Odiados enquanto vivos, políticos viram quase santos depois da morte
por
iG São Paulo
Publicada em 26/08/2014 11:08:51
Centro das atenções neste ano eleitoral, os partidos políticos e o Congresso Nacional
são as instituições mais mal avaliadas do Brasil, segundo pesquisa
divulgada em junho pelo Datafolha. Embora seja difícil encontrar um
cidadão disposto a elogiar um político, é tradição no País - e em toda a
América Latina - santifica-lo depois que ele morre.
As milhares de pessoas que se aglomeraram em frente ao caixão
de Eduardo Campos em frente à sede do governo de Pernambuco, em Recife,
há uma semana, não continham as lágrimas. Vestidos
com as cores da bandeira do Brasil ou com camisetas com o rosto do
ex-governador, militantes pernambucanos se confundiam com peregrinos ao
empunhar a bandeira do PSB em uma mão e o rosário na outra.
Desde a madrugada, muitos eleitores justificavam o choro, as orações e
os cânticos religiosos ao afirmar que era como velar um membro da
própria família. "Tomei um choque quando soube de sua morte”, lamentava
na ocasião a aposentada Elisabeth Sousa, de 65 anos. “É como se ele
fosse um parente meu."
Apesar de a comoção ter sido maior em Pernambuco, Eduardo
Campos passou a ser tratado como um político quase sem defeitos em todo o
Brasil, que parou para assistir e a ler sobre os detalhes do velório, enterro e, principalmente, o drama da família, composta por mulher e cinco filhos.
Professor de filosofia
política da Unicamp, Roberto Romano acredita que o Brasil e a América
Latina ainda estão na cultura barroca, absolutista quando se trata de
lidar com a morte. "A exploração desse aspecto macabro é muito comum no
Brasil. É uma tradição sul-americana. Basta se recordar da mobilização
com as mortes de Getúlio Vargas, Simon Bolívar, Hugo Chávez, Evita
Perón", enumera. "A cobertura televisiva da morte de Tancredo Neves foi
um espetáculo horrendo."
O professor cita o prêmio Nobel Elias Canetti para apontar outras
razões para a comoção provocada por um político que acaba de perder a
vida. Ele diz que "um político poderoso é um sobrevivente" porque
encarna a forma mais acabada de poder e, por isso, cada político tem de
matar simbólica, moral e até fisicamente seu adversário, sempre
candidato a poderoso.
Enquanto o concorrente está vivo, ele é uma ameaça combatida pelo
adversário e por seus seguidores, mas tudo muda com a morte. "Ele abre
espaço para o outro e deixa de ser uma ameaça, com potencial de se
transformar em aliado se seus adeptos puderem ser cooptados." A troca de
beijos de Dilma e Aécio no velório de Campos é citada como exemplo.
Psicóloga especialista em luto, Ana Cristina Fraia afirma que, quando
uma pessoa famosa morre, as pessoas identificadas com ela querem
acreditar que o luto é dela também porque, assim, sua vida parece mais
importante do que realmente é. “É a sensação de que ‘nasceu no meu
Estado, estamos ligados. Se ele é importante, eu também sou’”, explica
ela. “Mas é preciso cuidado para que essa identificação não se torne uma
coisa doentia. No fundo, é apenas o preenchimento de um vazio
existencial.”
Família Campos
Há 11 anos coordenadora do Amigos Solidários na Dor do Luto, em
Curitiba (PR), Zelinda de Bona lamenta a situação vivida pela família de
Campos, que precisou assumir compromissos públicos e políticos em vez
de viver o luto. "A ficha começa a cair agora, depois do enterro.
Durante a comoção nacional, a família ainda estava em estado de choque
porque, rodeada por pessoas, não há tempo para vivenciar um fato tão
violento e traumatizante."
Do que pôde acompanhar pela mídia, a especialista viu a força de
Renata Campos, a viúva. "Ela tem sido uma mãe inteira. Não ficou
chorando, reclamando da vida. Ela está mostrando para os filhos que eles
podem contar com ela." Ana Cristina calcula em um ano o período de
qualquer luto em parentesco de primeiro grau. “Alguns se recuperam
antes, outros demoram mais.”
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Odiados enquanto vivos, políticos viram quase santos depois da morte
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