quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Diário do Comércio, São Paulo.

Corrupção pode levar o Brasil a nova ditadura

Para o cientista político Roberto Romano, os políticos estão cada vez mais

A escalada no volume de casos de corrupção e a falta de ética dos políticos brasileiros para combatê-los afeta cada vez mais a legitimidade das instituições democráticas diante da população. Isso pode levar o País a um novo regime de exceção, inclusive, com apoio popular. A antevisão é do cientista político e professor-titular do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, ao analisar a absolvição da deputada Jaqueline Roriz no processo de cassação de seu mandado, anteontem, na Câmara federal. Em entrevista ao Diário do Comércio, o filósofo observa que a instituição do foro privilegiado para políticos os deixaram "mais arrogantes, mais ousados e mais delinquentes". A seguir, os principais pontos da entrevista.

Diário do Comércio – A absolvição pode ser considerado um caso clássico de conflito entre a norma e a ética?
Roberto Romano – Temos dois princípios que regem a atuação dos poderes na era moderna. O primeiro. é o princípio da legalidade, que define os procedimentos legais. O segundo é o princípio da legitimidade. A questão é que, embora legal, aquele ato do poder corresponde à vontade soberana do povo. Não podemos esquecer que as constituições democráticas modernas colocam o povo como soberano e não seus representantes. No caso da deputada Jaqueline Roriz tivemos uma aplicação de normas legais, que distanciaram enormemente o Congresso e sobretudo a Câmara dos Deputados da legitimidade. Temos aqui uma espécie de tiro no próprio pé dados pelos deputados. Eles estão ampliando o campo da opinião pública no sentido de fechar o parlamento e acabar com o sistema representativo como forma legítima de governo.
DC – Com a declaração de inocência de Roriz, que exemplo os políticos oferecem para a sociedade brasileira?
Romano – Os exemplos da arrogância e da covardia, porque se esconderam atrás do voto secreto e de irresponsabilidade, pela falta de respeito pelos princípios da ética.
DC – Seria o caso de alterar a norma para atender a necessidade ética?
Romano – O que ocorre no caso brasileiro é que desde a instauração do privilégio de foro para os políticos, a situação da corrupção e da falta de ética pioraram muito. Eu não tenho nenhuma ilusão de que em qualquer governo ou sociedade deixe um dia de existir a corrupção. É um fato devido a um grande conglomerado de interesses. Agora, desde o privilégio de foro, os políticos se tornaram mais arrogantes, mais ousados e mais delinquentes. Enfim, se você não muda essa norma – e eu me espanto de o Supremo Tribunal Federal aceitá-la – evidentemente não podemos esperar nada mais dos políticos. Veja que até a Ficha Limpa está sob ameaça de não ser cumprida.
DC – Essa situação de corrupção deve, entretanto, ficar por isso mesmo?
Romano – Não vai ficar por isso mesmo, vai ficar pior. Veja, nós temos uma visão muito ligada ao cotidiano, a um tempo curto. Esquecemos de ver a curva do tempo. Temos que pensar em termos macros, históricos. O que acontece com o Brasil é que ele está caminhando rapidamente para termos um regime plenamente corrupto, sem legitimidade e cuja legalidade vai depender da força econômica ou da força política do jogo de interesses. Estamos, na verdade, preparando uma ditadura pior que as vividas no período Vargas e no regime militar.
Estamos inoculando na população a ojeriza ao princípio representativo. Isso aconteceu no século 20, na Itália e na Alemanha, e o resultado foi o fascismo e o nazismo. Isso aconteceu aqui no Brasil, com a República Velha, altamente corrompida e ligada a grupos de interesses, e, em 64, tínhamos os processos de corrupção política que deram inclusive origem a mitos, como o caso de Jânio Quadros, que se apresentou como o político que iria lutar contra a corrupção e o resultado foi a ditadura. É bom lembrar que o golpe de 64 foi feito contra a corrupção e contra a subversão. Na verdade eles conseguiram, na cabeça deles (militares) acabar com a subversão, mas eles se deram muito bem com os corruptos. Com o que vemos hoje, podemos concluir que foram 20 anos de regime autoritário para nada!
DC – Não aprendemos com nossos erros...
Romano – Estamos novamente caminhando para uma ditadura pior, com apoio popular. Já temos pesquisas de falta de confiança nas instituições. Tudo preparado pelos próprios políticos. São cegos guiando cegos.

