quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Computação, Matemática e Filosofia

E para que serve isso?

by fernando

Muitos cientistas, quando precisam apresentar os resultados de suas pesquisas ao grande público (e, muitas vezes, a seus próprios pares), são confrontados com a famosa pergunta: “E para que serve isso?”. O leitor faça um experimento simples: entre na seção de ciências de qualquer jornal online e leia os comentários dos leitores a qualquer artigo lá publicado. Invariavelmente, muitos perguntam qual a serventia prática das descobertas reportadas. Outros tantos apontam para a inutilidade das pesquisas. (Sim, eu sei que as páginas de comentários na internet são particularmente ruins, mas acho que a experiência é válida.)

Como matemático, estou acostumado a receber essa pergunta quase sempre. Às vezes ela se refere apenas à matemática, outras vezes a toda ciência. Sempre que isso acontece, lembro da seguinte história sobre Faraday que ouvi em algum lugar há muito tempo. Certa vez, Faraday apresentava seu trabalho sobre eltromagnetismo e ao final foi questionado por um jornalista sobre a serventia do trabalho, ao que respondeu “Isso é um bebê. Qual a serventia de um bebê?”. O que o jornalista não poderia imaginar é que o trabalho apresentado por Faraday está no coração do funcionamento dos geradores de eletricidade que encontramos em toda usina elétrica; o trabalho de Faraday mudou o mundo.

Essa era a versão da qual eu me lembrava. Recentemente fui atrás da citação inteira e encontrei um artigo muito interessante e detalhado a respeito do assunto (B. Cohen, “Faraday and Franklin’s ‘Newborn Baby’”, Proceedings of the American Philosophical Society 131 (1987) 177-182). A história como eu contei no parágrafo acima não é completamente correta. Em primeiro lugar, Faraday de fato usou a metáfora do recém-nascido, atribuindo-a a Benjamin Franklin. Ele a oferece como resposta à pergunta da serventia das descobertas científicas ao tratar do caso da descoberta do cloro. Faraday também oferece uma resposta à pergunta de Franklin (“qual a serventia de um bebê?”), ele diz: “a resposta de um experimentalista deve ser: trabalhe para que seja útil.”

O autor do artigo que citei acima ainda comenta outro caso envolvendo Faraday cuja autenticidade não é tão clara, mas é um caso muito interessante. Ao apresentar seu trabalho sobre eletromagnetismo ao Primeiro Ministro, Faraday foi surpreendido pela pergunta “e para que serviria isso?”. Considero sua suposta resposta excelente, especialmente por se tratar de um político a fazer a pergunta: “Bem, senhor, há grandes chances do senhor poder cobrar impostos sobre minha descoberta!”

Vale a pena ler o artigo de Cohen, que ainda contém o exempo do pára-raios, inventado por Franklin. Mesmo após a descoberta da eletricidade, não era claro que os relâmpagos eram fenômenos elétricos. O próprio Franklin não via grandes aplicações para o estudo da eletricidade. Depois da confirmação de que os relâmpagos eram de fato fenômenos elétricos, Franklin teve a idéia do pára-raios.

Finalizando, nem sempre é fácil responder para que servem descobertas científicas. Mas também não é fácil responder para que servem os bebês ou o que de útil eles farão quando crescerem… E essa me parece uma boa resposta aos que duvidam da utilidade da ciência.