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Roberto Romano: selvagerias ou disputa democrática?
"Como fruto da propaganda virulenta, a tirania e o controle de indivíduos frágeis se tornou uma praga social"
Joseph Goebbels na Alemanha nazista
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*Roberto Romano é professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp. Escreve quinzenalmente.
O Estupro das Massas pela Propaganda Política é livro a ser
lido por quem deseja entender a situação política. Serge Tchakhotine, em
1939, estudou o sistema nazista e ideou métodos eficazes para vencê-lo.
Integrante da Social Democracia alemã, ele viu seu partido perder para
Hitler por cegueira burocrática, arrogância de intelectuais e dirigentes
oligárquicos. Os social-democratas não imaginaram ser preciso inovar
formas comunicativas nas eleições. Mas Goebbels, baseado em leituras de
Platão, da sofística e do marketing norte-americano, moveu estercos da
alma massificada, mentiras urdidas na consciência racista.
O autor se exilou na França, onde havia um governo de esquerda. Para
ali publicar seu livro, ele sofreu censura dos dirigentes franceses que
"não queriam desagradar Hitler". Existe edição em nossa língua do livro,
publicada pela Civilização Brasileira. O texto foi traduzido por Miguel
Arraes, governador deposto em 1964. O título nacional denuncia a mão de
ferro ditatorial: A Mistificação das Massas pela Propaganda Política. De estupro para mistificação, o leitor nota, temos outro estupro.
Com base behaviorista (numa leitura acurada e inteligente),
Tchakhotine disseca a propaganda, os seus métodos usados na vida antiga e
na modernidade. Os aportes teóricos não se limitam a Pavlov. Em páginas
agudas ele analisa os contributos da cibernética (em 1939….) de Wiener a
seus pares. Dados da psicanálise entram no texto para explorar os
lodaçais humanos onde se movem as litanias tirânicas.
As conclusões do autor desalentam. De cem pessoas submetidas à
intensa e perene propaganda, apenas 10 poderiam resistir ao estupro
emocional. Na época, os meios eram o rádio, a TV (em pequena escala, mas
já usada pelos nazistas e por seus inimigos), os jornais, os cartazes,
as manifestações de massas, os discursos. Estávamos longe dos Facebooks,
Twitters etc. O estelionato das urnas brasileiras, hoje sentido mesmo
no PT (que ameaça se afastar de Rousseff) teve responsáveis. O maior é o
marketing político.
Passo a outro ponto do texto citado. Como fruto da propaganda
virulenta, a tirania e o controle de indivíduos frágeis se tornou uma
praga social. Seitas exercem o papel de espiãs, polícias, promotoras,
juízas, carrascas. Na internet, tal delírio chega ao paroxismo. O
costume de punir pessoas diretamente, matar seu corpo ou moral, mostra a
natureza tigresca do ser humano, justifica e piora a tese de Hobbes.
Energúmenos ignoram respeito, civilidade, normas.
O ex-ministro da Fazenda, Mantega, foi há pouco hostilizado num
restaurante paulista. Ele já recebera insultos em ambiente hospitalar de
São Paulo. Alexandre Padilha, ex-ministro da saúde, teve seu quinhão de apupos também num restaurante.
Grupos imaginam ter o direito de punir sem apelo pessoas de quem
condenam a postura política, ideológica, religiosa. Em vez de indicar
democracia, semelhante prática mostra o plano baixo do fanatismo.
Atenção: o uso tem longa data. Quando a mãe de Fernando Collor (de quem
fui crítico feroz do início ao fim de governo) estava hospitalizada à
beira da morte, petistas e tucanos foram ao hospital berrar impropérios.
Eles não se incomodaram com o fato de a genitora não poder pagar, menos
ainda os demais doentes, pelos malfeitos do presidente. Tempos depois,
Mario Covas — a quem muitos petistas e tucanos devem a vida por sua
resistência à ditadura — foi apedrejado por petistas quando estava à
morte, na Praça da República paulista. Dei só dois exemplos. Eles são
muitos. "Duas coisas a burguesia nos legou, e delas não podemos abrir
mão: bom gosto e boas maneiras" (Lênin). O autor do ditado não o seguiu,
o que não infirma sua verdade. Que tal uma guinada rumo aos bons modos e
boas maneiras? Ou, quem sabe, rumo à democracia sem baixos ataques
pessoais e com debate teórico e prático? Caso contrário, sobra o
fascismo caboclo, de esquerda ou direita, para a desgraça do nosso país.