ela
continua sendo uma governante de esquerda. Mantém o ideal socialista
amparada por uma estrutura parlamentar dominada pelo reacionarismo. Mas
não vai barganhar a alma —mesmo porque ela continua prometida ao Lula.
Se
você quiser, a despeito de tudo, continuar a crer num “próspero 2015”
sem correr riscos, convém simplificar sua ilusão e adotar certas
precauções. Sempre que der de cara com o Paulo Maluf defendendo o
governo, não desanime. A Justiça Eleitoral considerou-o um ficha-limpa.
Ele estará na Câmara em 2015. A reincidência do Maluf é parte da
prosperidade de faz-de-conta.
Leve
no bolso do colete uma dose de ceticismo. Não traz felicidade, mas
funciona como uma espécie de Isordil metafórico. Evita, por exemplo, o
infarto dos eleitores de Dilma na hora que se derem conta de que votaram
no aumento do superávit primário. Paciência. Embora o João Santana não
tenha avisado, é assim mesmo. Depois da tempestade, sempre vem a
cobrança.
Para que o ruim não fique ainda pior, abra bem os olhos na hora da virada. Do contrário, o último a sair de 2014 rouba a luz.