Corrupção endêmica assola mundo político
O filósofo Roberto Romano faz uma análise da crise política que atinge cidades da região de Campinas
26/11/2011 - 10h12 . Atualizada em 26/11/2011 - 10h27
(Foto: Rogério Capela/AAN)
Seis meses depois de uma crise política que trouxe prejuízos de ordem financeira, inércia administrativa e piora na prestação do serviço público de Campinas — desde atraso na entrega de medicamentos a problemas de asfaltamento —, o filósofo Roberto Romano, em entrevista ao Correio, analisa os desafios da atual gestão e as críticas de partidários do prefeito Demétrio Vilagra (PT) de que a ação do Ministério Público (MP) na cidade tenha caráter político.
De acordo com ele, as prisões em Limeira de parentes do prefeito mostram que os contínuos focos de desvio de dinheiro público no País são reveladores de um cenário de corrupção endêmica. Para o professor, é cedo para se dizer se Demétrio é inocente ou culpado das acusações. Mas, em função da consistência das provas apresentadas pelo MP, a construção da governabilidade dentro da Câmara se tornou praticamente inviável. A tentativa de reconquistar a opinião pública passa por mudanças efetivas na equipe e de seu comportamento diante da crise.
Correio — A crise política instalada em Campinas completou seis meses sem perspectivas de ser encerrada. Como devolver a normalidade institucional ao município?
Roberto Romano —A crise não é localizada só em Campinas. É de todos os municípios brasileiros. Ficou muito claro com Limeira (que provocou as prisões de parentes do prefeito, na última quinta-feira, suspeitos de envolvimento com lavagem de dinheiro). Você tem espalhado pelo País o desrespeito à lei e ao patrimônio público. Isso já é um elemento de paralisia das funções normais dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Cada um deles tem uma função, e com esta corrupção endêmica que nós notamos, suas ações ficam voltadas para estes temas. O Executivo para sua defesa, o Legislativo tenta remediar estes problemas, e o Judiciário, que tem muitos problemas e questões gravíssima a serem tratadas, é dirigido para estas pessoas que deveriam ter fé pública e respeito pelo povo. A máquina do Estado não chega a ser paralisada, mas a parte mais substancial é prejudicada.
Ainda existem condições para que Demétrio construa governabilidade dentro da Câmara e tenha condições de administrar o município?
A governabilidade supõe em primeira instância a fé publica. O eleitor, que é o soberano, segundo a Constituição, precisa confiar naquele indivíduo, naquele partido. Neste caso, ficou claro que os danos na administração do dr. Hélio, quanto no caso atual (Demétrio), tornam muito difícil a confiança da população. Todos os presidentes, governadores e prefeitos no Brasil têm sistematicamente conseguido base sólida no Legislativo, com o toma lá dá cá, o dando que se recebe. Não é impossível que ele consiga uma base na Câmara, mas essa base vai ter que enfrentar os problemas que ele enfrenta. O Demétrio vai ter de responder as acusações feitas pelo MP e acolhidas pelo Judiciário. Essa base vai ter uma fundamentação muito frágil. Ele é um réu e não pode ser pré-julgado, mas, se for considerado culpado, como fica esta base aliada?
Na sua opinião, o que o governo precisa fazer para ganhar novamente a confiança da opinião pública?
O Demétrio mostrou na interinidade anterior que está disposto a fazer propaganda. Aquele Código de Ética era pura propaganda (em setembro, Demétrio assinou um decreto que prevê obrigações éticas e morais para os servidores públicos). Estava evidente que foi feito para responder a situação atual da Prefeitura. Não foi o produto de um trabalho elaborado, de uma tradição de cultura e ética. Eu chamei de esparadrapo colocado sobre o câncer. Nisso, ele imitou o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, denunciado pelo uso de jatinhos, que criou um código de ética para a administração. Sou sempre contrário a estes códigos de ética que são reduzidos ao estatuto de propaganda. Ele pode conquistar de novo a opinião pública, mas precisa ser mais prudente e escolher melhor seus auxiliares. Esta discussão do chefe de gabinete (Nilson Lucilio), questionando de forma desabrida e imprudente o trabalho do Gaeco, não faz sentido...
Advogados do prefeito e membros do PT falam que as ações do MP têm motivação política. O senhor concorda?
Não é impossível, mas, neste caso, é muito difícil de se provar esta afirmação. Já vimos casos no Ministério Público Federal de procuradores da República que foram punidos por escolherem alvos contrários a certa ideologia. O MP é composto por seres humanos que vivem em sociedade e que têm opinião. Mas, no caso de Campinas, as provas são robustas. As alegações do MP e sua argumentação são perfeitamente legítimas do ponto de vista da apresentação jurídica.
Quem defende esta tese alega que nas escutas interceptadas pelo Gaeco há empresas do governo estadual — administradas pelo PSDB — e que não se tem notícias de nenhuma investigação.
Acho que, em vez de alegar isso, deveriam entrar com uma representação para que isto fosse investigado. Qualquer cidadão tem o direito de exigir no MP que o caso seja investigado, se existe esta suspeita, deve ser cobrada. O fato de empresas do Estado estarem nas escutas não apaga das conversas as pessoas que estão sendo investigadas e processadas. A menos que se aceite a lógica que todos são ladrões. Se assumirmos que todos são iguais e ninguém deve ser punido, estamos no descalabro absoluto. Isso é o fim do mundo do ponto de vista ético. Se existe desconfiança, devem cobrar o MP em São Paulo para que abram investigação em São Paulo contra o Estado.