E na revista Carta Capital....


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Carta Capital.

Política

As incógnitas do Ficha Limpa

A chamada “politização” do Supremo Tribunal Federal (STF) pode fazer com que a lei da Ficha Limpa, aprovada pela Câmara dos Deputadas e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, caia para sempre. É o que afirma Roberto Romano, professor de Ética Política da Unicamp. Em março, o STF não sancionou a aplicação da lei, que valeria apenas para as próximas eleições, em 2012.

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No entanto, assim que a decisão foi tomada, novas ações entraram em pauta, colocando em xeque a aplicação de uma lei apresentada por iniciativa de dois milhões de brasileiros e que impediria que “aquelas pessoas que são conhecidas por se apropriar indevidamente do erário público” subam ao poder, como definiu o próprio Romano.

O ministro Luiz Fux, o voto de Minerva na última votação, é justamente o relator das ações. De um lado, há os que contestam a validade da lei somente a partir de 2012. Querem a aplicação da norma já. É o caso do Partido Popular Socialista (PPS), que entrou com uma Ação Declaratória de Constituconalidade argumentando que a lei não fere o princípio da presunção de inocência – como argumentam os contrários ao projeto – nem o da irretroatividade. Segundo a defesa do partido, portanto, a lei poderá valer para crimes de políticos cometidos antes da aprovação da lei.

Do outro lado, está a Confederação Nacional das Profissões Liberais, que afirma ser inconstitucional o preceito da lei que declara inelegível quem for excluído do exercício da profissão por decisão do conselho profissional. Fux afirma que, devido à sua relevância, a questão deve ser julgada definitivamente antes do início do exercício eleitoral de 2012.

Indicados pelo Executivo e submetidos ao contexto político vigente, o voto dos ministros estará submetido ao próprio lobby que hoje é marca dos fóruns legislativos, analisa Romano. “São 11 juízes com visões bastante conflitantes.Você não tem uma magistratura homogênea”, afirmou. Assim, o lado que fizer mais lobby deve ganhar, explica ele. Outra questão decisiva é a saída da ministra Ellen Gracie, que votou a favor da validade da lei. Agora, é esperar para ver a próxima indicação.

“A Ficha Limpa dará ao eleitor a certeza mínima de que o candidato não é useiro e vezeiro de meter a mão nos cofres públicos”, diz Romano. O filósofo acredita que, sem mecanismos de controle – como o Ficha Limpa – e com a sucessão de escândalos que surgem no mundo político, o risco é que a democracia seja colocada em dúvida pela própria população. “O sistema democrático está entrando em rota de colisão com a confiança no regime democrático”, diz ele. Um fenômeno cada vez mais comum é que pessoas admitam preferir regimes ditatoriais, tamanha é a falta de confiança nos fóruns democráticos. A regulamentação do lobby e o fim do Foro Privilegiado seriam os primeiros passos para que o eleitor voltasse, aos poucos, a acreditar nas instituições republicanas, segundo Romano.

Se aprovada a lei da Ficha Limpa, partidos mais fisiológicos teriam uma redução natural de seus quadros. O PP, por exemplo, teria apenas 4 dos atuais 41 deputados com condições de assumir o mandato. PR, PTB e até mesmo o gigante PMDB teriam de selecionar melhor os seus quadros, analisa David Fleischer, cientista social da UNB.

PT e PSDB, no entanto, poderiam se beneficiar da proposta. “PT e PSDB não têm (teriam..RR) motivos para temer o Ficha Limpa”, diz Romano. “Apesar de problemas históricos, não é a norma geral de comportamento políticos ‘ficha suja’”.

Escolhas com mais critério devem ser aplicadas também no Executivo, diz Fleischer. Há uma tendência de se aplicar a lei para as nomeações de segundo escalão. “Isso seria outra revolução”, afirma. “O novo governador de Brasília já aplicou Ficha Limpa, alguns Estados e Municípios estão seguindo isso,” comenta.