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Roberto Romano
Gestão Universitária e Autoritarismo
REVISTA USP, São Paulo, n.78, p. 48-57,
junho/agosto 2008 / 57
.
A ilusão eleitoral nos campi não traz resultados insuspeitos apenas no
plano doutrinário ou ideológico. Na
ordem da pesquisa e do ensino os estragos são mais graves. Sem autonomia efetiva, cada nova “negociação
política” entre reitorias e ministérios, mediada por oligarquias e partidos,
acarreta engessamento de iniciativas, delongas nas liberações de recursos e, last
but not least, a lógica populista que reduz as complexas questões
universitárias ao maniqueísmo que exige adesão aos governos ou o inferno da
oposição. “No campus, nenhum mandato popular ou divino fornece legitimidade ao
exercício do pesquisador/docente ou pesquisador/estudante. Apenas a retidão
ética e o conhecimento verdadeiro fornecem autoridade ao corpo acadêmico.
Assim, o problema das eleições universitárias é muito grave e de árduo
encaminhamento. Se um reitor mostra-se alheio à produção do saber e do ensino e
se age tendo em vista os ditames do poder de Estado, ele representa apenas e
tão-somente aquele poder no campus
.
Ele é um corpo estranho na comunidade. Se não possui autoridade ética e
científica, seu governo é uma intromissão permanente do poder na pesquisa, em
prejuízo da já mencionada autoridade ética e científica. Se, além disso, o
reitor traz para o interior da instituição universitária os interesses dos comprometidos
de modo imediato com o poder (como no caso das oligarquias, do mercado, das
grandes forças econômicas) ele é nocivo à universidade” [1]
.
Os reitores indicados não operam como seus colegas, os diretores de
institutos alemães discutidos por Max Weber em “Ciência como Vocação”. Aqueles
acadêmicos empreendedores seguiam a lógica do capitalismo. Os nossos reitores
operam na lógica patrimonial do Estado absolutista brasileiro. Eles não operam
primordialmente com verbas, com os governos e as empresas para tocar os
projetos científicos dos campi. Sua função é carrear recursos públicos
disputados na ordem política em que vigora o “é dando que se recebe”. Vários reitores
tombam, desse modo, na prática patrimonialista que não enxerga limites entre os
recursos públicos e os seus, particulares. Como na prática generalizada em
nossa política, o simples fato de conseguirem verbas para os campi faz com que
eles se considerem essenciais à universidade nesse labor. Daí entenderem seus
feitos junto aos ministérios e Congresso como uma série de “favores” aos seus
pares dos laboratórios, bibliotecas e salas de aula.
Nos últimos tempos, reitorias que assumiram essa lógica, nas
universidades federais, surgem em noticiários políticos e de polícia, ligadas
ao uso errôneo de recursos públicos. Para entender o fato, importa examinar, portanto,
a estrutura do Estado brasileiro e os costumes políticos que ela ocasiona. Sem autonomia,
governadores, prefeitos, reitores são apenas um elo da imensa cadeia do favor que
rege a vida política nacional. É quase impossível mudar aquela forma de poder, que
centraliza todas as políticas públicas nos gabinetes do Executivo federal. Mas nas
universidades operam intelectuais que dominam saberes e práticas as mais sofisticadas.
Eles poderiam elaborar planos de autonomia compatíveis com os padrões de pesquisa
científica, humanística e de ensino. Se não o fizeram e se não o fazem, é por cumplicidade.
Aí, nada mais pode ser dito pelos analistas, porque entramos no terreno do
poder e da raison d’État cabocla, fonte de muitos risos e de muitas lágrimas
para a cidadania brasileira.
[1]
Pedro Antonio Vieira, “A Armadilha das Urnas: 20 Anos de Eleições
Diretas e de Continuísmo na UFSC”, in Waldir José Rampinelli, O Preço do Voto, os Bastidores de
uma Eleição para Reitor, pp. 51 e segs. Roberto Romano, Prefácio à 1a edição
de O
Preço do Voto, os Bastidores de uma
Eleição para Reitor , op. cit., p. 17