sexta-feira, 5 de junho de 2015

Ao escrever a uma colega muito querida, recordei o artigo que publiquei na Revista USP, sobre Gestão Universitária e Autoritarismo. O diagnóstico é atual, sobretudo com as greves da universidades federais.

http://www.revistas.usp.br/revusp/article/viewFile/13677/15495

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Roberto Romano

Gestão Universitária e Autoritarismo

REVISTA USP, São Paulo, n.78, p. 48-57, junho/agosto 2008 / 57
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A ilusão eleitoral nos  campi  não traz resultados insuspeitos apenas no plano  doutrinário ou ideológico. Na ordem da pesquisa e do ensino os estragos são mais  graves. Sem autonomia efetiva, cada nova “negociação política” entre reitorias e ministérios, mediada por oligarquias e partidos, acarreta engessamento de iniciativas, delongas nas liberações de recursos e, last but not least, a lógica populista que reduz as complexas questões universitárias ao maniqueísmo que exige adesão aos governos ou o inferno da oposição. “No campus, nenhum mandato popular ou divino fornece legitimidade ao exercício do pesquisador/docente ou pesquisador/estudante. Apenas a retidão ética e o conhecimento verdadeiro fornecem autoridade ao corpo acadêmico. Assim, o problema das eleições universitárias é muito grave e de árduo encaminhamento. Se um reitor mostra-se alheio à produção do saber e do ensino e se age tendo em vista os ditames do poder de Estado, ele representa apenas e tão-somente aquele poder no campus
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Ele é um corpo estranho na comunidade. Se não possui autoridade ética e científica, seu governo é uma intromissão permanente do poder na pesquisa, em prejuízo da já mencionada autoridade ética e científica. Se, além disso, o reitor traz para o interior da instituição universitária os interesses dos comprometidos de modo imediato com o poder (como no caso das oligarquias, do mercado, das grandes forças econômicas) ele é nocivo à universidade” [1]
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Os reitores indicados não operam como seus colegas, os diretores de institutos alemães discutidos por Max Weber em “Ciência como Vocação”. Aqueles acadêmicos empreendedores seguiam a lógica do capitalismo. Os nossos reitores operam na lógica patrimonial do Estado absolutista brasileiro. Eles não operam primordialmente com verbas, com os governos e as empresas para tocar os projetos científicos dos campi. Sua função é carrear recursos públicos disputados na ordem política em que vigora o “é dando que se recebe”. Vários reitores tombam, desse modo, na prática patrimonialista que não enxerga limites entre os recursos públicos e os seus, particulares. Como na prática generalizada em nossa política, o simples fato de conseguirem verbas para os campi faz com que eles se considerem essenciais à universidade nesse labor. Daí entenderem seus feitos junto aos ministérios e Congresso como uma série de “favores” aos seus pares dos laboratórios, bibliotecas e salas de aula.

Nos últimos tempos, reitorias que assumiram essa lógica, nas universidades federais, surgem em noticiários políticos e de polícia, ligadas ao uso errôneo de recursos públicos. Para entender o fato, importa examinar, portanto, a estrutura do Estado brasileiro e os costumes políticos que ela ocasiona. Sem autonomia, governadores, prefeitos, reitores são apenas um elo da imensa cadeia do favor que rege a vida política nacional. É quase impossível mudar aquela forma de poder, que centraliza todas as políticas públicas nos gabinetes do Executivo federal. Mas nas universidades operam intelectuais que dominam saberes e práticas as mais sofisticadas. Eles poderiam elaborar planos de autonomia compatíveis com os padrões de pesquisa científica, humanística e de ensino. Se não o fizeram e se não o fazem, é por cumplicidade. Aí, nada mais pode ser dito pelos analistas, porque entramos no terreno do poder e da raison d’État cabocla, fonte de muitos risos e de muitas lágrimas para a  cidadania brasileira.




[1] Pedro Antonio Vieira, “A Armadilha das Urnas: 20 Anos de Eleições Diretas e de Continuísmo na UFSC”, in Waldir  José Rampinelli, O Preço do Voto, os Bastidores de uma Eleição para Reitor, pp. 51 e segs. Roberto Romano, Prefácio à 1a edição de O Preço do Voto, os  Bastidores de uma Eleição para Reitor , op. cit., p. 17