JOÃO VILLAVERDE
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O misterioso caso dos R$ 4 bilhões
Imagine
achar, leitor, em uma conta separada de um banco um volume de R$ 4
bilhões que pertence a você? Repita em voz alta: quatro bilhões de
reais. Nessa magnitude, esse bolo de dinheiro é grande para você, para
mim e, também, para o governo federal.
Pois
é. Em maio, o Banco Central encontrou R$ 4 bilhões em uma conta
separada de uma instituição financeira privada nacional. Esse banco
privado tinha feito uma mudança em seu registro contábil e os R$ 4
bilhões, referentes à um crédito a favor da União, escaparam do sistema
automático de verificação fiscal do Banco Central.
Entramos
agora em um terreno movediço. A história que se segue ainda não tem um
final. Os fatos ainda estão se desenrolando. Vamos por partes, então.
Tudo começou com a informação acima, obtida pela reportagem do Estadão poucos
dias depois que o Tesouro Nacional e o Banco Central (BC) divulgaram os
resultados fiscais referentes ao mês de maio. Os anúncios ocorreram no
fim de junho. Procurado, o BC confirmou oficialmente (“em on”, no jargão
jornalístico) que, de fato, uma quantia de R$ 4 bilhões foi encontrada
em uma conta separada de um banco privado nacional, que em maio havia
feito uma mudança em seu registro contábil.
Ao
encontrar o dinheiro, o BC incorporou o dinheiro no resultado fiscal e
isso, evidentemente, melhorou as contas públicas. Em maio, o setor
público consolidado (União + Estados + municípios) registrou um déficit
de R$ 11 bilhões. Teria sido de R$ 15 bilhões não fosse a descoberta do
crédito de R$ 4 bilhões, afirmou o porta-voz do Banco Central. A reportagem foi publicada na sexta-feira 11 de julho.
Naquele dia, o País ainda estava digerindo a inacreditável derrota da
seleção brasileira para a Alemanha, por 7 x 1, nas semi-finais da Copa
do Mundo.
Diante do barulho criado pela oposição ao
governo Dilma Rousseff e o persistente silêncio do secretário do
Tesouro Nacional para o assunto, o bode permanecia na sala. O mercado estava de olho.
O leitor deve estar até agora fazendo ao menos duas perguntas, nesse ponto:
1) Tá,
o BC encontrou os R$ 4 bilhões em uma conta separada de um banco
privado e, depois que achou essa discrepância nos dados, incorporou o
dinheiro no resultado fiscal… mas por que então o banco privado fez a
mudança em seu registro contábil, que fez com os R$ 4 bilhões escapassem
do BC?
2) Qual era a natureza desses R$ 4 bilhões? Quer dizer: de onde eles saíram?
Aqui a história empaca. Por enquanto, início de agosto de 2014, não há
respostas para as duas perguntas. Mas ainda há um capítulo a ser dito da
história.
Investigação. No dia 15 de julho, o BC soltou uma nota oficial sobre
o assunto. Depois de repetir tudo aquilo que estava inicialmente na
reportagem, o BC informou que sua área de supervisão estava analisando a
operação feita pelo banco privado. Isso é importante.
Segundo advogados que trabalham com causas do sistema financeiro, tanto
em fóruns administrativos quanto no STJ e no Supremo Tribunal Federal,
esse tipo de atuação da área de supervisão do BC não costuma ter
publicidade.
Quer dizer, a a área de supervisão analisa as operações que entende merecer um olhar com lupa, mas faz isso em sigilo. Isso está ocorrendo agora,
em absoluto sigilo, mas com a nota pública, todo o sistema financeiro
sabe que a operação que resultou na colocação do crédito de R$ 4 bilhões
em uma conta em separado por um banco privado está sendo analisada pelo
BC.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, concedeu uma longa entrevista ao Estadão, na semana passada. Questionado sobre o “caso dos R$ 4 bilhões”, Mantega afirmou: “O
Banco Central já explicou tudo, inclusive em nota, que o resultado do
mês de maio foi o déficit de R$ 11 bilhões. Se teve algum problema com
um banco privado, eu não sei e nem quero saber, porque é coisa de sigilo
bancário. Cabe ao BC determinar o que está acontecendo. É da alçada
dele. Pode ter lançamento contábil feito em rubrica errada por uma
instituição privada, seja por engano ou por má fé. Se tiver má fé,
alguém vai pagar o pato. Mas fato é que na hora que o BC apurou o
resultado fiscal, ele fez um levantamento preciso e sem discussão”.
Dois
dias antes, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, que é subordinado
de Mantega, também tinha afirmado algo parecido. Ele disse desconhecer a
natureza dos R$ 4 bilhões encontrados. “Não temos qualquer acesso ao sistema pelo qual eles fazem a conta. Quem faz a conta é o BC”,
disse Augustin durante coletiva onde anunciou os dados fiscais de
junho. Ao ser questionado sobre a origem do dinheiro achado na conta
separada do banco privado, Augustin afirmou que cabia ao Banco Central
esse esclarecimento. “O BC sabe qual é a responsabilidade dele e sabe qual é a nossa”, disse ele. “A discrepância foi esclarecida pelo BC. Não temos acesso ao sistema deles”, repetiu Augustin, diante de questionamentos sobre a operação.
Ou seja…
…o mistério continua.