O eterno retorno dos clássicos
Ainda vale a pena ler O Príncipe, cinco séculos depois?
Estevão de Rezende Martins: Maquiavel sistematiza, no confinamento a que fora condenado em Santo André de Percussina, a tipologia política dos sistemas de governo de seu tempo. O início do século XVI viu ocorrerem transformações de monta, que assinalam a consolidação do estado moderno na Europa ocidental, e Maquiavel é um observador privilegiado, após 14 anos a serviço da república de Florença.
Roberto Romano: Segundo a lição de Spinoza, o autor da mais profunda Ética da idade clássica da razão de estado (o século 17), O Príncipe ensina aos povos as artimanhas dos políticos. Quem paga impostos, é enviado à guerra e sofre na pele os desmandos dos que dirigem os estados, percebe na hora a utilidade daquele monumento teórico e prático.
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Por que, de modo geral, devemos ler os clássicos?
Estevão de Rezende Martins: Um clássico é um texto (ou outra obra pictórica, escultural, arquitetônica), cujo tema, motivo, origem, utilização, praticidade se reproduz no interesse de diversas épocas sucessivas. Lê-los é entender nossas próprias raízes histórico-culturais.
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Roberto Romano: Maquiavel, em carta célebre, diz a um amigo que durante o dia frequentava as tavernas, as padarias, os açougues e as feiras. Ali, gastava o tempo que lhe sobrou, no exílio. Mas à noite, afirma, “coloco minhas roupas mais dignas e entro no escritório para conversar com os ilustres homens da antiguidade”.
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De que maneira devemos ler O Príncipe?
Estevão de Rezende Martins: É preciso ter presente que o período em que Maquiavel escreve é conturbado (e as condições sob as quais se encontrava, difíceis: nunca conseguirá voltar à atividade política) e que a existência do estado pontifício, exemplo maior de mescla entre o político e o moral, era um problema maior.
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Quais os pontos a desconsiderar em O Príncipe?
Estevão de Rezende Martins: A leitura posterior de que Maquiavel sugere um comportamento inescrupuloso ao governantes, no sentido distorcido da expressão “maquiavélico”. O que o autor propõe é o pragmatismo: os interesses do estado à frente dos interesses morais da sociedade.
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Roberto Romano: Nenhum. Todas as sentenças, capítulos, conclusões, alusões e demonstrações devem ser levadas a sério e pesadas com rigor técnico e, mesmo, matemático. Não por acaso Maquiavel foi chamado, por muitos comentadores, como o Galilei Galileu da vida política moderna.
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Maria Carolina Maia