quinta-feira, 22 de julho de 2010

Terra Magazine. Outro instigante artigo de Sírio Possenti. Apoio tudo, sobretudo a marca de "canalha" sobre os comentários anônimos.

Quinta, 22 de julho de 2010, 08h14 Atualizada às 08h18

Etimologia? Tratamento a mulheres na mídia é negativo

Eugênio Moraes/Agência Estado
Goleiro Bruno chega algemado ao Departamento de Homicídios, em Belo Horizonte
Goleiro Bruno chega algemado ao Departamento de Homicídios, em Belo Horizonte

Sírio Possenti
De Campinas (SP)

Etimologicamente, "amante" é o que ama. Cito quase literalmente o argumento de um leitor, que acrescentou que "negro" é o que tem pele escura. Simples assim, como se diz cada vez mais.

Ora, seguindo esse caminho vai entender nada sobre o sentido das palavras. A história de seus empregos faz com que adquiram marcas, conotações, de forma que algumas se tornam especializadas, outras, preconceituosas, outras, agressivas etc. São poucas as que só "descrevem", se é que as há.

No que se refere aos empregos da palavra, "amante" tem dois sentidos básicos: um é mais ou menos sinônimo de "aficionado", como na expressão "amante das artes", que guarda vagamente o sentido etimológico; o outro funciona no campo dos afetos, e em geral é associado a um intercâmbio sexual: "amante" designa aquele ou aquela que tem uma relação mais ou menos estável com outra ou outro, sem laços formais como os do casamento (pode até ser que se amem, mas não é o que conta). Não se diz que são amantes pessoas que tiveram um encontro ou uma noite ou tarde de amor. Ou mesmo se o "caso" dura uma semana. Além disso, "amante" quase sempre implica um triângulo, de forma que raramente a palavra designa dois solteiros, mesmo se a relação é estável. No caso, diz-se que são "namorados" ou "companheiros".

No texto da semana passada, quando comentei o tratamento de "(ex-)amante" conferido à moça com quem Bruno teve um caso (não se sabe quanto durou, ou seja, não se sabe se foram amantes), eu não discuti se tal tratamento era adequado ou não. O que discuti foi o fato de Bruno continuar sendo tratado como goleiro, apesar de a mídia ter aceito que ele é responsável por um crime brutal (não se sabe se isso vai ser provado). O que eu disse (mas, para alguns leitores, acho que eu deveria desenhar!) é que as palavras selecionadas para referir-se a Eliza e para referir-se a Bruno não têm conotações análogas. Se ela era amante, ele também era. Se ele é goleiro, ela é atriz. Mesmo que se acrescente "pornô". Minha crítica tinha como alvo o tratamento não marcado conferido a Bruno em comparação com o conferido a ela, de conotações claramente negativas.

Não é nada difícil verificar que, em casos assim, o tratamento dado à mulher é sempre mais negativo que o dado ao homem. Suponhamos que uma mulher seja atriz pornô. Por que isso é mais negativo para ela do que para seus colegas masculinos de trabalho? Esta diferença de tratamento está no mesmo espaço ideológico que leva muitos homens a se acharem no direito de bater em mulheres ou até de matá-las. Claro que "ofender" não é a mesma coisa que matar, mas as duas atitudes se sustentam mutuamente. É só uma diferença de grau.

Há alguns anos, jornais comentaram fatos decorrentes de uma relação amorosa entre o então senador ACM e uma jovem senhora de Salvador. Não me lembro de outros detalhes, porque não me interessaram. Mas me interessou anotar que ela era considerada "namorada" dele, embora fosse casada etc. Ou seja: se alguém é amante de ACM, na mídia ela se torna namorada. Se alguém é namorada de Bruno, logo se torna amante. Ele continua goleiro, assim como o outro continuava senador. Além das divisões de sexo ou gênero, pesam também as diferenças de classe social, como é óbvio.

A moça envolvida no mais recente episódio tem nome: Eliza. Não importa o que fez para ganhar a vida. Ou para perdê-la. Por que não a chamam de "vítima"?

Quem quiser ver exemplos um pouco diferentes, que deixam claras as mesmas questões de tratamento de grupos diferentes, ouça "O rico e o pobre", música de Ari Toledo, que pode ser encontrada no YouTube. É um bom exemplo do peso das palavras. Além disso, pode-se rir um pouco, que ninguém é de ferro.

ANONIMATO

Quem escreve na "internet", ou mesmo se apenas dá rápidas espiadas nos conteúdos, descobre duas coisas: a ampla liberdade de expressão existente (por isso, os que vivem sob ditaduras tentam manifestar-se na tal "blogosfera"); e a insuperável estupidez humana, especialmente clara quando alguém pode manter-se anônimo.

Sócrates, o ex-jogador, que manteve um blog durante a Copa, reclamou da falta de educação de muitos de seus "comentaristas". E com toda a razão. Confesso que não ligo ¿ faz algum tempo que desisti da espécie humana. Mas uma olhada superficial nos comentários permite fazer a seguinte afirmação: quanto mais estúpido é o comentário, é mais claro que o autor ou a autora não tem coragem de assumi-lo. Invariavelmente, esconde-se atrás de um pseudônimo. Em geral, grosseiro ou idiota. Quase sempre com ambas as qualidades.

Li em algum lugar uma avaliação da internet, feita em duas frases curtas e grossas: é o lugar da liberdade; é o lugar da canalhice.

A COPA, pela última vez

Ricardo Teixeira disse que os principais problemas em relação à organização da Copa de 2014 são: aeroportos, aeroportos, aeroportos.

Eu acho os principais problemas são, pela ordem: a seleção, a seleção, a seleção