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7. Pesquisa pobre ou pobre pesquisa?, artigo de Roberto Romano
Elio Gaspari expôs na 'Folha de SP' um desvio universitário, relativo à história. Certo volume com erros foi imposto em concursos públicos. Isto gera problemas graves de direito coletivo e individual. Li a denúncia de Gaspari e procurei me inteirar sobre o assunto, confirmando o que ele indicou.
No intervalo, a memória começou a operar. Recordei-me de que há pouco tempo, na USP, integrei, com a autora do livro em questão, mesa redonda destinada a festejar calouros. Dei conta do meu recado e me calei. Na hora da mestra, ouvi algo espantoso: os pesquisadores deveriam aprender, doravante, a trabalhar com recursos pobres.
Esta seria a novidade para os antigos habitantes do campus e para os novos. Repliquei que pesquisa se faz com o suficiente para atingir fins idôneos. Definir pelo orçamento uma busca é misturar setores apenas complementares.
Se a pesquisa deve ser feita, isso exige juízo segundo os méritos intrínsecos, os métodos, a abrangência. O orçamento integra o trabalho, mas não é sua alma. Na elaboração de um orçamento percebemos se alguém pertence ao campo acadêmico.
Se almeja usar arquivos de acesso e manipulação difícil, ou pensa que a historiografia sobre o seu tema é errônea ou imprecisa, mas apresenta orçamentos em que as despesas estão aquém do compatível com o proposto, a pessoa patina no terreno onde quer inovar.
Se ela prevê recursos além do necessário, o caso deixa a ciência e entra nas páginas policiais. Imaginei que uma epistemologia bizarra tinha sido ideada na USP, especialmente para o setor histórico.
Depois, li na revista da associação docente da USP uma conversa com o reitor da época, com as mesmas teses sobre a pesquisa com parcos recursos. A identidade entre a fala reitoral e a da professora me espantou.
Que um administrador de empresas imagine serem os meios econômicos 'pobres' um modo de conduzir certo campo econômico a bom fim é esquisito. Mas que um historiador assuma isso como diretriz, é paradoxal.
Pesquisa se faz com o suficiente, segundo méritos científicos. Existem, visando correto julgamento, medidas próprias para cada área. Investigações podem ter, num campo, custo elevado mas necessário. Em outro, bastam verbas menores. Decisivo é analisar cada estudo.
Não é o orçamento em física experimental ou biologia que pode qualificar as investigações daqueles setores, mas a sua relevância para a humanidade. Fundos maiores ou menores, este tema pertence aos políticos que manipulam recursos estatais.
Tudo o que lhes parece caro, ou prejudica outras rubricas orçamentárias, é inútil. Felizmente, as decisões sobre os investimentos científicos e tecnológicos não se medem com tal metro curto.
Quando os recursos escasseiam e o anonimato das agências financiadoras serve para assessores, sem restrições éticas, enquanto meio para desqualificar projetos concorrentes, todo cuidado é pouco com slogans sobre pesquisa pobre.
Sendo cara toda a busca científica, a mediocridade acadêmica é imperdoável. O autor que ignora fatos, não examina o próprio texto, custa muito. Na sua formação foram gastas verbas arrancadas do povo. Universidade barata, só a que não produz conhecimento.
Nela, a garganta magistral e o giz, ambos de baixo custo, substituem laboratórios, bibliotecas. Tristes resultados os da epistemologia pobre, que piora o 'publica ou perece'. Avaliações universitárias exigem livros, mesmo que o preço seja reunir tolices.
A autora da coletânea assumiu as derrapagens do volume. Alguns colegas louvam a sua imprecisão, desculpa para as falhas factuais. Li algo sobre ranços positivistas da pesquisa historiográfica, o que impediria a correta leitura do canhenho publicado.
Pergunto-me sobre os que prestaram concurso público, com esta fonte. Aprovados, distilam bobagens nas mentes jovens. Reprovados, sofreram uma violência contra os seus direitos, atenuando a fé pública entre nós.
Note-se a imprudência, nas cátedras, quando se parola sobre sistemas filosóficos. Pessoas que não leram nenhuma página de Hegel, Comte, Marx dão aos jejunos a certeza de que as interpretações da história pelo positivismo, pelo idealismo ou marxismo, são obsoletas diante das novidades.
Na hermenêutica histórica, estamos longe de superar aquelas produções. Os seus monumentos teóricos devem ser vistos com cautela.
Caso oposto, os incautos inovadores verão suas obras escorregarem, com estrondo - como no caso em pauta -, ou silenciosamente, para o inferno das produções espirituais.
Nota do Editor: Roberto Romano, filósofo, é professor titular de ética e filosofia na Unicamp. Artigo publicado na Folha de SP, 15/4.
Secretaria Geral SBQ